Cassado pelos votos de 450 deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) passou o dia seguinte à perda do mandato em busca de respostas para uma derrota tão expressiva. Nas avaliações com os poucos defensores que lhe restaram, ficou a sensação de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o Planalto "lavaram as mãos". Sem ação a favor dele ou empenho em derrubá-lo, deixaram-no cair ao natural.
Surpresos, escudeiros e inimigos de Cunha consideraram determinantes no placar a proximidade das eleições municipais e o fato de a sessão ter sido marcada com um mês de antecedência. Quando Maia anunciou a data de 12 setembro, vieram críticas sobre manobra para beneficiar o ex-presidente da Câmara, o que não se confirmou.
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– Rodrigo teria ajudado o Eduardo se tivesse chamado a sessão de um dia para o outro. Ao dar um mês de prazo, colocou a responsabilidade no colo dos deputados. Não havia desculpa para faltas, todos eram cobrados na base – diz Marcos Rogério (DEM-RO), relator do parecer pela cassação.
Entre votos favoráveis, abstenções e ausências, Cunha teve 61 apoios. Soma distante dos 267 votos obtidos na eleição para comandar a Câmara. Na segunda-feira, não escondeu a irritação com Maia, aliado até a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff na Casa, em abril. Ainda disparou contra Michel Temer, beneficiado pela queda da petista:
– Há uma pauta em que o presidente da Casa, apoiado pelo governo, se associou ao PT para me cassar. E ele conseguiu entregar a mercadoria.
Sobrou ainda para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com reclamações de que denúncias contra si foram apreciadas rapidamente no Supremo Tribunal Federal, enquanto acusação contra o alagoano está na Corte "há três anos e seis meses e não acontece nada". Nesta terça-feira, Renan disse que "quem planta vento, colhe tempestade" e citou Chico Buarque para evitar o assunto:
– Não sou especialista em Cunha, não gostaria nem de falar sobre isso. Afasta de mim esse cálice.
A tréplica veio em texto publicado no Facebook. O deputado cassado alfinetou ao desejar que "ventos" de delatores não virem "tempestade" e que Renan "consiga manter o cálice afastado dele".
Desgate com sucessão e reijeição no Rio pesaram
Até o ato final, Cunha apostava que antigos companheiros poderiam atrasar a votação para depois das eleições. Pressionado por PSDB e DEM, seu próprio partido, Maia não teve como recuar. Teria pesado desgaste pelo apoio do ex-presidente da Câmara a Rogério Rosso (PSD-DF) na disputa vencida pelo democrata para sucessão. Ainda influenciou o contexto do Rio de Janeiro, base de Maia e Cunha.
– Maia apanharia demais no Rio com qualquer decisão a favor do Eduardo. Seu pai (Cesar Maia) é candidato a vereador e ele tem planos ousados para 2018 – afirma um colega.
Marcar digitais em movimento pró-Cunha também não era do interesse de Temer, que esteve ao lado de Maia em cerimônia no Planalto na segunda-feira. Auxiliares de ambos negam acordo a favor da cassação. Garantem que eles preferiam a renúncia, sugerida e descartada pelo ex-deputado.
Abrir mão do mandato poderia evitar constrangimentos de aliados, mas não houve acerto. Diante do mal-estar, André Moura (PSC-SE), alçado à liderança do governo por ingerência de Cunha, se absteve. Outros escudeiros, como Rosso e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), votaram pela perda do mandato, ato classificado como "hipocrisia" por Cunha. Irritado, o ex-todo-poderoso presidente da Câmara caiu só, dando recados aos que lhe abandonaram.
Alívio por saída, medopor retaliação em livro
Acusado por Cunha de ter aderido à agenda de sua cassação, o governo Temer avalia, em conversas de bastidores, que não havia espaço para salvar o ex-deputado. De imediato, a cassação alivia o ambiente por afastar o peemedebista do poder. Fica, porém, o receio de retaliações que possam complicar o Palácio do Planalto.
O temor inicial recai sobre o livro que Cunha promete escrever com detalhes do processo de impeachment de Dilma Rousseff. No Congresso e no Planalto, defensores de Temer projetam que as histórias narradas podem criar constrangimentos e reforçar o discurso de golpe utilizado pelo PT. Também são aguardados vazamentos seletivos na imprensa contra parlamentares da base e ministros. Já uma eventual delação premiada é vista como algo ainda distante.
Moreira Franco nega papel como "Eminência parda"
No governo, o primeiro disparo nominal de Cunha foi contra o secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, sogro de Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamado de "eminência parda" pelo ex-parlamentar.
– Todo mundo sabe que o governo hoje tem uma eminência parda e quem comanda o governo é o Moreira Franco, que é o sogro do presidente da Casa. Todo mundo sabe que o sogro do presidente da Casa comandou uma articulação e fez com que fosse feita aliança com o PT e, consequentemente, com isso a minha cassação estava na pauta – disse Cunha.
A ordem no primeiro escalão de Temer é não tripudiar a situação de Cunha e evitar o confronto público. Na terça-feira, Moreira Franco negou ter tamanha influência e garantiu não ter ficado "zangado":
– Não vou ficar zangado com ele (Cunha). Toda essa teoria é fruto da percepção dele, e está no plano teórico. Não há nenhuma razão para ele citar meu nome. Não sou eminência parda. Ele disse que sou, mas não sou.
Quem é Moreira Franco
Moreira Franco tem 71 anos. Foi governador do Rio Janeiro de 1987 a 1991. Ganhou de Leonel Brizola o apelido de gato angorá (felino que tem por hábito passar de um colo para outro) por ter sido aliado de diferentes partidos. Com Dilma, foi ministro de Assuntos Estratégicos e da Aviação Civil. Desde 2005, é sogro de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, que casou com Patrícia Vasconcelos, enteada de Moreira Franco. Unha e carne com Temer há 30 anos, foi importante articulador do impeachment. Ocupa hoje cargo de secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos do governo federal. É investigado pela Lava-Jato por ter sido relacionado à doação de R$ 5 milhões que Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, teria feito a Temer. O repasse teria vínculo com a concessão do aeroporto de Guarulhos à OAS.