Um ano e sete meses separam os pedidos de impeachment protocolados pelos advogados Janaina Paschoal e Claudio Lamachia. Em outubro de 2015, a professora universitária, ao lado de Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, apresentou à Câmara dos Deputados o documento que, mais tarde, viria a afastar Dilma Rousseff da Presidência da República.
Na tarde desta quinta-feira, foi a vez do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) repetir o gesto. Desta vez, contra Michel Temer (PMDB).
A sucessão dos pedidos exprime os contornos da crise política que assola do país. Porém, os processos, segundo avaliam os seus próprios autores, contêm características distintas.
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Leia, nas entrevistas abaixo, como Lamachia e Janaina analisam os cenários:
"O presidente cometeu um crime"
Claudio Lamachia
Advogado e presidente nacional da OAB
Por que a OAB defende o impeachment de Michel Temer?
Porque o presidente da República cometeu crime de responsabilidade. Na medida em que o presidente recebe uma pessoa que, na sua própria avaliação, é um delinquente e um fanfarrão, ouve que ela está cometendo diversos crimes – entre os quais, a compra de um juiz e de um membro do Ministério Público (MP) – e nada faz, ele está cometendo um crime. Além disso, temos uma discussão com relação aos áudios (da conversa de Temer com Joesley Batista) que não é levada em consideração pela OAB, porque o próprio presidente, em rede nacional, não negou o teor do diálogo que teve com o empresário, o que torna esses fatos incontroversos. É a própria declaração do presidente que fundamenta a petição inicial da OAB. E mesmo que tivéssemos uma edição do áudio, o presidente deveria ter negado o teor do diálogo mantido. E mais: o próprio presidente justificou que recebeu Joesley porque imaginou que conversariam sobre a Operação Carne Fraca, que, sabidamente, aconteceu dias depois. O presidente recebe uma pessoa investigada, com esse nível de denúncias, às altas horas da noite, na sua residência oficial, sem que essa pessoa precisasse se identificar e fora da agenda. Todos esses fatos são gravíssimos.
Comparando com o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, qual é mais sólido?
Não se trata de uma questão de solidez dos pedidos. A OAB, quando apreciou o pedido de afastamento de Temer, aplicou o mesmo procedimento, uma situação que guarda perfeita similitude, inclusive em termos inclusive de tempo, com relação ao pedido de impeachment que fizemos de Dilma. No caso da ex-presidente, soubemos de um áudio entre Dilma e Lula e também da delação de Delcídio do Amaral, que havia vazado. Como fizemos no caso de Temer, fizemos no caso de Dilma: requeremos ao Supremo Tribunal Federal (STF) o levantamento do sigilo das delações. Nos dois casos, no momento em que recebi a autorização judicial do STF para ter acesso aos elementos do processo, convoquei sessões extraordinárias do conselho federal da OAB. Os prazos são absolutamente semelhantes em ambos os casos, o que demonstra que a OAB não se movimenta de acordo com preferências partidárias e ideológicas.
No impeachment de Dilma, a OAB levou nove meses para endossar o pedido feito por Janaina Paschoal, Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo. Agora, a entidade resolver assumir o protagonismo. Por quê?
Assumi a presidência nacional da OAB em 1º de fevereiro de 2016, e a OAB pediu o impeachment de Dilma em 18 de março. Ou seja, o procedimento e o tempo que a ordem demorou para apreciar e pedir o afastamento de Dilma é muito semelhante ao tempo levado no caso de Temer. A cronologia é praticamente a mesma do momento em que tivemos o vazamento da delação de Delcídio e o áudio da conversa de Dilma e Lula e, no caso Temer, a informação da gravação de Joesley com o presidente. Nos dois casos, foi uma questão de dias para que o conselho federal da OAB fosse se chamado extraordinariamente.
Qual a diferença entre a crise do governo Dilma e a do governo Temer?
Acho que a chapa Dilma-Temer vive uma crise já de muito tempo. É difícil fazer uma separação entre uma situação e outra. Agora, não há dúvidas de que Temer perdeu uma oportunidade ímpar de romper com esse processo quando assumiu a presidência. Inclusive, me manifestei publicamente e, em diversas ocasiões, cobrei que o governo anunciasse um ministério de notáveis, de pessoas que estivessem longe de qualquer investigação e que fossem técnicas, porque o Brasil merecia isso. Não foi o que aconteceu.
Qual das crises é mais grave?
As duas crises são graves. No que diz respeito à OAB, lamento muito o que está acontecendo. Tenho um sentimento de tristeza por estar, neste momento, tendo que adotar essas posições, pedindo o impeachment de dois presidentes da República. Mas o Brasil precisa, de fato, ser passado a limpo. Nós precisamos alcançar, na política, um novo padrão ético e moral. Quando digo isso, não estou criminalizando a política. Aliás, não há democracia sem política e nem política sem políticos. O que precisamos são de homens e mulheres representando a sociedade comprometidos com a causa pública. Por isso, essa ideia de depuração e refundação da República.
"Acredito que derrubar Temer será mais fácil"
Janaina Paschoal
Advogada e professora na Universidade de São Paulo (USP)
A senhora concorda com o pedido de impeachment de Michel Temer proposto pela OAB?
Sim, tanto é que votei favoravelmente, quando consultada pelo conselho da seccional da OAB de São Paulo, que tenho a honra de compor.
Comparando com o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, qual é mais sólido?
Não seria ético julgar o trabalho de outro colega, que dirá da própria ordem. Posso falar sobre o meu trabalho, que foi muito sólido, pois alicerçado em longa e detalhada investigação feita pelo Ministério Público de Contas da União, que constatou as fraudes conhecidas como pedaladas. Havia acórdãos confirmando as pedaladas. Também havia algumas delações já referentes ao Petrolão. Ademais, tomamos o cuidado de apresentar uma série de reportagens, de veículos diferentes, mostrando a estranha e promíscua relação entre Lula, Dilma, Odebrecht e as ditaduras amigas, que receberam dinheiro público, bilhões, via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A dificuldade do processo foi a força do PT, que domina a imprensa e as universidades, ou seja, os formadores de opinião. Mas os crimes eram evidentes, meu papel foi mostrá-los com clareza à sociedade, daí a necessidade de me desqualificar e intimidar.
A senhora vai atuar pela saída de Temer como fez com Dilma?
No caso de Temer, a OAB decidiu cumprir seu papel, e isso faz com que os cidadãos não precisem tomar a dianteira. No caso de Dilma, ninguém tinha coragem de enfrentá-la, não por ela, mas pelo PT. Precisei buscar ajuda de Hélio Bicudo, esse ícone da democracia brasileira, para enfrentar um dos processos mais difíceis da nossa história. Entendo que fiz a minha parte e confio que a ordem fará a sua.
Qual a diferente entre a crise do governo Dilma e a do governo Temer?
Graças a todas as explicações que demos no processo anterior, nosso povo criou mais consciência de seus poderes. Hoje, entendo que a população já percebeu que os políticos também precisam cumprir a lei, por isso acredito que derrubar Temer será mais fácil. Ademais, o PT está na oposição e isso eles sabem fazer bem.
Qual das crises é mais grave?
Não são duas crises. Tudo o que está ocorrendo faz parte do processo de depuração que está em curso. É dolorido, mas necessário. Muitos ainda cairão. Digo isso desde o princípio. Que caiam! Em 2018, teremos eleições mais limpas. A importância do meu trabalho foi quebrar o pacto de silêncio que estava estabelecido. Agradeço a Deus por ter conseguido fazer isso.