Após três meses esquadrinhando os depoimentos de executivos da Odebrecht, a Procuradoria-Geral da República (PGR) está pronta para remeter ao Supremo Tribunal Federal (STF) relato minucioso de operações criminosas atribuídas a algumas das mais altas autoridades do país. Trata-se do maior e mais detalhado painel da atuação de organizações montadas para desviar recursos públicos e financiar campanhas eleitorais Brasil afora nas últimas duas décadas.
Costurando as revelações e depoimentos apresentados nos mais de 900 interrogatórios, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou aos nomes de 229 políticos – naquela que vem sendo chamada de a "segunda lista de Janot". A partir da análise do que foi narrado pelos 78 delatores e de um intrincado sistema de cruzamento de dados, um grupo de 80 procuradores preparou os procedimentos. Cada pedido enviado ao STF contém um fato criminoso específico e terá como alvo uma ou mais pessoas, que poderão ser julgadas em diferentes instâncias judiciais, conforme a prerrogativa de foro dos envolvidos.
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Dessa forma, deputados federais, senadores e ministros citados em fraude na licitação de uma obra, por exemplo, terão a conduta apurada pelo STF. Se no mesmo caso houver a participação de governadores e deputados estaduais, a responsabilidade dos chefes de Executivo será investigada pelo Superior Tribunal de Justiça e a dos parlamentares, nos respectivos tribunais de Justiça dos Estados.
Quem não estiver exercendo mandato ficará sob o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramita a maioria das ações da Lava-Jato e cujo titular é Sergio Moro. A expectativa dos procuradores é de que pelo menos dois terços dos processos passem por Curitiba.
– Nos casos em que o acusado não tem mandato, mas a prova contra ele está muito vinculada a alguém com foro privilegiado, o processo sobe para instância superior. Em Curitiba, devem ficar a maioria dos processos envolvendo a Petrobras e o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, que é o departamento de propina da empresa, pois adquirimos uma grande experiência, sobretudo nos casos de lavagem de dinheiro – diz um dos procuradores com acesso aos autos.
"A Lava-Jato não para aqui"
ZH apurou que foram delatados pelo menos quatro presidentes: José Sarney e Michel Temer, ambos do PMDB, e os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desses, a princípio Sarney, Lula e Dilma ficariam nas mãos de Moro. Como Temer está no exercício do cargo, o caso será analisado pelo STF – há uma controvérsia se ele pode ser processado por fatos anteriores ao mandato. Também integram a lista 82 deputados federais, 17 estaduais, 63 governadores, 29 ministros e 34 senadores, entre atuais e ex-mandatários.
Do Rio Grande do Sul, aparecem pelo menos 13 políticos citados nas delações: dois ex-governadores, um senador, um ministro, sete deputados federais e um estadual, além de uma candidata que nunca se elegeu. Nem todos estarão necessariamente na lista de investigados. Alguns teriam participado de fraudes em pelos menos cinco grandes obras realizadas em solo gaúcho: a barragem de Tacuarembó, na Campanha, a Terceira Perimetral de Porto Alegre, a expansão do Trensurb e, em Rio Grande, a ampliação dos molhes da barra e a dragagem do superporto.
Há em curso a apuração de pagamento de propina a dois ex-governadores em troca da concessão de créditos tributários. Os demais são investigados por lavagem de dinheiro e por receber suborno e doações eleitorais via caixa 2.
A remessa dos processos à Justiça não significa o fim das operações policiais. Haverá novas diligências e a Polícia Federal seguirá amanhecendo à porta da casa dos suspeitos.
– A Lava-Jato não para aqui – sentencia um dos integrantes da força-tarefa.