"Faltam 98 dias, 12 horas e 50 minutos para tudo acabar."
Foi com essa contagem regressiva minuciosa, de quem se preocupa com cada instante que ainda tinha pela frente naquele 24 de setembro, que Alfredo Borges (PP), prefeito de Lavras do Sul, respondeu em seu gabinete a uma pergunta sobre como é a experiência de comandar um município. Enquanto os recém-eleitos comemoram suas votações no último domingo, ele aguarda com ansiedade pela meia-noite de 31 de dezembro, quando brindará por um esperado novo título: o de ex-prefeito.
Borges é um dos 126 gestores municipais que, apesar da insistência de correligionários e das vantagens de quem já está no comando da máquina pública, rejeitaram a possibilidade de reeleição no Estado. Eles representam 36% dos prefeitos gaúchos que estavam aptos a concorrer ao segundo mandato, conforme a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Muitos deles justificam a decisão como defesa da rotatividade na política, mas outros apresentam uma razão mais concreta – e tida por diferentes observadores como mais condizente com a realidade: estão largando o osso porque não está fácil ser prefeito.
O gestor de Lavras do Sul está entre os que descrevem o pepino sem meios termos:
– Vivemos nos últimos quatro anos o auge da crise econômica e política no país. A arrecadação e os repasses estaduais e federais despencaram. Por outro lado, cresceram as atribuições e as despesas das prefeituras. Sofremos diariamente forte interferência da judicialização na gestão, além de que estamos todos condenados ao rótulo de corruptos, tamanha a descrença da população na classe política.
A desistência de prefeitos que poderiam ir à reeleição não é exclusividade dos municípios pequenos. Políticos de dois dos maiores colégios eleitorais do Estado também estão passando o abacaxi adiante: Alceu Barbosa Velho (PDT), prefeito de Caxias do Sul, e Eduardo Leite (PSDB), de Pelotas. Segundo eles, o principal motivo para a desistência é serem contra a reeleição, mas não escondem a lista de dificuldades assumidas junto com o cargo:
– O grande desafio é o prefeito não ter mais o poder que tinha no passado, quando era ele quem tomava decisão, encaminhava as demandas e as resolvia. Hoje há uma dezena de órgãos de controle. E isso afeta a gestão muito mais do que a crise econômica e a de arrecadação. Há uma constante crise de governança para qualquer prefeito, porque ele não tem mais o poder de resolução que tinha. E a população está muito mais apreensiva – afirma Leite, que encerra o mandato com 31 anos.
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Nem o presidente da Famurs, sempre um nome de referência entre os que estão ocupando o cargo de prefeito no Estado, escapa a esse desgosto. Luciano Pinto (PDT), 52 anos, que acumula a liderança da entidade com o comando da prefeitura de Arroio do Sal, atribui a já tomada decisão de não sentar de novo em cadeira de prefeito a uma razão que atormenta 497 entre 497 pessoas na sua posição: o risco de os gestores, que no Estado ganham em média R$ 9 mil, submeterem-se a multas que podem chegar a R$ 100 mil por dia, por questões que fogem da própria alçada.
– A atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas é necessária, não há dúvidas. Mas é preciso ter limites. Muitas vezes um prefeito, para atender uma norma, obriga-se a descumprir outra. Ele é obrigado a pagar o piso do professor, mas se fizer isso vai ultrapassar o percentual da folha que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece. Uma das duas coisas ele vai descumprir, e já corre o risco de ser penalizado. Ele vive com uma espada sobre a cabeça. Se não for feita alguma coisa, vai chegar um momento em que só vão concorrer aqueles que não têm nada a perder. E aí quem perde é a sociedade – argumenta Luciano Pinto.
Nesse atoleiro que não tem fim, não há saúde que aguente, como comprova o caso de Borges em Lavras do Sul. Diante de contas que não fecham e cobranças que não cessam, ele deixou de ser alguém que dormia que era uma beleza. Agora com 55 anos, tornou-se um indivíduo que só apaga com a ajuda de medicamentos. Ao desgaste físico, soma-se o psicológico: a frustração virou uma cruel companhia para aqueles que assumiram o cargo acreditando que dariam conta das demandas da população. Sabem agora: esforço sem recursos não tira projetos do papel.
