O advogado trabalhista Carlos Araújo é cético sobre as chances de a ex-mulher, a presidente da República afastada, Dilma Rousseff, recuperar seu mandato. O gaúcho acredita que reverter o impeachment no Senado é "improvável". Já a própria Dilma, ele garante, é otimista. Está "mais forte do que nunca" e nutre a expectativa de voltar ao Palácio do Planalto. Mas, embora tenha esperança de seguir em Brasília, a petista já pensa em como seria o recomeço em Porto Alegre.
Para Araújo, por trás do processo de impeachment, mais do que tudo, está uma tentativa de evitar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorne à Presidência em 2018, e uma das formas para isso é tirar o "time dele" do poder.
– Atacar o Lula passa por atacar a Dilma – resumiu.
E acrescentou que o apoio do ex-presidente a Dilma no processo de impeachment foi "incriticável" e "excelente".
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Aos 78 anos, o advogado convive com um enfisema pulmonar que, como ele mesmo diz, tem altos e baixos.
– Se eu me cuido, vou bem. Se exagero, é um problema – resume.
No momento, a fase é boa. Araújo, que foi três vezes deputado estadual pelo PDT no Rio Grande do Sul, recebeu a reportagem em sua casa. A residência aconchegante, às margens do Lago Guaíba, na zona sul da cidade, é a mesma onde morou com Dilma enquanto foram casados. Hoje, continua sendo o ponto de encontro da família.
Os almoços aos sábados e domingos costumam reunir Araújo, Dilma, a filha deles, Paula, o marido dela e os dois filhos, Gabriel, de cinco anos, e Guilherme, nascido no início de 2016. A presença da presidente afastada é cada vez mais frequente. Ela visitou a capital gaúcha nos últimos três fins de semana. De acordo com Araújo, é junto da família que Dilma se sente "mais abrigada". A vida em Brasília, diz ele, é solitária.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista:
Como está Dilma frente à possibilidade do afastamento?
Está bem. A Dilma é uma mulher que cresce no confronto. Ela cresce muito. Fazia tempo que eu não a via tão bem. Ela não dá muita entrevista, agora tem dado quase diariamente. Isso é porque ela está no confronto. É uma exigência que o confronto impõe.
O que mudou com a proximidade da votação do impeachment no Senado?
Ela está nessa perspectiva, não sabe se fica em Brasília ou não. Ela tem que tomar algumas providências porque agosto está aí. E a possibilidade maior é de que ela saia. Não é impossível que permaneça, mas acho que é improvável. De certa forma, ela tem que ir vendo como vai morar por aqui. Coisas do cotidiano. Se não permanecer em Brasília, pelo menos já está mais encaminhado. Repito, ela acha que vai ficar no Alvorada, que vai reverter a situação, mas isso não exclui que comece a pensar nos dias posteriores. A mãe dela é uma pessoa doente. Se ela tiver que deixar o Alvorada amanhã, onde vai colocar a mãe? Tem que criar uma estrutura para isso. Independente do dia que sair, agora ou depois, o caminho natural dela é Porto Alegre.
Mas que providências ela tem tomado nesse sentido?
Por enquanto a perspectiva dela é de o impeachment cair. Então não tem nada de concreto. Ela só está começando a pensar nessas questões.
Dilma tem vindo mais a Porto Alegre...
A Dilma tem uma filha e os netos. Tem eu, que sou meio pai, meio irmão, meio ex-marido, uma porção de coisa misturada. Porto Alegre é o lugar que ela tem para se sentir melhor, mais abrigada. A Dilma, de certa forma, vive muito solitária no Alvorada. A mãe dela é doente. Ela sempre teve uma vida intelectual e muito se abasteceu dela. Ela gosta de literatura, de cinema e de música erudita. Este é o mundo que a Dilma vive, fora a questão política, claro. Ela vem pra cá para conviver com a família, com os netos principalmente. Ela fica com eles no colo, brincando. É muito coruja.
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Como o senhor avalia o processo de impeachment em curso?
Minha avaliação é de que, se o Lula morresse hoje, terminava tudo, não teria impeachment nem nada. Tudo isso que está havendo é por causa de 2018, é todo mundo pensando em como derrotar o Lula. E uma das questões é o time dele não estar no poder. Atacar o Lula passa por atacar a Dilma. A ideia é que, se vão disputar com ele em 2018, melhor que seja sem ele ter poder, sem a Dilma estar no poder. Preferível que esteja um Temer da vida no poder.
Não concorda, então, com a teoria levantada por muitos aliados da presidente afastada de que o processo de impeachment teria como objetivo final enfraquecer a Lava-Jato?
O PMDB e o PSDB não querem que a Lava-Jato continue, por razões óbvias, porque chegou a vez deles, porque as delações estão cada vez se aproximando mais. Eu concordo que (o impeachment) tem relação com a Lava-Jato, mas acho que a questão de fundo mesmo é o Lula.
