Maior especialista brasileiro em fonética forense, Ricardo Molina passa os dias dissecando áudios e vídeos. Com 25 anos de atividade e mais de 2 mil casos no currículo, conhece como poucos os meandros da cultura do grampo estabelecida no país. Molina considera as interceptações telefônicas um importante elemento dos processos criminais, mas critica o uso desmedido das escutas em investigações. Ciente do jogo do poder que alimenta o mercado negro do grampo, o dono do Instituto de Pesquisa de Som, Imagem e Texto conversou com Zero Hora, por telefone, sobre como as escutas – legais e ilegais – podem conduzir os destinos de políticos e da própria nação.
Vivemos uma República do Grampo?
O grampo se transformou em um negócio muito comum. Cada vez se grampeia mais. Fala-se nas operações da Polícia Federal, mas as outras polícias gravam muito também. Até o Ministério Público (MP) faz suas próprias gravações, o que é discutível, porque eles são parte nos processos. Já peguei operação que tinha 800 mil gravações, 40, 50 telefones grampeados por dois anos. Isso gera número absurdo de interceptações.
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Gravações qualificam investigação?
Essa cultura do grampo é ruim porque cria o policial de bunda quadrada. O cara fica sentado ouvindo gravação, não investiga mais nada. Há processos que são inteiros baseados em grampos, sem nenhum fato concreto. Depois, tudo é derrubado nas instâncias superiores, porque não tem consistência.
Como aprimorar o uso de gravações em investigações?
Com uma instância da perícia pura e transcrição ipsis litteris do que foi falado. No Brasil, há interpretação de um agente de polícia, que visa a um determinado objetivo. Eles dizem: "Já selecionamos o que é necessário, não precisa transcrição porque existe a mídia". Mas quem ouve 3 mil horas de gravações? Juiz não ouve nada. Você tem uma seleção dos trechos, a interpretação do agente e o resumo final feito pelo MP para construir a denúncia. É isso que o juiz vai ler.
Essa situação resulta em injustiças?
Sim. Tem coisas que o cara pode ter até falado, mas nada daquilo acabou acontecendo. Nessas gravações do Sergio Machado, por exemplo, tem muita articulação política normal. As pessoas esperam que político seja santo, o que é incompatível. Se é santo não vai ser político, e vice-versa.
Há crime nos áudios registrados por Sérgio Machado?
Depende. Há casos que a gente chama de atos performativos de linguagem, onde a própria coisa que se falou é a prova. Essas gravações têm um pouco disso. Com a autoridade que a pessoa tem, não poderia ter falado aquilo. Se falar em melar a (Operação) Lava-Jato, na posição que está, seria ato criminoso. É importante lembrar que estamos em momento conturbadíssimo, e essas gravações vazam com objetivos políticos. Não estamos falando do mané ali da esquina, mas de presidentes, ministros, senadores.
E no grampo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a presidente afastada Dilma Rousseff?
Também tem um pouco de ato performativo. Disseram que ainda não havia nomeação porque o documento foi sem a assinatura da presidente. Ora, se foi sem assinatura, para que mandar o documento? É uma coisa meio sem pé nem cabeça, um ato estranho, uma conversa esquisita.
Muitos disseram que o grampo foi feito no gabinete da Presidência.
Disseram muita bobagem. O problema está no método usado no Brasil, do qual discordo. Se você liga para o número-alvo, no momento em que disca o último dígito começa a gravação. Independentemente de o alvo atender. Isso gera uma escuta ambiental não autorizada no telefone que não está grampeado. Por isso na gravação se ouvem as assistentes da presidente conversando entre si. Essa forma de gravar é errada, só deveria começar quando o alvo atende. A questão é que é útil para quem investiga plantar uma escuta ambiental.
A política movimenta também um mercado negro das gravações?
Sim, são gravações ilegais. Não posso dizer nomes, mas tive acesso a casos em que a gravação foi feita dentro da operadora e sem autorização. Não é difícil, afinal de contas, é tudo digital. Sempre se grampeou muito no Brasil.