As dificuldades não são particularidade dos gestores gaúchos. Em todo o Brasil, somente 54% dos prefeitos aptos à reeleição enfrentaram o pleito em 2 de outubro. É o menor percentual desde 2000, quando a possibilidade do segundo mandato consecutivo foi permitida. Só que cada região e município reservam ainda particularidades.
– O Rio Grande do Sul está, além de falido, dividido. Lavras do Sul fica na Metade Sul, só que mais de 70% dos eleitores gaúchos estão na Metade Norte, onde também estão a grande maioria dos deputados estaduais e federais e para onde acabam indo os recursos. Não temos representatividade. E ainda fazemos parte da Faixa de Fronteira, o que traz inúmeras restrições de investimentos, principalmente para empresas multinacionais – acrescenta Borges.
Não há uma única indústria no município de 8 mil habitantes. A economia é baseada na pecuária, e nos últimos anos também ganhou força a agricultura, principalmente o plantio de soja e arroz, destinados ao mercado interno. Só que em 2016 até mesmo o prefeito, que é agricultor, sofreu os prejuízos da seca quando mais se precisava de chuva e das enxurradas durante a colheita.
Piorou ainda mais a situação financeira de Lavras do Sul, que revela sua penúria nas paredes carcomidas da prefeitura, necessitada há tempos de uma demão de tinta.
– E aí tivemos de reduzir secretarias e funcionários. Das 10 secretarias, chegamos a trabalhar somente com cinco. Tive de assumir mais responsabilidades. Ainda bem que tive a compreensão de dois secretários que aceitaram continuar com suas funções, mas ocupando cargos em comissão, ganhando um salário mínimo. As pessoas se doam. E é claro que ficam sobrecarregadas – conta o prefeito.
Por essas, já fazem dois anos que Borges deixou de subir no palanque. Ele evita qualquer atividade pública. Pediu que a secretária de Educação fosse ao Desfile Cívico no último 7 de Setembro e encontrou outro representante para as comemorações da Semana Farroupilha. Não quis nem mesmo acompanhar tão de perto o recente processo eleitoral no município. Cansou. Ao menos por enquanto:
– Nunca mais é algo que a gente não diz, mas não pretendo mais seguir na vida pública. Estou abrindo mão do cargo de prefeito. Vou cuidar dos meus negócios.
Mauro Schünke, de Restinga Sêca: 14 quilos mais gordo e noites sem dormir
É também para a antiga rotina e emprego, de funcionário da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), onde passava os dias trabalhando praticamente sozinho no tratamento de água, que retornará Mauro Schünke (PDT), 52 anos. Após dois mandatos como vereador e a formação em Gestão Pública, assumiu em 2012 a prefeitura de Restinga Sêca, município de 16 mil habitantes da Região Central.
– Tive 54% dos votos. E agora estou aqui, no maior erro da minha vida. A atual geração de prefeitos é a mais azarada de toda a história. A instabilidade financeira do país e do Estado se reflete onde as pessoas moram. E elas não moram na União ou no Estado, elas moram nos municípios. E é aqui na cidade pequena que a ligação que o gestor tem com a comunidade é maior – afirma Schünke.
Para o gestor de Restinga Sêca, que integra a 4ª Colônia, as prefeituras tornaram-se empresas falidas. Grande parte do problema, de acordo com Schünke, deve-se à histórica desigualdade na distribuição do bolo tributário: menos de um quinto (18%) de tudo o que se arrecada no país pinga no caixa das prefeituras, tradicionalmente dependentes de repasses dos governos federal e estadual.
– Se eu fechar a prefeitura hoje e não abrir mais, fecho o mandato no vermelho. A prefeitura tem uma despesa fixa diária de R$ 110 mil e, em média, vêm R$ 90 mil de repasse. Como fazer? Paro com o transporte escolar? Com a merenda escolar? Fecho os postos de saúde? Demito os médicos? Paro de dar remédio? De recolher o lixo? Hoje arrecadamos R$ 18 mil e gastamos R$ 100 mil por mês com iluminação. Devo apagar a cidade à meia-noite? Tenho uma despesa fixa assim: 51% da arrecadação vai para salários, tem que aplicar no mínimo 25% em educação e 15% em saúde. E sobra quanto para as demais áreas? – desabafa Schünke.
