Em jantar promovido no domingo com deputados da base aliada do governo, no Palácio da Alvorada, o presidente Michel Temer criticou a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que na sexta-feira considerou "inconstitucional" a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo governo para limitar o aumento dos gastos públicos por 20 anos.
– Todo e qualquer movimento de natureza corporativa que possa tisnar a PEC do Teto não pode ser admitido. Nós estamos fazendo história e queremos, no último dia do nosso governo, dizer: "Salvamos o Brasil" – disse Temer, de acordo com relato de participantes do encontro, sem citar diretamente o Ministério Público Federal (MPF).
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Temer reuniu cerca de 215 parlamentares no Alvorada, além de ministros e assessores. Foi uma estratégia para se aproximar do Congresso e obter quórum alto para a votação em primeiro turno da PEC do teto, nesta segunda-feira. O presidente afirmou que a proposta é fundamental para o ajuste das contas e cobrou fidelidade da base, sob a alegação de que sua aprovação será entendida como um sinal de força do governo para tirar o país da crise.
– Estamos precisando revelar ao País que temos responsabilidade e que estamos cortando na carne. Estão reunidos aqui 300 parlamentares. Mais oito e já aprovamos a PEC – insistiu Temer, aumentando o número de presentes, numa referência aos 308 votos necessários para a proposta passar em primeiro turno.
Pelos cálculos do governo, apesar da resistência da Procuradoria Geral da República (PGR) e da oposição, a PEC do Teto deverá ser aprovada hoje com ao menos 350 votos.
– Vamos marchar para uma votação muito expressiva dessa emenda constitucional – disse o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima.
Se tudo seguir conforme o cronograma previsto, o último capítulo da votação deve ocorrer no fim do mês, entre os dias 24 e 25.
A nota técnica que a PGR enviou à Câmara causou mal-estar não apenas no governo como entre integrantes da base aliada. Além de considerar "inconstitucional" a proposta que limita os gastos públicos, a Procuradoria argumenta que a emenda enfraquece o Poder Judiciário e ameaça as ações de combate à corrupção no País. Para o MPF, a PEC desrespeita a separação entre os Poderes e tende a transformar o Executivo num "superórgão".
Contestada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo, a manifestação da Procuradoria será usada pela oposição para tentar barrar a tramitação da proposta. Geddel afirmou, porém, que não teme uma possível judicialização do assunto.
– Acho que o Judiciário brasileiro tem absoluta noção da responsabilidade histórica desse momento. Tenho convicção inabalável que não serão ações corporativistas que vão atrasar a necessidade de fazermos o ajuste fiscal no país – argumentou ele.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a superação da crise só ocorrerá com "empenho e comprometimento de todos", incluindo o MPF.
– Nenhuma instituição ou pessoa está acima das leis e da Constituição – afirmou Maia.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também compareceu ao jantar de ontem e disse que, quando a PEC chegar à Casa, dará celeridade à tramitação do texto.
Antes do jantar – que teve como pratos principais filé mignon, salmão e risoto de shitake –, os economistas José Márcio Camargo e Armando Castelar, ambos do Rio, fizeram uma exposição em Power Point sobre a necessidade da aprovação da PEC para o ajuste das contas. A reforma da Previdência foi apresentada ali como indispensável.
– Com as regras atuais, a Previdência seria responsável por todo o gasto público em 20 anos – dizia um dos trechos do estudo mostrado pelos economistas.
A movimentação de aliados ao Alvorada foi tamanha que, antes das 19 horas, uma fila de 300 metros já se formava diante do palácio. Muitos parlamentares levaram mulheres e filhos para o encontro. O presidente e a primeira-dama, Marcela, receberam pessoalmente todos, no hall de entrada, do Alvorada. Temer cumprimentou um a um e posou para fotos.
Horas antes do jantar, Temer também telefonou para deputados que ainda se diziam "indecisos". Um mapa com os votos de parlamentares contra e a favor, além daqueles que ainda não se posicionaram sobre o tema, foi apresentado a ele por líderes da base aliada, durante almoço na casa do deputado Rogério Rosso (DF), que comanda a bancada do PSD.
– Montamos um núcleo de monitoramento. Sabemos até o horário de chegada dos parlamentares a Brasília amanhã – afirmou Rosso.
– Ainda estamos tentando conquistar votos. Entre os indecisos não tem uma questão partidária. Há apenas alguns representantes da área da educação e da saúde com os quais precisamos conversar – disse o líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE).
Sete partidos da base aliada (PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PTB e PSC) fecharam questão pela aprovação da PEC do teto. Há ainda a expectativa de que DEM e Solidariedade declarem apoio da bancada.
Proibição
O novo texto da PEC, apresentado na última semana pelo relator, Darcísio Perondi (PMDB-RS), endureceu as penalidades aos órgãos e poderes em caso de descumprimento do limite de gastos. A principal delas é a proibição de medidas que impliquem reajuste de despesa obrigatória acima da inflação, o que atinge diretamente o salário mínimo em caso de estouro do teto pelo Executivo.
A versão ainda prevê veto à revisão geral anual das remunerações de servidores públicos. Isso significa que, em caso de violação ao teto, os funcionários não terão sequer a reposição inflacionária garantida pela Constituição. O governo ainda previu um intervalo de três anos em que o Executivo poderá compensar o estouro do teto de Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública da União. Isso porque esses Poderes tiveram reajustes com impacto até 2019. Com isso, o Executivo terá de segurar despesas próprias de outras áreas para bancar esses aumentos.
A PEC ainda prevê que as despesas mínimas com educação e saúde terão como referência os pisos de 2017. Antes, o piso de 2016 seria tomado como base para os Orçamentos futuros. O impacto mais significativo será na área da saúde: cálculos da equipe econômica mostram que essa mudança melhorou o mínimo dessas despesas em R$ 10 bilhões, para R$ 113,7 bilhões. A avaliação é de que a medida vai dirimir a resistência à PEC, uma vez que a bancada de deputados ligados à área da saúde vinha exercendo oposição à medida.
O mecanismo inicial de correção do teto de gastos será a inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, regra que valerá a partir de 2018. Para o ano que vem, o índice de 7,2% já foi definido no Orçamento. O texto ainda confirmou que, a partir do décimo ano de vigência da PEC, será possível promover uma alteração na regra por mandato presidencial.