Ao soltar o ex-ministro Paulo Bernardo (PT-PR), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli gerou controvérsia entre especialistas em Direito. Alguns juristas entendem que não há razões claras para manter o petista detido, como uma eventual tentativa de atrapalhar as investigações da Operação Custo Brasil, mas procuradores afirmam que o STF foi precipitado e não consultou a Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de conceder habeas corpus.
O jurista Luiz Flávio Gomes entende que Toffoli seguiu uma tendência comum no Supremo de privilegiar a liberdade individual, salvo evidências concretas que justifiquem a prisão preventiva, como tentativas de interferir na investigação. Gomes não acredita que a medida abra precedente para a soltura de outros implicados em casos de corrupção:
– A maior parte dos presos na Lava-Jato, por exemplo, estava no exercício das funções, o que facilita o cometimento de novos crimes. Não é o caso de Bernardo.
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Em seu despacho, Toffoli argumentou que durante o mensalão não houve prisões preventivas e, mesmo assim, "todos os réus ao final condenados" cumpriram ou estão cumprindo penas.
Já o promotor de Justiça gaúcho Eugênio Amorim não vê diferença entre a situação de Bernardo e a de outros presos preventivamente em operações como a Lava-Jato justamente devido ao risco que representam à ordem pública, econômica ou de interferir nas investigações pelo grau de importância dos envolvidos.
Procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo divulgaram nota criticando o fato de o STF não ter consultado a PGR antes de soltar o ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff. Toffoli também concedeu habeas corpus ao empresário Dércio Guedes de Souza, preso na Custo Brasil.
Sem consenso
Opinião de especialistas em Direito sobre decisão do STF de soltar o ex-ministro
Concorda
Luiz Flávio Gomes, jurista
"O STF seguiu posicionamento antigo, que é ser mais pró-liberdade individual. O juiz Sergio Moro, em comparação, decreta prisões preventivas com muito mais facilidade e é mais pró-sociedade. Um segundo ponto é que os presos da Lava-Jato estavam no exercício das suas funções, o que facilita o cometimento de novos crimes, e o Paulo Bernardo não estava mais. Não temos informações de que o ex-ministro continuava com algum esquema criminoso ou atrapalhava as investigações. Assim, pelos critérios do Supremo, deveria ser solto mesmo".
Lenio Streck, jurista e advogado
"Não é uma decisão rotineira, porque o habeas corpus foi concedido de ofício, ou seja, sem que ninguém provocasse, em uma ação que não era de habeas corpus. Mas, no mérito, o STF acertou porque a decisão do juiz de São Paulo não fundamentou de forma suficiente as razões para a prisão com base no artigo 312 do Código de Processo Penal (que prevê requisitos para a prisão preventiva como a manutenção da ordem pública ou econômica). Ele se preocupou mais com a repercussão do que com a técnica."
Concorda em parte
Lúcio de Constantino, advogado criminalista
"Concordo com a liberdade, embora questione a forma como a decisão foi tomada. Achei curiosa a rápida decisão do STF, considerando que os pedidos de liberdade individual levam até seis meses para serem julgados. A decisão do STF até poderia ser criticada sob o argumento de que houve uma decisão judicial anterior em favor da manutenção da prisão por considerá-la necessária ao processo. O problema é a elasticidade jurídica que há hoje. Em razão disso, vemos algumas decisões isoladas. A excepcionalidade da decisão é que incomoda, embora concorde com a liberdade."
Discorda
Eugênio Amorim, promotor de Justiça
"Discordo. A decisão do STF é ridícula. Esse é o problema de termos juízes nomeados. Está todo mundo preso na Lava-Jato, então por que o Paulo Bernardo foi solto? Isso faz lembrar daquela frase dita pelo Lula, que cobrou gratidão do Janot, nomeado por ele (em uma escuta, o ex-presidente Lula se queixou da falta de “gratidão” do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que lidera equipe de procuradores que investigam desvios na Petrobras)."
Silvio de Oliveira, Andrey Mendonça, Rodrigo de Grandis e Vicente Mandetta, procuradores do MPF/SP
Em nota, integrantes do grupo de trabalho do Ministério Público Federal em São Paulo que atua na Operação Custo Brasil afirmam ter visto com "perplexidade" a decisão do ministro Dias Toffoli. O texto diz que, "ao não conhecer integralmente a reclamação ajuizada e decidir pela soltura de Paulo Bernardo, o ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar conhecimento do caso e sequer ouviu a Procuradoria-Geral da República."
*Zero Hora