Com as medidas aprovadas na Assembleia Legislativa nos últimos dias, incluindo extinção ou reestruturação de 12 órgãos públicos e a demissão de 1,2 mil servidores, o Rio Grande do Sul surge no cenário nacional como o primeiro Estado a atender exigências do governo federal em troca de socorro financeiro.
A demonstração de força diante de sindicatos e corporações, na avaliação de integrantes do Palácio Piratini, abre caminho para a construção de uma nova imagem do RS no país e dá musculatura ao governador José Ivo Sartori nas negociações com a União. Mas especialistas advertem: os cortes feitos não são garantia de melhorias nos serviços prestados à população.
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De 15 propostas levadas à votação até a madrugada de sexta-feira, apenas uma foi rejeitada: a que alteraria o cálculo do repasse de recursos aos poderes, reduzindo o peso da crise sobre o Executivo. Idealizador do pacote, o secretário-geral de Governo, Carlos Búrigo, entende que Sartori está "fazendo o dever de casa" ao mexer em estruturas nas quais nenhum governador teria ousado tocar até então.
– Tudo o que o governo federal está exigindo dos Estados o Rio Grande do Sul já está fazendo, de forma pioneira, exemplar no país. Somos agentes da mudança e estamos provando que é possível fazer as rupturas necessárias para modernizar a administração pública, acima de ideologias e interesses partidários. Nossa imagem já está mudando – afirma Búrigo.
Para capitalizar ganhos, a intenção no Piratini é acelerar o acordo de renegociação da dívida com a União, que dará fôlego extra nos próximos três anos, e pressionar pela solução de antigas pendências. Entre elas, estão as perdas com exportações em razão da Lei Kandir, aprovada em 1996, e os investimentos feitos em estradas federais no governo de Pedro Simon (1987-1990).
– Vamos provar para a equipe econômica que estamos fazendo a nossa parte. Ao mesmo tempo, vamos mostrar para investidores e organismos internacionais que realmente estamos propondo um novo Estado. Quando a economia começar a se recuperar, estaremos em melhores condições de receber investimentos – projeta Búrigo.
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Apesar da expectativa do governo, uma ala de economistas avalia que o pacote é insuficiente para salvar o Estado da penúria. Professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Flavio Fligenspan considera a estratégia do Piratini falha ao se concentrar no corte de gastos e deixar em segundo plano formas de alavancar a receita.
– O governo toma medidas cuja economia é ridícula em comparação ao déficit, como a extinção das fundações. Era necessário recuperar receitas, combater a sonegação, rever benefícios fiscais. Metade da conta do déficit não está sendo considerada – analisa Fligenspan.
O economista Celso Pudwell tem outra preocupação: a incapacidade das medidas propostas até o momento de sanar o robusto déficit previdenciário gaúcho – que deve somar R$ 9 bilhões neste ano. Para Pudwell, esse é o grande nó a ser desatado para livrar o Estado da insolvência:
– A ampliação da alíquota de contribuição de 13,25% para 14% não faz nem cócegas no problema, e outras medidas recentes, como a criação da previdência complementar, só terão impacto a longo prazo. Se não for feito algo para estancar o déficit previdenciário, será um buraco negro a consumir todos os recursos do Estado.
O economista avalia que a busca por uma solução deve incluir até um polêmico debate sobre a flexibilização de direitos adquiridos a fim de permitir, por exemplo, o corte de aposentadorias consideradas elevadas demais.
– Isso foi discutido na Grécia. O direito à vida deve estar acima do direito adquirido. É justo um professor receber seu salário parcelado por causa disso? – questiona Pudwell.
Búrigo admite que o resultado prático das medidas será "gradativo" e que se trata muito mais de uma "mudança conceitual" do que propriamente de redução de custos. O principal objetivo, segundo o secretário, é fazer com que, aos poucos, o Estado passe a priorizar serviços essenciais, como saúde e segurança, e gaste menos com a manutenção da própria máquina.
Para Fernando Schüler, cientista político do Insper, em São Paulo, e secretário da Justiça no governo Yeda Crusius (PSDB), o Piratini está certo.
– Os recursos públicos consumidos nas áreas burocráticas são os mesmos que faltam na ponta, para a população mais pobre. Se o pacote não resolve todos os problemas, pelo menos aponta um caminho – diz Schüler.