Em busca de equilíbrio financeiro, a direção do IPE encaminhou à Casa Civil modelos de anteprojetos para melhorar a arrecadação e controlar os gastos, tentando pôr fim ao déficit do instituto. O governo não divulga o teor das propostas, mas entre as iniciativas em estudo está o aumento no percentual das contribuições – cogita-se passar dos 3,1% atuais para 5% –, a cobrança por dependentes, a comprovação por parte do usuário de que o cônjuge mantém dependência financeira do titular e prazos de carência de até três anos para quem deixou o plano e deseja voltar.
– Há medidas que dificilmente seriam aprovadas pela Assembleia, mas o problema é que o IPE está prestes a quebrar – admite um graduado assessor do Piratini.
Sem abrir por inteiro o conteúdo das ações em estudo, a direção do IPE chegou a discutir novos modelos de financiamento com entidades de servidores. A maioria das alternativas foi rechaçada.
– Toda hora aparece alguém com uma proposta de alteração. O que querem é privatizar o IPE, porque lá nós pagamos um percentual sobre o salário e nos planos privados se paga por pessoa – reclama o presidente Sindicato dos Servidores Públicos do Estado, Claudio Augustin.
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Apesar da urgência por mudanças, o Piratini receia enviar os projetos à Assembleia em um cenário de atrasos nos salários do funcionalismo. O presidente do Sindicato dos Servidores do IPE, Bayard Bernd, diz que a entidade batalha para que os projetos sejam remetidos ao Legislativo o quanto antes.
– O IPE está em crise. As agências do Interior estão fechando. Mas os sindicatos dizem que o momento não é oportuno para se elevar as contribuições em razão da defasagem salarial e do parcelamento nos salários – resume Bernd.
Sem risco de insolvência, diz diretor de saúde
Na direção do instituto, a ordem é dialogar. O presidente do IPE, José Parode, reconhece a resistência dos servidores, mas argumenta que é preciso um "consenso mínimo" que permita a aprovação do ajuste.
– Não podemos mais perder tempo. O sistema é de todos e a sua existência tem de estar centrada no princípio do mutualismo (colaboração mútua). Quando temos um número de dependentes cuja contribuição está dentro da alíquota do servidor e existe desequilíbrio, de algum lugar esse dinheiro tem de sair – avalia Parode.
Embora admitam que há problemas de financiamento, Parode e o diretor de Saúde Alexandre Escobar discordam que a atual situação aponta para um quadro de insolvência. Eles afirmam que novas ferramentas de gestão modernizaram os controles e aperfeiçoaram a administração de receitas e despesas. Também garantem que os contratos deficitários com as prefeituras foram quase todos refeitos e hoje respondem por 15% da arrecadação.
– No momento, não corremos o risco de insolvência. Claro que não temos bola de cristal e depende de um arranjo que envolve uma parcela da sociedade gaúcha. A saída é mudar o modelo e estamos discutindo isso aqui dentro. Uma parcela grande dos servidores já entende que o ingresso de novos beneficiários seja seguido de um financiamento adequado – afirma Escobar.
"A gente se sente lesada"
Prestes a completar 24 anos de serviço público, a escrivã da Polícia Civil Dirlene Corrêa da Silva luta com as dificuldades para tratar um câncer pelo IPE-Saúde. Aos 47 anos, lotada na Delegacia da Mulher de Santa Rosa, Dirlene teve de fazer pagamentos por fora a um médico, precisou recorrer à rede privada devido à demora na marcação de exames e agora briga na Justiça para garantir o tratamento.
Os problemas começaram em dezembro de 2014, quando teve diagnosticado câncer no ovário. O médico pediu uma ecografia abdominal total, mas pelo IPE o exame iria demorar um mês para ser realizado. Como a situação era grave, Dirlene pagou pelo atendimento particular, fato que se repetiu na realização de uma colonoscopia. Havia metástase, e a cirurgia precisaria ser feita em breve. O médico, então, cobrou R$ 2,5 mil por fora para realizar o procedimento.
– A gente se sente lesada. Depois disso, resolvi continuar o tratamento em Porto Alegre – conta a escrivã.
Na Capital, após quatro sessões de quimioterapia, foi detectada a necessidade de nova cirurgia. Ao final do procedimento de seis horas, o marido de Dirlene recebeu um telefonema: era preciso pagar R$ 6 mil ao anestesista. Ao pedir reembolso ao IPE, caiu num emaranhado burocrático que levou três meses para resultar na restituição de R$ 1 mil.
– Duvidaram que a cirurgia teria demorado seis horas e chegaram a perder meus prontuários. A minha advogada teve de ir para trás do balcão para ajudar a procurar os documentos – diz.
Um mês após a operação, recebeu novo telefonema do hospital, desta vez cobrando R$ 4 mil por uso de dreno e manta térmica – não cobertos pelo IPE. Em recuperação e cansada, parcelou a dívida.
Agora, novos exames revelaram a necessidade de se continuar investigando a chance de retorno do câncer. Para diagnóstico mais preciso, os médicos pediram um procedimento não invasivo e sofisticado que custa R$ 3,5 mil. O IPE negou o exame, mas ela conseguiu reverter decisão na Justiça.
– Paguei o IPE a vida inteira. Quando a gente mais precisa, se está abalado pela doença, não temos retorno. – desabafa.
"Pacientes, reféns dos médicos"
Além de enfrentar os males da doença, muitos segurados do IPE convivem com drama de consciência: denunciar as cobranças ilegais feitas pelos médicos e ter de procurar outro profissional ou seguir o tratamento com o especialista de confiança, mesmo tendo que pagar por fora para ser atendido. Uma servidora pública da Capital que pediu para não se identificar está cansada de ver os pais consumirem parte da aposentadoria com esses repasses. Ela conta que o pai é aposentado da Brigada Militar, tem 84 anos e um quadro demencial provocado pelo Alzheimer em estágio inicial.
A mãe é professora aposentada e está com 79 anos. Ambos moram na Fronteira Oeste, contribuem mensalmente para o IPE-Saúde, mas só conseguem agendar consulta pagando em média R$ 170.
– Meu pai precisa de neurologista, psiquiatra e cardiologista. São três consultas a cada 15 dias. Quando a gente liga para marcar, os médicos dizem que não há mais vagas pelo IPE, mas que vão dar desconto. Ao final, eles atendem pelo IPE, recebem do plano, e ainda cobram por fora – afirma a servidora.
Márcia conta que sempre acessa o site do IPE antes de pedir uma consulta. Conforme os registros do portal, há horários disponíveis. Contudo, quando telefona para agendar atendimento, secretárias afirmam que a cota mensal já se esgotou.
– O site do IPE funciona muito bem. O que não funciona é o atendimento do médico – reclama.
A filha do casal já esteve no escritório do IPE em São Gabriel para denunciar a cobrança ilegal. Os servidores pediram que ela remetesse a denúncia à Ouvidoria. Com medo de que os pais sofram represálias ou fiquem sem atendimento, acabou deixando o assunto de lado.
– No Interior, os pacientes ficam reféns dos médicos. Não há muito o que fazer – resigna-se.