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Em dezembro de 2014, diante da situação financeira do município, a alternativa foi a exoneração de secretários e cargos de confiança (CCs). Em 2015, o gestor já respondia por seis pastas: Agricultura, Assistência Social, Planejamento, Finanças, Educação e Indústria, Comércio, Turismo Cultura, Desporte e Lazer. Dos 39 cargos em comissão, sobraram 23. Se o enxugamento da folha de pagamento foi importante para a saúde financeira do município, esgotou a do prefeito.
– Eu tinha bem mais cabelo quando assumi. Neste período, engordei 14 quilos, e não é por comer melhor. Eu não consigo pensar em outra coisa que não seja a prefeitura. Às vezes chega 3h e eu ainda não consegui dormir, em outras, eu não consigo mais dormir. Aí vou para a cozinha ou para a sala e começo a colocar no papel todo o planejamento do dia seguinte. Penso nisso na cama, no banheiro, no banho. Neste tempo todo, não fui à prefeitura somente um dia, quando tive de fazer uma consulta após um desmaio que sofri na Expointer, provavelmente por estresse – conta.
Mas o planejamento não depende somente do gestor. Não raro chegam ao gabinete dos prefeitos ordens judiciais, levando parte do recursos livres do município.
– Se alguém precisa fazer uma cirurgia, a Justiça me dá 10 horas para internar. Isso sob pena de multa diária para o gestor, que chega a R$ 10 mil, do dinheiro particular. E tu vai fazer o que se o juiz determina o sequestro de R$ 100 mil para fazer uma cirurgia? Aí as contas não fecham, e é como se tu foste um mau administrador. Mas o Judiciário não se comunica. O Tribunal de Contas diz que, pela lei, eu não posso gastar mais do que se arrecada, mas a Justiça me faz eu gastar mais do que posso. Tenho limite de gasto com funcionário, mas a Justiça manda eu colocar mais professores. Quem administra hoje são promotores e juízes. O planejamento hoje é feito no dia a dia com as determinações judiciais que chegam até a minha mesa – critica.
As contas de gestão da prefeitura de Restinga Sêca foram reprovadas desde 2014, por insuficiência financeira – o prefeito entrou com recurso para tentar reverter o parecer. E está preocupado: provavelmente as contas não fecharão até o fim do mandato. Vai deixar de ser prefeito. Voltará para a Corsan e também para momentos mais tranquilos ao lado da mulher, Aurea, e dos filhos Michel, 17, e Marcel, 10 anos. Mas ainda por alguns anos poderá continuar respondendo na Justiça pelo vermelho no caixa da prefeitura.
– Dói ser prefeito. Vão ficar três tipos de político: o ingênuo, que era o meu caso, aquele que não sabe onde está se metendo. Este, deixa para mim que eu vou explicar para ele como as coisas funcionam, e ele vai tirar a ideia da cabeça. Vai ter o louco, que não pensa racionalmente. E o desonesto, que é o perigoso. É preciso de uma reforma completa que tenha como foco as pessoas que vivem nos municípios. É aqui que o problema está. E é aqui que o dinheiro não chega – conclui.
O resultado do atual cenário é um festival de gestores estressados, envelhecidos, insones, medicados e mergulhados em problemas familiares. Luiz Carlos Folador (PT), 48 anos, por exemplo, decidiu encarar dois mandatos à frente da prefeitura de Candiota, município de 8 mil habitantes da Campanha. Ele chega ao final destes oito anos separado da mulher e com a culpa de ser ausente para a família, principalmente para a filha, de 15 anos.
– Por dinheiro nenhum eu voltaria a ser prefeito, é muito desgastante. Em 2009, estava preocupado com a situação financeira do município, não tirava férias há três anos, me alimentava mal. Em uma viagem a São Paulo tive uma crise de estresse e fiquei três dias e três noites em coma induzido. Só então tirei 15 dias de férias forçadas. A gente dedica a vida à prefeitura e se esquece do resto – afirma o prefeito.
