Um dia após a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedir a abertura de 83 inquéritos contra a cúpula do poder em Brasília, as mais altas autoridades da República tentaram criar um ambiente de falsa normalidade na capital do país. Enquanto no Congresso os líderes partidários ressaltavam a necessidade de retomar as votações, o presidente Michel Temer discutiu a criação de um novo sistema de financiamento eleitoral que não busque "apagar o passado", mas "olhar com resolução para o futuro".
Nos bastidores, contudo, a tensão é latente. Com cinco ministros entre os alvos do procurador-geral, Rodrigo Janot, Temer recebeu no Planalto os presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
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Em mais de uma hora de conversa, eles unificaram o discurso em torno de uma proposta de reforma do sistema eleitoral. No Congresso, contudo, a alternativa que cada vez ganha mais adesão é a anistia ao caixa 2.
Na tentativa de abafar a impressão de que está em curso uma blindagem generalizada, o discurso reinante é de que a proposta irá separar "o caixa 2 do bem" do "caixa 2 do mal". O ilícito benigno seria apenas uma doação eleitoral não declarada, em contraste com os recursos usados em campanhas que seriam fruto de corrupção.
O difícil foi encontrar algum deputado disposto a defender abertamente a proposta. Embora fosse um dia normal de trabalho e muitos parlamentares estivessem circulando pela Casa, a maioria se esquivava dos repórteres. Coube a Rodrigo Maia – que admitiu estar entre os políticos citados pelos delatores da Odebrecht –, a missão de passar tranquilidade aos parlamentares. Garantiu que não há motivos para um engessamento da Câmara e que pretende colocar em votação, já na próxima semana, o projeto sobre a terceirização do trabalho.
A determinação é "não acusar o golpe". Em conversas reservadas, deputados e senadores sabem que haverá desgaste gigantesco a partir do momento em que o sigilo sobre os inquéritos for levantado. Todavia, contam com a lentidão do Supremo Tribunal Federal (STF) na condução dos casos e estimam que ninguém será julgado num prazo mínimo de quatro anos.
– A lista terá muitos nomes porque são muitas citações, mas, lá no final, daqui a alguns anos, ficarão poucos, como foi no mensalão – afirma o deputado Marcos Rogerio (DEM-RO).
A mesma estratégia vem sendo usada pelo Planalto, que busca concentrar o foco na agenda econômica e na reforma da Previdência. Como o governo sabe que ainda não tem os votos suficientes para aprovar as mudanças, à boca pequena surge a possibilidade de eventuais compensações, justo ao Ministério Público e ao Judiciário, que não seriam afetados pelas novas regras de aposentadoria.
O Planalto nega que esteja negociando compensações, mas admite que a preocupação maior é com o caso do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Principal negociador da reforma, ele está na lista de Janot e ontem passou a ser investigado em um novo inquérito autorizado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski sobre crime ambiental.
– Se investigação matasse alguém, Renan (Calheiros, PMDB-AL) não estaria mais entre nós – alfinetou um habitué do palácio, citando as duas ações penais e nove inquéritos contra o senador no STF.
Enquanto Planalto e Câmara buscam apaziguar os ânimos, a reação mais enfática à investida da PGR partiu do Senado. Eunício Oliveira tem sido aconselhado a fazer da Casa uma fortaleza política, dando prioridade à votação de textos como o que tipifica o crime de abuso de autoridade. Nos principais partidos, PMDB e PSDB, o discurso oficial é de que ninguém foi condenado e que a lista trata de mera abertura de inquéritos.
– Ser investigado não é demérito. O demérito é ser condenado – diz repetidamente Romero Jucá (PMDB-RR).