ENTREVISTA: advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay
"Quem não comete abuso está tranquilo"
Um dos mais requisitados advogados de Brasília, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é um entusiasta do projeto de abuso de autoridade. Com mais de 20 clientes na Lava-Jato, diz que o texto irá corrigir excessos cometidos pelo Judiciário, em especial pelo Ministério Público Federal, a quem acusa de ativismo judicial e de pedir prisões em demasia.
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Como o senhor vê o projeto de lei sobre abuso de autoridade em tramitação no Senado?
O que mais me impressiona é a falta de lealdade do Ministério Público, que se arvora o tutor da nação ao dizer que é um projeto do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). É uma proposta de 2009. Foi criada uma comissão para elaborar o texto, redigido pelo ministro Teori Zavascki e apresentado pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Estamos vivendo um momento extremamente rico, a Lava-Jato faz um belíssimo trabalho, mas com muitos, muitos abusos institucionais. Então, a pedido de alguns ministros do Judiciário, Renan apresentou um projeto que estava dormitando no Senado e não mudou uma única linha. Por falta de lealdade intelectual, o Ministério Público está dizendo que é do Renan para desqualificar, não pelo conteúdo, mas pela pretensa forma. Mas eu não esperava outra coisa do MP.
Com esse ambiente político conturbado, é o momento ideal de votar o projeto?
Já deveria ter votado. O Congresso tentou, mas não permitiram. Quem tem medo do projeto de abuso de autoridade? Só quem pratica. Eu não tenho. É absolutamente contraditória a postura desses arautos da moralidade dizer agora que tudo é contra a Lava-Jato. Ela nem existia em 2009. Isso é falta de argumento, proselitismo, inclusive com um certo quê de ridículo. Toda pressão da sociedade sobre o Congresso é bem-vinda, o que não pega bem é a deslealdade. É muito grave, porque o projeto é necessário. Ele vai coibir o excesso do guarda da esquina, ao cidadão que está voltando para casa e toma um tapa na orelha porque não mostrou o documento. Esse pessoal do Ministério Público pensa que só existe a Lava-Jato. Existe um Brasil real.
O projeto permite que o réu processe o juiz da causa, o que impediria o magistrado de seguir à frente da ação penal contra esse acusado. Não se trata de retaliação, de travar o seguimento do processo?
Ninguém está delegando ao cidadão ofendido o direito de processar e impedir. Isso é uma meia verdade. Quem vai tomar providência é o Ministério Público e quem vai decidir é o Judiciário. Não pode existir crime de interpretação, de hermenêutica. Entendo a preocupação dos procuradores da Lava-Jato, porque eles pedem prisão sem a menor necessidade. Mas essa não é a realidade nacional, existe um Ministério Público muito mais sensato, sério e comprometido com as instituições nacionais. Quem não comete abuso está tranquilo. Claro que poderá ter excesso, como também há excesso nas prisões da Lava-Jato.
Já que o Congresso está disposto a enfrentar o tema, não poderia também discutir o fim do foro privilegiado?
Tenho uma proposta que mantém o foro apenas para quatro cargos: presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, do Senado e da Câmara. Inclusive já conversei com alguns senadores sobre a necessidade de se aprovar o fim do foro, o que lhes dará mais legitimidade.
ENTREVISTA: presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti
"Do jeito que está, inibe investigações"
À frente da categoria que mais tem afligido os políticos investigados na Lava-Jato, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, considera que a operação é um dos alvos da lei de abuso de autoridade. Para Cavalcanti, alguns pontos do projeto inibem investigações e foram criados especialmente para dificultar a ação de promotores e juízes.
Como o senhor vê o projeto de lei sobre abuso de autoridade?
Do jeito que está, inibe investigações. Não há dúvida que a lei precisa ser atualizada, é de 1965 e foi criada na época da ditadura, para não dar problemas aos agentes do regime. A discussão tem de ter calma. Não está no ritmo perfeito, mas pelo menos o Senado não votou a toque de caixa, como queria no ano passado o senador Renan Calheiros. Houve uma colaboração de todas as entidades da magistratura, que foram acatadas em parte. O projeto está melhor, mas dois problemas restaram: um é o crime de hermenêutica, o outro é a ação penal concorrente, na qual qualquer suposta vítima de abuso de autoridade pode processar criminalmente o agente do Estado, seja fiscal, juiz ou promotor. Isso permite que um bandido, chefe de quadrilha do crime organizado, processe criminalmente um juiz. Há 5 mil anos a humanidade chegou a conclusão de que a vingança privada não é solução. Por isso que em todos os países do mundo, a titularidade do processo penal é do Estado, por meio do Ministério Público.
Esse é o momento ideal de votar o projeto?
Não. O Senado tem plena autonomia para debater o assunto. Fui o primeiro a dizer que é um tema necessário. Mas o Brasil sobreviveu com a lei atual nesses 52 anos. Os principais pontos que o texto aborda já estão atendidos por outros tipos penais. Por que fazer agora, no momento em que você tem grandes operações – a Lava-Jato é a principal, mas não é a única – envolvendo congressistas? Um terço do Senado está sendo investigado no Supremo Tribunal Federal.
Trata-se de retaliação?
Qualquer atitude que o Senado tenha pode ser vista como retaliação. O relator do projeto, senador Roberto Requião, há muitos anos tem visão crítica sobre certas pessoas do Judiciário e do Ministério Público. Não identifico nele qualquer intenção de atacar a Lava-Jato. Isso não quer dizer que não existam pessoas se aproveitando da discussão para tipificar situações que ataquem a Lava-Jato. Sem dúvida nenhuma, está acontecendo porque há algumas coisas sendo colocadas no projeto que têm endereço certo.
A operação cometeu abusos, como excesso de prisões e conduções coercitivas e a própria decisão do juiz Sergio Moro de obrigar o ex-presidente Lula a comparecer a todas as audiências de testemunhas?
A defesa do ex-presidente recorreu. Não se pode determinar uma diferença de interpretação como abuso de autoridade. O juiz justificou sua decisão, o normal são oito testemunhas. A defesa apresentou 87 e ele deferiu, embora tenha exigido a presença do réu. Isso é uma discussão comum, normal do processo. Sobre a condução coercitiva, ela não está expressa em lei, mas é admitida em todas as instâncias do Judiciário porque é menor do que a prisão temporária. Ela não tem apenas a função de ouvir, mas sim ouvir naquele momento, sem possibilidade de combinação de versões, e também retira a pessoa daquele ambiente porque se está coletando provas. Se fala em 200 conduções coercitivas na Lava-Jato, mas só a do Lula foi tratada como absurda. Nenhum outro réu reclamou. É direito transformar isso em discurso político, mas do ponto de vista técnico não há nada de mais.