Luciano Pinto, de Arroio do Sal: sem sossego nas ruas e trauma com selfies
Não à toa, "homem de bem e com bens, só se for louco para ser prefeito" virou frase clássica entre os gestores municipais – e foi proferida por um a cada dois dos prefeitos com quem Zero Hora conversou. Luciano Pinto, o presidente da Famurs, conta que está encerrando o segundo mandato como prefeito de Arroio do Sal "com a pala em tiras". Correria longe se houvesse a possibilidade de iniciar um terceiro. Diz ter envelhecido o equivalente a três décadas nos últimos oito anos: parte dos fios de cabelo o abandonou, a outra branqueou. Reconhece que a prefeitura é uma escola, mas é categórico ao dizer que não pretende mais retornar a ela. Já não adianta um prefeito, é preciso ser "mágico" diante da crise dos municípios. Ele desabafa:
– Nunca mais vou concorrer a prefeito. Não lembro mais de como eu era antes, de como era o meu dia a dia. Tem oito anos que acordo e tenho todos os problemas da cidade sobre os meus ombros. Se de repente começou a chover granizo, já fico preocupado. Antes era só com o telhado da minha casa, agora é da cidade inteira. Antes, minha missão era colocar o lixo de casa no tonel da esquina. Agora tenho que pensar no lixo de milhares de habitantes. É uma angústia incessante. Até na inauguração de uma obra, tu já estás preocupado com a prestação de contas, se não deu algum problema na obra.
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Luciano Pinto ingressou na política como funcionário da Assembleia Legislativa. Foi por nove anos assessor de José Ivo Sartori, quando o atual governador do Rio Grande do Sul era deputado estadual. Natural de Fontoura Xavier, no norte gaúcho, Luciano Pinto chegou à litorânea Arroio do Sal para disputar um jogo de futebol. Foi quando conheceu Gilseia, com quem se casou – está disputando a prorrogação daquela partida até hoje, brinca. Concorreu como vereador e se elegeu por dois mandatos. Conhece as demandas de vários cargos políticos e garante: o prefeito é quem mais se expõe.
– Ninguém tem acesso tão fácil a um governador, muito menos a um presidente. Existe um distanciamento que o prefeito não tem. E as pessoas não batem só na porta da prefeitura, mas na porta da casa, do carro, te chamam no supermercado. Não se pode andar na rua – afirma o gestor, que morava exatamente em frente à prefeitura, mas se mudou na expectativa de um pouco de sossego.
Melhorou, mas não muito. Era manhã de um feriado quando recebeu a reportagem em seu gabinete. O celular tocou repetidamente.
– Mas ninguém liga para dar um abraço – frisa.
Nos cinco minutos em que esteve à frente do paço para uma sessão de fotos desta reportagem, foi abordado três vezes. Em uma delas, um cidadão queria que a administração de Arroio do Sal cavasse um buraco para enterrar um cavalo que havia morrido em uma vila da cidade.
O quase ex-prefeito não se impressiona mais. Já recebeu gente que se queixava do mato no terreno da própria casa, que quase impedia a entrada da família pela porta da sala. Foi chamado uma vez para resolver briga de vizinho – o motivo era um galo que cantava muito cedo. Se há descontentamento com o resultado de um concurso de beleza no município, chama o prefeito. E se o juiz do campeonato de futebol errar, "só podia, foi o prefeito que contratou".
– A população não quer saber qual é a esfera que tem responsabilidade sobre cada coisa. Ela paga os impostos dela e cobra pelo retorno. E tu tens que te virar. Por outro lado, o veranista de final de semana poda a árvore e deixa os galhos na calçada, troca o sofá de casa e larga o antigo no meio da rua. Os caminhões da prefeitura não dão conta de recolher tantos objetos abandonados, são 27 quilômetros de extensão de praia. E aí se a cidade está suja? Fotografam e colocam na rede social. E, claro, a culpa é do prefeito – lamenta, rindo, que é para não chorar.
Nas poucas viagens que ele e a família fizeram nos últimos oito anos, evitaram fotos. Traumatizaram-se com o mundo da selfie logo na primeira que publicaram na internet. Na imagem, estavam somente o pai e o filho, João Guilherme, 20 anos. Não demorou para que corresse o boato de que o prefeito de Arroio do Sal havia se separado de sua mulher – que na verdade, só havia ficado em casa com a outra filha do casal, Luciana, 12 anos.
