Proposta que conta com simpatia de pelo menos três influentes ministros do governo interino de Michel Temer, a legalização dos jogos de azar no Brasil pode ser votada até a metade do mês pelo Senado. As articulações entre os apoiadores da ideia – entre eles, os ministros do Turismo, Henrique Eduardo Alves, da Agricultura, Blairo Maggi, e da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima – avançaram nas últimas semanas e, segundo o autor do projeto, senador Ciro Nogueira (PP-PI), o texto deve ser examinado em plenário até o dia 15 de junho. A permissão valeria para cassinos, bingos, máquinas caça-níqueis e jogos pela internet.
O tema é polêmico e divide os parlamentares entre aqueles que enxergam na liberação oportunidade de geração de empregos e aumento da arrecadação de impostos e os que preveem o crescimento do crime organizado e dos casos de pessoas viciadas no jogo. Segundo Nogueira, que se baseia em estudos de entidades ligadas ao setor, o Brasil deixa de arrecadar cerca de R$ 20 bilhões anuais por não regulamentar a atividade. O valor equivale a quase 50% do que o país recolheria por ano com a aprovação do retorno da CPMF, por exemplo.
– O projeto que apresentamos prevê a criação de contribuição social sobre jogos de azar. Isso vai ser feito por meio de lei complementar, e várias áreas poderão receber esses recursos arrecadados, entre elas saúde, previdência e assistência social. Tenho certeza de que a legalização trará uma série de benefícios para a sociedade – afirma Nogueira.
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Outro argumento dos defensores da ideia é a abertura de novos polos de desenvolvimento do turismo, com resorts e hotéis podendo explorar cassinos e bingos. O ministro do Turismo declarou em diversas ocasiões que a iniciativa tem a simpatia de Temer, embora o presidente interino ainda não tenha falado abertamente sobre o tema.
– É uma indústria que movimenta US$ 450 bilhões por ano no mundo. O Brasil está muito atrasado, poderíamos gerar 500 mil novos empregos com a legalização. O nosso lobby é pelo jogo legal, para que o governo crie uma agência reguladora e o jogo saia da clandestinidade, o que só interessa a poucos – defende o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos de Sousa.
Contrários à proposta alertam para facilitação do crime e risco à saúde
Apesar de ter sido avalizado pelas comissões, o projeto ainda encontra resistência no Senado e também na Câmara. Lasier Martins (PDT-RS) é um dos que critica a proposta. O senador considera que o país deve buscar outros caminhos para aumentar a arrecadação, e não explorar a jogatina. Na Câmara, as principais ressalvas são feitas pelas bancadas conservadoras, como o grupo de deputados ligado a religiões – entre eles, o presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
– A saída para o país é pela educação, e não pelo jogo. Vai ser um local de lavagem de dinheiro como nunca. O Brasil ainda tem muita gente marginalizada que, entrando no vício, pode ficar ainda pior. Não temos cultura apropriada para o jogo em razão da situação financeira da população. Não acredito que seja o momento de analisar uma proposta dessas – comenta Lasier.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 3% dos apostadores enfrentam dificuldades relacionadas ao jogo, como endividamento, e outros 2% seriam efetivamente viciados. A liberação da atividade e a consequente proliferação de casas de jogos poderiam aumentar o número de casos no país, segundo a avaliação de especialistas na área. Haveria ainda risco de se abrir caminho para crimes como a lavagem de dinheiro, já que donos de bingos e cassinos poderiam colocar em circulação nos estabelecimentos dinheiro de origem ilegal.
– Algumas pessoas usam a Caixa para dizer que jogo de azar já existe. Mas o tipo explorado pela estatal não traz tendência de compulsão como bingos e caça-níqueis, que incitam a pessoa a repetir apostas em curto espaço de tempo, algo que não é possível nos jogos da Caixa. No caso da legalização, com certeza, aumentariam os casos de compulsão, e nem o nosso sistema de saúde está aparelhado para enfrentar isso. Além disso, o jogo é uma porta para o crime – comenta o promotor José Francisco Seabra Mendes Júnior, que chefiou, entre 2009 e 2013, a força-tarefa do Ministério Público Estadual em combate ao jogo ilegal.
Carência de estrutura logística e penas brandas esvaziam fiscalização
Considerada apenas contravenção penal pelas leis brasileiras, a exploração dos jogos de azar tem sido combatida de maneira tímida pelos órgãos de segurança pública no Rio Grande do Sul nos últimos anos. O maior problema, alegado tanto pela Brigada Militar quanto pela Polícia Civil, é a falta de estrutura para reprimir a atividade, agravada pela fragilidade da legislação, que impõe penas brandas àqueles que se beneficiam de bingos e máquinas caça-níqueis. O sucateamento das polícias e os impeditivos legais tornam o combate ao jogo ilegal quase ineficiente.
– Temos muitas deficiências. Hoje, a grande praga é a máquina caça-níquel. Se for fazer apreensão, tenho de retirar os equipamentos e colocá-los em algum lugar. Preciso de um caminhão, de gente para carregar. Essa logística não tenho. Por isso, as operações que fazemos hoje em dia são esporádicas, pontuais – explica o titular da Delegacia de Polícia Regional de Porto Alegre, Cleber Ferreira.
