O ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco poderia obter R$ 1,7 milhão apenas com os rendimentos mensais dos R$ 295 milhões que admite ter desviado, se a verba surrupiada fosse investida em poupança, a mais conservadora forma de aplicação financeira. Mas foi flagrado pela Operação Lava-Jato como o maior manipulador de dinheiro da corrupção na Petrobras. A saída foi delatar os parceiros de crime e aceitar ressarcir a bolada aos cofres públicos.
Barusco, em suma, trocou o dinheiro ganho desonestamente pela liberdade. Está longe de ser caso isolado. Julio Camargo, ex-executivo da empreiteira Toyo-Setal que possui um haras de cavalos de raça em Bagé (RS), acertou devolver R$ 40 milhões. Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e autor das mais importantes delações da Lava-Jato até agora, topou reembolsar R$ 88 milhões.
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A Lava-Jato tem hoje 77 "colaboradores premiados", pessoas que aceitaram assumir seus delitos e revelar comparsas em troca de redução da pena. Desses, 55 são acordos públicos. Zero Hora teve acesso à parte da lista e a quanto cada um acertou restituir. O Ministério Público Federal (MPF) revelou também o rol de acordos de leniência (espécie de delação empresarial) feitos até agora pelas empreiteiras. A soma de valores que os 77 delatores e as seis empresas acertaram devolver alcança R$ 3,6 bilhões. Isso equivale a todo o orçamento para a reforma agrária no país este ano, incluindo compra de terras e manutenção de assentamentos.
Desse total, R$ 2,6 bilhões são dos acordos tornados públicos e R$ 1 bilhão, de réus e de uma empresa que permanecem em sigilo. Dos R$ 3,6 bilhões, R$ 2,9 bilhões estão no país, e o restante, depositado em bancos estrangeiros.
Levantamento desmente mitos sobre a força-tarefa
A lista de réus que fez acordo para devolver dinheiro à Lava-Jato derruba alguns mitos. Um deles: o de que os investigados viram delatores porque são forçados a amargar muito tempo na prisão. Na realidade, a maior quantia a ser devolvida pertence a Barusco, que não ficou um dia sequer na cadeia. Julio Camargo e Augusto Mendonça Neto, da Toyo-Setal, também não foram presos e vão restituir milhões.
Outra lenda desmentida é a de que dinheiro desviado por criminosos para paraísos fiscais no Exterior jamais volta ao Brasil. No caso da Lava-Jato, já foram repatriados R$ 568,7 milhões, de R$ 754,1 milhões localizados em contas na Suíça, em Mônaco, nos Estados Unidos e no Canadá, entre outros países.
Uma terceira falácia derrubada pelo levantamento é a de que intermediários do setor financeiro são os que mais lucram com a corrupção. Nos acordos de colaboração premiada, os campeões em devolução de dinheiro são dois ex-funcionários da Petrobras: Barusco e Costa. Ambos tinham mais dinheiro em offshores (contas no Exterior) do que no Brasil, embora tivessem vencimentos modestos, se comparados aos de empreiteiros e lobistas também investigados pelo MPF.
Disputa judicial sobre destino de parte da verba
– Os R$ 3,6 bilhões que retornarão aos cofres públicos mediante acordo representam mais da metade do prejuízo com corrupção estimada pela própria Petrobras, em auditoria e balanços. Isso evidencia a importância das colaborações premiadas e o sucesso delas para o saneamento da vida pública – resume um dos coordenadores da força-tarefa, o procurador da República Carlos Fernando Santos Lima.
E para onde vai esse dinheiro?
É depositado na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos réus da Lava-Jato, ou no Supremo Tribunal Federal (STF), que julga casos de foro privilegiado. Do total recuperado, 90% cabe à Petrobras. Os 10% restantes, relativos a desvios em outros órgãos governamentais, deveriam ser canalizados a investimentos no MPF e na Polícia Federal. Mas existe disputa no STF sobre essa parcela: há quem defenda o direcionamento ao orçamento da União.
Enquanto não há decisão, o dinheiro não vinculado à petrolífera está parado, para contrariedade de procuradores e policiais.
Fianças, indenizações e multas podem render R$ 37 bilhões
Nos R$ 3,6 bilhões de devoluções feitas por criminosos à Operação Lava-Jato não estão embutidas as fianças pagas por alguns dos réus e nem as multas devidas pelos que não colaboram.
A maioria dos acusados não faz acordo. Quando condenados, eles devem pagar multa. É o caso do ex-ministro José Dirceu e do ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Sentenciado a 23 anos de prisão, Dirceu ainda foi penalizado a desembolsar R$ 1,7 milhão. Duque, condenado duas vezes, terá de pagar R$ 1,2 milhão em uma sentença e R$ 1,5 milhão em outra.
Além das multas, o Ministério Público Federal (MPF) pede na Lava-Jato indenizações a empresas pela corrupção praticada. Juntas, essas reivindicações somam R$ 37,6 bilhões, mas as cifras serão contestadas pelos advogados dos réus durante anos. Já os R$ 3,6 bilhões oriundos dos delatores e das leniências estão garantidos por acordo judicial.
A Lava-Jato pode se beneficiar ainda de fianças. São quantias depositadas pelos presos na Justiça como garantia de que irão se comportar e não pretendem fugir. Caso descumpram o acordo, o juiz decreta a perda desse dinheiro. Caso os réus sejam inocentados, em compensação, o valor é devolvido.
Só em fianças, a força-tarefa do MPF tem pelo menos R$ 34,2 milhões depositados, que podem ser revertidos em definitivo aos cofres públicos.
Principais casos de fiança
- João Santana (marqueteiro) – R$ 2,7 milhões
- Mônica Moura (mulher de Santana) – R$ 28,7 milhões
- Raul Henrique Srour (doleiro) – R$ 2 milhões
- Ronan Maria Pinto (empresário) – R$ 1 milhão
- Ricardo Hoffmann (publicitário) – R$ 957 mil
- Guilherme Esteves de Jesus (operador financeiro ligado a Sete Brasil) - hipoteca de imóvel no valor de R$ 500 mil
- Marcelo Rodrigues (operador financeiro ligado à Odebrecht) – R$ 300 mil