Sobreviver à Operação Lava-Jato virou uma ação de proteção entre aliados e desafetos. Com a cúpula do PMDB, inclusive o presidente interino Michel Temer, e nomes de PSDB, DEM, PT, PP, PSB, PC do B e PV alvejados pela delação de Sérgio Machado, Palácio do Planalto e Congresso reagem unidos: refutam as acusações, tentam desacreditar o ex-presidente da Transpetro e sustentam que doação oficial de campanha não é propina.
As respostas mais incisivas partiram de Temer, que, conforme Machado, teria pedido R$ 1,5 milhão em recursos ilícitos para abastecer a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012, e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Adversário de Temer pelo controle do PMDB, Renan saiu em defesa do interino.
– É em torno deste governo que temos de criar uma agenda e estabilizar a economia – disse o presidente do Senado na quinta-feira.
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Planalto e Congresso passaram os últimos dias empenhados em atenuar o impacto da delação, agravado pela queda de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), terceiro ministro a deixar a Esplanada em pouco mais um mês. A demissão teria sido motivada pela descoberta de uma conta no Exterior.
Para o núcleo de Temer, o avanço da Lava-Jato ainda não teria obstruído a governabilidade. Conselheiros do presidente argumentam que há partidos demais envolvidos, o que ameaça a classe política como um todo. Na quinta-feira, em almoço do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) em São Paulo, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) citou Jandira Feghali (PC do B-RJ), aliada de Dilma Rousseff, que aparece na lista de Machado por repasses para campanhas que teriam origem em propinas:
– Conheço a Jandira há muitos anos. Tenho certeza de que ela não foi pedir recursos ilícitos ao Sérgio Machado. Se esse raciocínio vale para ela, vale para todos.
O Planalto patrocina a ofensiva, repetida por diferentes partidos, para desacreditar o delator. Em momentos reservados, políticos evitam comentar as acusações e voltam a aventar mudanças na legislação das delações. Na quarta-feira, quando foi disponibilizada a íntegra dos depoimentos de Machado, o assunto ficou de lado no cafezinho do plenário da Câmara. À noite, os jogos da rodada chamavam mais atenção do que as reportagens sobre o ex-presidente da Transpetro.
Articuladores do governo interino esperavam ataques mais agudos do PT. No entanto, argumentos que peemedebistas e tucanos utilizam agora já foram usados por petistas em outras fases da Lava-Jato. A tese principal é de que doações oficiais de campanha não podem ser consideradas propina. Além disso, parlamentares e ex-ministros da sigla também são investigados pela suposta participação no esquema de corrupção.
Para as próximas semanas, a estratégia de defesa dos atuais inquilinos do Planalto passa por fortalecer o vínculo com a base, que na Câmara soma mais de 350 deputados. Líder do governo na Casa, André Moura (PSC-SE) minimiza as turbulências dos últimos dias:
– Houve desgaste no caso de Romero Jucá e no de Fabiano Silveira (que deixaram o Planejamento e a Transparência) e o governo conseguiu aprovar importantes projetos. A base está unida.
No Senado, o núcleo do governo quer acelerar o julgamento do processo de impeachment, previsto para período da Olimpíada, em meados de agosto. Temer confia na antipatia parlamentar contra Dilma para inviabilizar o retorno da presidente afastada, visto com ceticismo dentro do próprio PT. Contudo, depois que ele afirmou que, se alguém tivesse cometido os delitos citados por Machado, "não teria condições de governar o país", a oposição aguarda novas revelações.
– Vamos elevar o tom contra um golpista. É preciso discutir a realização de novas eleições – diz a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
No momento, o principal temor no Planalto e de sua base parlamentar vem das ruas, em parte aliada na derrubada de Dilma. Movimentos a favor do impeachment marcaram para 31 de julho novas manifestações que pedirão a cassação da presidente afastada, darão apoio à Lava-Jato e cobrarão a "prisão de todos os políticos corruptos, independentemente do partido".
Na Câmara, cobrança por provas
Com deputados e ex-deputados de partidos rivais citados por Sérgio Machado, a linha de defesa majoritária na Câmara aponta a "necessidade de provas" na delação do ex-presidente da Transpetro e uma tentativa de "criminalizar" doações oficiais de campanhas. Os argumentos são a rara concordância em uma Casa marcada pela dicotomia do impeachment nos embates entre dilmistas e temeristas.
– O que é doação legal não pode ser considerado propina. Não se pode generalizar. Machado é um ladrão, sem credibilidade, que vende uma versão para se salvar – afirma Pauderney Avelino (AM), líder do DEM.
