Harmonia, no Vale do Caí, foi a campeã em investimentos entre as gestões gaúchas em 2015, aportando cerca de R$ 5,9 milhões. Proporcionalmente, a cifra representa 32,9% da receita – um feito considerável, levando-se em conta que a média no Estado foi de 8% e que o município tem 4,5 mil habitantes e não é uma ilha no oceano da crise.
A estatística leva em conta as despesas de capital registradas no TCE, isto é, as aplicações relacionadas à realização de obras e à aquisição de máquinas, equipamentos, imóveis e materiais permanentes, incluindo a amortização de dívidas, em valores liquidados.
No mês passado, a cidade garantiu mais R$ 2,4 milhões em um empréstimo do BRDE que, somados a uma contrapartida de R$ 300 mil, serão utilizados para pavimentar vias como a rua poeirenta da dona de casa Celima Lurdes Steffens, 68 anos. Até 2015, a dívida da prefeitura com financiamentos representava apenas 3,1% de sua arrecadação.
Quase todos os dias, Celima passa entre uma e duas horas limpando a sujeira que se acumula sobre móveis e eletrodomésticos em sua casa. Tão logo esfrega o pano, o pó marrom da estrada de chão, a pouco mais de três metros de sua porta, volta a se acumular. Há 40 anos, desde que se mudou para a margem da via em aclive, espera pela chegada do asfalto. Agora, graças à capacidade de investimento desenvolvida pela cidade, a rotina de tirar o pó apenas para vê-lo cobrir tudo de novo está com os dias contados.
– Já estava na hora, porque ninguém aguenta mais a poeira aqui – comemora Celima.
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O alto índice de aportes levou a sucessivas conquistas recentes: há três anos, foi construída uma segunda escola municipal de Educação Infantil que permite atender a toda a demanda local. No ano passado, foi inaugurada uma nova escola de Ensino Fundamental.
Nos últimos meses, foram construídas duas praças com brinquedos, equipamentos para exercícios, iluminação, bancos e passeios, e foi adquirida uma área de 12,7 mil metros quadrados que se transformará em uma praça central há muito esperada pelos moradores. Outro terreno, de quatro hectares, será destinado à ampliação do parque industrial do município. Além disso, toda a região central apresenta ruas pavimentadas, calçadas regulares e bem iluminadas.
O caminho que levou Harmonia a investir mesmo durante uma das piores recessões vistas no país começou a ser preparado logo depois da emancipação de Montenegro, em 1988. A comunidade, que vivia basicamente da colheita de frutas, sujeita a oscilações de preço e pragas, percebeu que precisaria diversificar sua economia. Surgiu então uma série de incentivos a setores como suinocultura e avicultura.
– Hoje, se alguém quiser construir um aviário na cidade, por exemplo, o município faz a terraplanagem, o acesso à propriedade e subsidia a água. Além disso, há um incentivo em dinheiro – afirma o prefeito Carlos Fink (PSDB).
Descobriu-se, ainda, que muitos produtores não emitiam nota fiscal, ou emitiam por outras cidades – o que reduzia o repasse de ICMS a que a prefeitura tem direito. Foi criado um programa pelo qual o município concede um vale para determinados valores somados em notas fiscais.
Quem registra vendas no valor de R$ 600 a R$ 1 mil, por exemplo, recebe R$ 37,50 da prefeitura. O recurso pode ser convertido em serviços municipais, como uso de retroescavadeira, ou até utilizado no comércio local. Outra iniciativa, a criação de uma zona industrial, em 2000, já reúne 11 empresas.
A fórmula adotada por Harmonia fez o montante produzido pelo setor primário na cidade saltar de R$ 1 milhão por ano, em 1998, para R$ 105 milhões no ano passado – aumento superior a 10.000%, enquanto a inflação no período ficou em 209%.
Graças a isso e às contas equilibradas – o município fechou 2015 no azul –, as novas gerações veem surgir uma outra realidade. Emerson de Oliveira, 14 anos, vive diante de uma das praças recém-construídas, onde encontra amigos e faz exercícios, e estuda na escola entregue no ano passado.
– Aqui é um lugar bom, calmo, sem roubo – resume o morador.