A Dilma está mais otimista do que o senhor sobre a possibilidade de recuperar o mandato.
Sim. A Dilma acha que é possível que o impeachment não passe no Senado.
E no que ela baseia esta percepção?
Eu não entro em detalhes como ela de voto aqui, voto ali, mas ela acha que o processo, no final, pode ter outro resultado. O que pode beneficiá-la, acredito, são os escândalos e desgastes do governo Temer, que são frequentes e profundos. Isso poderá trazer a alteração de alguns votos. Mas eu acho difícil mesmo assim porque, embora o Senado não seja tão conservador quanto a Câmara, ele é conservador. Eu acho muito difícil.
A governabilidade já era um problema antes do impeachment e, agora, o ambiente tampouco é propício. Se ela recuperar o mandato, como faria para governar num cenário adverso?
Acho que uma das questões da fase atual do capitalismo é ter que governar com minoria no Parlamento. É assim com o Obama, está sendo assim com a (chanceler Angela) Merkel na Alemanha e com o (presidente François) Hollande na França. Acho que é uma característica dos tempos atuais que o Executivo raramente tem a maioria no Parlamento. E aí se criam problemas sérios como é este daqui, de um Parlamento adverso derrubar um presidente. Este é um novo quadro desse estágio do capitalismo. Nós temos que aprender a ver como se articula isso, como você faz para passar projetos no Parlamento nessa situação de não ter maioria. O caminho é aprender a governar com uma situação adversa no Legislativo.
O senhor se considera um conselheiro político da presidente?
Não, isso é uma invenção. Na realidade nós conversamos muito pouco sobre política. Quando ela está aqui, quer ficar com a família, com os netos. Ninguém é conselheiro a longa distância. Conselheiro só pode ser quem está ali no dia a dia, vivendo aquela situação. Eu não dou conselho nenhum para a Dilma. Sou um amigo dela e não me meto em nada no governo dela. Seria um absurdo da minha parte.
Mas o senhor a tem ajudado do ponto de vista jurídico, certo? Chegou a mover uma ação no Rio Grande do Sul para tentar fazer valer novamente os benefícios que foram autorizados pelo Senado após a aceitação do processo de impeachment, entre eles o direito de Dilma de usar os aviões da FAB para se locomover pelo Brasil. Esta tentativa teve resultado?
Entramos com uma ação em Porto Alegre, sim, e conseguimos uma liminar favorecendo em parte o que queríamos. Ou seja, dizendo que ela pode usar o avião da FAB para ir a todo o Brasil desde que pague, desde que faça o ressarcimento das despesas, e que ela pode manter a sua equipe de trabalho com os mesmos direitos anteriores. Isso foi decidido em liminar. A União disse que vai recorrer, e provavelmente vamos recorrer também. Só que daí houve a seguinte questão: sempre que o avião da FAB é usado e ressarcido, sai cerca de um terço do valor de linha normal. Agora estão pedindo um ressarcimento superior ao que Dilma teria que pagar se fosse fretar um Legacy. Estão pedindo mais justamente para esvaziar a decisão liminar. São picuinhas que o governo faz. Causam um constrangimento, um embaraço, mas não têm sentido nenhum.
Como avalia o apoio que Dilma recebeu do PT e do Lula ao longo do processo de impeachment?
Tem algumas contradições, sempre naturais, algumas divergências. Mas grosso modo o apoio foi correto. E do Lula foi excelente, incriticável. Os dois são muito próximos. Ele foi a Brasília quantas vezes tentar convencer as pessoas? Só que não dava para convencer. O Lula foi excelente na questão do impeachment. A Dilma não tem nenhuma queixa. Nada.
E como o senhor vê a situação do PT, hoje, de uma forma geral?
A situação do PT é complicada. O partido ficou tremendamente desgastado (com os recentes escândalos de corrupção). Mas acho que tem recuperação. Sou do PDT, mas reconheço o papel que o PT teve. Reconheço também as absurdidades que ele cometeu. Porque isso foi caixa 2, todo mundo sempre teve. ê uma realidade brasileira. O desgaste é grande, mas o PT ainda é forte. E acho que não existem partidos ideológicos, existem líderes que transmitem sua ideologia. Enquanto o Lula for um líder de expressão, o PT vai existir, porque ele faz com que se mantenha em pé.
Acredita que Dilma está sendo condenada pela opinião popular por erros que cometeu no segundo mandato?
Acho que sim, pela crise (econômica) que atingiu. Agora (a economia) está saindo do fundo do poço, e isso veio da preparação que foi feita anteriormente. Quem vai levar os louros pode ser o Temer, ironicamente. Acho que hoje cresceu a solidariedade a Dilma. Mas isso não é significativo no momento. As coisas se decidem no Parlamento.
*Estadão Conteúdo