Uma das mais explosivas revelações feita pelo empresário Marcelo Odebrecht durante depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi a de que teria pago R$ 50 milhões via caixa 2 à campanha Dilma-Temer em 2014 em troca de uma medida provisória que atendia aos interesses de seus negócios. Desde o início dos depoimentos dos executivos da empreiteira no acordo de delação premiada com a Lava-Jato, pelo menos 12 medidas provisórias editadas pelo governo Lula e Dilma já foram citadas como objeto de negociação financeira.
Uma das mais polêmicas foi a MP 627, publicada em novembro de 2013. No texto, o governo alterou a legislação tributária sobre Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas. À Odebrecht interessava a ampliação do prazo para pagamento de impostos sobre lucros obtidos no Exterior por multinacionais brasileiras. A MP favorecia diretamente a Braskem, empresa controlada pelo grupo Odebrecht.
Editada em meio a uma crise econômica internacional, a MP era aguardada com expectativa pelo setor produtivo. À época, havia enorme insegurança jurídica e uma intensa briga judicial por conta da complexidade das obrigações tributárias impostas às empresas. De acordo com dados divulgados pela Receita Federal em novembro de 2013, o passivo tributário decorrente dessa discussão era estimado entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões.
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Diante desse cenário e da variedade de setores empresariais cobertos pela MP, o texto original do governo recebeu nada menos do que 513 emendas, fruto de pressão insistente de lobistas sobre os parlamentares. Entre os temas estranhos à proposta original, os deputados incluíram mudanças nas regras de exploração de aeródromos e até a extinção da taxa para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Além de estender o prazo de pagamento dos tributos de cinco para oito anos, a matéria aprovada pelo Congresso também deixou de exigir que a empresa desistisse de qualquer processo administrativo e judicial contra a Receita Federal. Outra medida benéfica era a permissão para que o imposto fosse pago pela alíquota cobrada no país escolhido – entre o Brasil e o local de atuação de filial –, desde que não se tratasse de um paraíso fiscal.
As duas emendas foram incluídas pelo relator da matéria na Câmara, o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba pela Operação Lava-Jato. Ao final, a MP foi aprovada com facilidade pela Câmara e pelo Senado em um intervalo de 13 dias. O texto acabou sancionado por Dilma Rousseff um mês depois. A presidente avalizou as emendas de Cunha,
Outro veto de Dilma contrariou empreiteiras, entre as quais a própria Odebrecht. A emenda preservava as construtoras de aumento na tributação sobre grandes obras feitas no Exterior e, ao ser vetada pela presidente, gerou inúmeras reclamações. Dilma também excluiu um artigo que permitia a ampliação no chamado Refis da Crise, pelo qual as empresas poderiam renegociar dívidas vencidas até 30 de junho de 2013. A presidente manteve a data prevista anteriormente, 31 de dezembro de 2008.
Veja outras MPs sob suspeita de terem o conteúdo encomendado pela Odebrecht
MP 252/05 - Criava incentivos fiscais para incrementar exportações.
MP 255/05 - Concebida para regular tributação da previdência privada, recebeu emendas dando isenção de PIS/Cofins para aquisição de equipamentos usados na produção de bens para exportação, além de outros 12 temas.
MP 449/08 - Perdoava dívidas fiscais com o governo federal de valor inferior a R$ 10 mil e permitiu parcelar débitos superiores em até 180 meses.
MP 460/09 - Reduzia os impostos das construtoras nos contratos de construção de moradias firmados dentro do Programa Minha Casa, Minha Vida.
MP 470/09 - Permitia às empresas exportadoras parcelarem seus débitos decorrentes do aproveitamento indevido do crédito-prêmio do IPI.
MP 472/09 - Com diversos temas, tratava desde o regime especial de incentivos para o desenvolvimento de infraestrutura da indústria petrolífera nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste à dedução ou isenção de impostos.
MP 544/2011 - Estabelecia normas para compras e contratações na área de defesa, criando regime especial tributário para o setor.
MP 563/12 - Visava fortalecer a indústria nacional por meio de desonerações, financiamento a exportações e outras medidas.
MP 579/12 - Renovava concessões das usinas, transmissoras e distribuidoras de energia em troca de redução de 20% no preço final da conta da luz.
MP 613/2013 - Concedia incentivos à produção de etanol e à indústria química por meio de crédito presumido e redução de alíquota do PIS/Pasep e da Cofins.
MP 651/14 - Previa a desoneração da folha de pagamento, o refinanciamento de dívidas com o governo federal e outras alterações tributárias.