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Em seus depoimentos, o ex-presidente da Transpetro afirmou que políticos das bases de Dilma Rousseff e Michel Temer receberam, por meio de doações oficiais, recursos ilícitos de empresas investigadas na Operação Lava-Jato. Seriam os casos dos deputados Luiz Sérgio (PT-RJ), Jandira Feghali (PC do B-RJ), Walter Alves (PMDB-RN) e Felipe Maia (DEM-RN), além dos ex-deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP), Edson Santos (PT-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que deixou na quinta-feira o Ministério do Turismo.
Cientes de que outras delações estão no forno, a exemplo o acordo de Marcelo Odebrecht, parlamentares pregam calma para evitar condenações prévias no caso das acusações de Machado.
– Se as afirmações dele não tiverem materialidade, serão superadas pela próxima delação premiada que aparecer – resume Esperidião Amin (PP-SC).
No combate ao impeachment de Dilma, petistas aproveitam a citação de Temer para desqualificá-lo e reforçar a tese de golpe. Contudo, nos bastidores, deputados admitem a dificuldade de viabilizar o retorno da presidente afastada. A estratégia que ganha corpo é incentivar o discurso por novas eleições e fomentar o avanço de um pedido de impeachment contra Temer, que ainda não teve os representantes da comissão especial indicados.
– Temer já havia sido alvo de dois delatores. Agora, um terceiro o denuncia de novo. Queremos ver como vão se posicionar os líderes dos partidos, que ainda não indicaram os seus representantes para a tramitação do processo de impeachment de Temer – cutucou Givaldo Vieira (PT-ES).
Com mais de 350 deputados, a base do interino ignora as provocações. A atenção está em manter o grupo unido e evitar um racha em uma eventual eleição para presidência da Câmara, caso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seja cassado pelo plenário. Já se iniciaram as tratativas para escolha de um presidente da Câmara, cujo mandato seria tampão. Cotados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sofre resistências por ser investigado na Lava-Jato. Osmar Serraglio (PMDB-PR) e Esperidião Amin são lembrados, juntos de Jovair Arantes (PTB-GO) e Rogério Rosso (PSD-DF).
No Senado, ataques a Janot
Principal alvo da delação de Sérgio Machado, a cúpula do PMDB do Senado reage com ataques a Rodrigo Janot, responsável por denúncias ou novos pedidos de abertura inquérito e de prisão contra parlamentares. Até então preocupado em manter a postura de "magistrado", Renan Calheiros (PMDB-AL) ameaça o procurador-geral da República com um processo de impeachment.
O presidente do Senado responde nos próximos dias se arquiva ou aceita um pedido no qual duas advogadas questionam Janot por ter pedido as prisões por tentativa de obstruir as investigações do próprio Renan, Romero Jucá e José Sarney, mas não ter adotado a mesma medida com Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Renan nega qualquer tentativa de coação.
– Você acha que alguém intimida o procurador-geral da República? Quando as pessoas perdem o limite da Constituição, perdem o limite do ridículo também – disparou na quinta-feira.
A atitude agressiva repercutiu bem entre senadores, que apontam Janot como suposto autor do vazamento dos pedidos de prisão de caciques do PMDB. Muitos associam o fato de o procurador-geral ter pedido o arquivamento de um dos nove inquéritos contra Renan à decisão do parlamentar de levantar o tom.
No partido, paira o receio de que as acusações de Machado embaralhem a sucessão do Senado. Além de Renan e Jucá, foram alvejados Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Garibaldi Alves (RN) e Valdir Raupp (RO). No momento, o favorito para presidir a Casa (2017-2019) é Eunício Oliveira (CE), citado como contemplado por doações da JBS.
Na estratégia de sobrevivência, peemedebistas, de mãos dadas com tucanos, desqualificam Machado, que permaneceu por 11 anos à frente da Transpetro com apoio de Renan. Segue no horizonte, com apoio de petistas, a estratégia de dificultar delações de presos e de exigir provas mais robustas para firmar os acordos.
O PSDB, que viu seu presidente, Aécio Neves (MG), ser apontado como destinatário de R$ 1 milhão em 1998 para financiar campanha, vai na mesma linha de defesa. Em nota, Aécio, Cássio Cunha Lima (PB) e Antonio Imbassahy (BA) disseram que "tentar envolver líderes do PSDB em atos supostamente ocorridos há 18 anos sem qualquer fato que os comprove apenas demonstra o desespero de alguém que, para obter vantagens em sua delação, não se constrange em caluniar e difamar".
O corporativismo do Senado já se apresentou quando parlamentares ensaiaram derrubar no plenário as eventuais prisões de Renan e Jucá, caso fossem autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, por ausência de flagrante.
Como ocorre na Câmara, petistas preferem usar a situação para atacar Aécio, enfraquecer Michel Temer, insistir na tese do golpe contra Dilma e fortalecer o pedido de novas eleições.