– Sem contar que os filhos também sofrem com a descrença na classe política e as acusações generalizadas a todos os políticos. Um dia estava com meu filho em um jogo de futebol em Porto Alegre, e gritaram: "Prefeito!". Cumprimentei, e em seguida outro gritou: "É ladrão também?". Essas coisas machucam muito. Essa é a nossa rotina. E aí eu pergunto: quem é que tem coragem de assumir isso?
O município onde o único candidato era da oposição
Nas eleições do domingo passado, em 32 municípios gaúchos a resposta para a pergunta de Luciano Pinto foi: somente uma pessoa. Um terço dos colégios eleitorais brasileiros que só tiveram um candidato a prefeito está no Rio Grande do Sul. Um destes locais é Santo Antônio do Planalto, no norte do Estado, onde a atual prefeita, sem pensar duas vezes, optou por entregar o cargo para a oposição, apesar das chances que tinha de ser reeleita.
Cristiane Franco (PSB), 44 anos, construiu a carreira na Educação. Mestre em Linguística, a professora de português foi vice-diretora e diretora do colégio estadual do município. Conhecia boa parte dos 2 mil santo-antonienses quando foi incentivada por opositores da então gestão a se candidatar ao cargo de prefeita. Não, não, nem pensar, repetiu ela, dezenas de vezes. Estava grávida da caçula, nunca havia se envolvido com a política e...
– E então começou a pressão, meu nome era bem aceito na comunidade, eu discordava de muitas posições da então administração e achei que poderíamos mudar o que estava posto. Criamos um plano de governo e, quando vi, estava neste universo. Era candidata – lembra Cristiane.
A então "profe Cris" teve Larissa faltando dois meses para o início da campanha. Deixava a bebê e o primogênito, João Luís, na época com cinco anos, com as avós e partia para as ruas da cidade e do interior do pequeno município. Regressava na hora de amamentar a filha. E logo se ia de novo. Até que um dia voltou para casa como prefeita Cristiane.
– Meus filhos acabaram crescendo com essa coisa de "a mãe chega em algum momento, mas não sei que horas". Por isso que sempre repito: sem a ajuda da família, não tem com assumir essa função – destaca.
A situação parecia estável quando iniciou o mandato em 2013. Mas não levou nem um semestre para a queda na arrecadação dar os primeiros sinais, que só se agravaram nos últimos três anos. No segundo ano de gestão, obrigou-se a tomar uma medida drástica. Exonerou os quatro secretários e chamou para si a responsabilidade pelas áreas de educação, saúde, agricultura e obras. Foram anos de ausência, como define o marido, Marcelo. Cristiane saía de casa às 7h e voltava sabe-se lá quando.
– Com isso (o corte de secretários) conseguimos economizar até R$ 30 mil por mês, o que faz grande diferença em um município pequeno. Com esse dinheiro pudemos pagar remédios, transporte escolar, oficina para os carros. Só que esse meu ato gerou um desentendimento com o vice-prefeito e com pessoas que não aceitaram este projeto. Elas hoje fortalecem a oposição. Fiquei sem vice desde então – conta Cristiane.
Dispensar todo o secretariado foi solução para somente parte dos problemas. Para este ano, a previsão do orçamento era de R$ 14 milhões, mas não irá se concretizar – e o de 2017 já foi enxugado para R$ 13 milhões, que provavelmente também não virão. Diante do túnel sem luz lá no fim, Cristiane sugeriu que seus aliados apresentassem um novo candidato para concorrer às eleições. Os partidos foram atrás, mas ninguém se animou.
– Quem tem a sua colocação não quer deixar seu trabalho para navegar em um mar incerto e tenebroso. Acabou que somente a oposição lançou um candidato. Mais um pouco e a cidade ficava sem prefeito – afirma.
A partir de 1º de janeiro, Cristiane vai respirar. Faz tempo que não tira férias. Vai também cuidar dos filhos e da saúde – desenvolveu hipertensão arterial, que controla tomando medicamentos diários. Deixa claro: arrependimento não é palavra para ela. Leva estes quatro anos de prefeita como um aprendizado.
– É como uma faculdade: você luta, acorda cedo, faz trabalhos, dorme tarde. E, no fim, quer que acabe logo. Ser prefeita me fez gostar ainda mais dos meus alunos. Estou voltando para a sala de aula – garante a professora.