A polícia não tem levantamento exato de quantos estabelecimentos exploram o jogo ilegal no Estado, mas admite que são muitos. Durante mais de 11 anos – entre 2002 e 2013 –, o Ministério Público Estadual (MP) manteve força-tarefa de combate aos jogos ilícitos, com equipe destinada exclusivamente a isso. No período, foram recolhidas mais de 50 mil máquinas caça-níqueis, fechadas 2.567 casas de jogos e 183 bingos. Convencido de que seria mais útil realocar os profissionais do grupo para reprimir outros crimes, o MP desativou a mobilização. Depois disso, o número de operações despencou.
– Você precisa de gente para carregar equipamentos, de depósito, de uma logística que nós tínhamos. Essa talvez seja uma das grandes dificuldades atuais. Nosso trabalho era repetido exaustivamente, porque fizemos a opção de descapitalizar o contraventor. A ideia era de, se possível, sempre que uma casa reabrisse, fossemos lá novamente fazer apreensões – explica o promotor de Justiça José Francisco Seabra Mendes Júnior, que chefiou, entre 2009 e 2013, a força-tarefa do MP.
Diante das barreiras, em vez de recolher as máquinas, os policiais apreendem dinheiro e removem as placas-mãe dos computadores – nas quais estão os softwares com jogos. O processo, reconhece o delegado Ferreira, é insuficiente, já que "duas horas depois" alguns reabrem:
– Fecha de manhã e, à tarde, está igual.
ENTREVISTA
"O jogo é sorte para alguns e azar para quase todos", diz integrante do Movimento Brasil sem Azar
Paulo Fernando Melo, integrante do Movimento Brasil sem Azar, alega que a liberação dos jogos pode aumentar número de viciados em jogatina e abrir caminho para facilitação do crime de lavagem de dinheiro.
Por que o senhor é contra a legalização dos jogos de azar?
O jogo não traz riquezas, não aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) do país. O dinheiro apenas sai do seio da família e vai direto para o bolso dos empresários. O jogo não vem sozinho, ele vem acompanhado do narcotráfico, da prostituição, da lavagem de dinheiro. E, assim como temos os narcóticos anônimos e os alcoólicos anônimos, existem os ludopatas anônimos, pessoas que perdem todo o seu patrimônio no jogo, perdem tudo. A legalização também seria maneira de políticos fazerem caixa 2 de campanha. Hoje, existe uma máfia do videopoker, dos bingos, dos cassinos. Por isso existe tanta pressa.
Defensores da legalização dizem que hoje a fiscalização é falha. Por que a repressão não funciona?
Falta vontade política dos governantes. Muitas vezes, as polícias militares e a Polícia Civil não fazem o combate por isso. Hoje, há diversos parlamentares que enchem o peito para falar do jogo. Essas pessoas acabam travando o combate. Estamos vivendo um retrocesso com a perspectiva de aprovação do projeto. O relator da proposta agora é ministro (da Agricultura, Blairo Maggi) e o outro defensor é ministro do Turismo (Henrique Eduardo Alves). O lobby é muito grande.
Contrários ao projeto afirmam que haveria elevado custo social ao país com a legalização. Por quê?
Quando os bingos foram fechados, o mercado se adequou. As pessoas se adequaram. Não acredito que a legalização vá trazer tantas oportunidades de trabalho como dizem por aí. O que vai acontecer é a destruição do poder familiar.
A pessoa vai gastar com a falsa ilusão de ficar rica, mas o jogo é sorte para alguns e azar para quase todos. Quem ganha são os empresários. Já temos os jogos legais comandados pela Caixa. Que permaneça assim.
ENTREVISTA
"Lavagem de dinheiro e abertura ao crime é falácia", diz presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal
Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, defende que a liberação dos jogos de azar traria aumento de arrecadação com impostos sobre a atividade e facilitaria o controle e a proteção dos jogadores.
Por que o senhor é a favor da legalização dos jogos de azar?
Além de todas as vantagens na questão de investimento, criação de vagas e formalização dos atuais empregos de quem trabalha na ilegalidade, tem a questão fiscal: o governo vai passar a arrecadar e os atuais jogadores terão mais proteção. As pessoas usam argumentos como a lavagem de dinheiro, a abertura para o crime organizado, mas isso é falácia. Fica parecendo que o Brasil não tem jogo, que tudo vai começar a partir da legalização. O jogo ilegal movimenta cerca de R$ 20 bilhões por ano no país. Precisamos tratar essa questão fora da ideia pragmática e religiosa.
Defensores da legalização dizem que hoje a fiscalização é falha. Com a aprovação, o que mudaria?
O mundo inteiro conseguiu resolver o problema da fiscalização e do controle. Acho muito difícil que o Brasil não consiga. Temos mecanismos para controlar 14 mil lotéricas. A Caixa controla tudo. O sistema de Imposto de Renda do Brasil é um dos mais eficazes do mundo. O jogo com a tecnologia que tem é muito fácil de controlar. Hoje, é muito mais fácil lavar dinheiro do que se for legalizado.
Como fica o elevado custo social ao país que haveria com a legalização, alegado por quem é contrário ao projeto?
Quantos jogadores patológicos temos no Brasil? Ninguém sabe. Você só pode controlar o comportamento se tiver o jogo na legalidade. Existem mecanismos que estão funcionando bem, como o sistema de autoexclusão. Alguém pode denunciar que a pessoa está viciada, em alguns casos ela própria, e ela perde acesso ao jogo. O jogador patológico é o que as casas de aposta não querem ter. Eles não dão lucro e causam danos à sociedade. Além disso, podem ser realizadas campanhas sobre jogo educativo. Os Estados Unidos têm quase 2 mil cassinos. Será que todos os americanos são viciados?