A decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), que anulou as sessões de votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff é motivo de dúvidas entre juristas. Para professores e advogados consultados por ZH, a medida deverá ser alvo de recursos na própria Câmara ou no Supremo Tribunal Federal (STF), e a tendência é de que a anulação seja revertida.
Alguns sustentam, inclusive, que Maranhão não teria poderes para determinar o ato, porque o processo já não está mais na competência da Câmara e pelo fato de o rito já ter sido discutido pelo STF – embora pelo menos um ponto levantado por Maranhão tenha ficado de fora da análise dos ministros.
Na votação anulada por Maranhão, 367 deputados se posicionaram a favor do impeachment. Com a reviravolta, que pegou Brasília de surpresa na manhã desta segunda-feira, uma nova votação terá de ser feita num prazo de cinco sessões a partir da data em que o processo retornar à Câmara.
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Entre os argumentos levantados por Maranhão, que atendeu a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), os dois principais envolvem a suposição de que os partidos não poderiam ter orientado o voto dos parlamentares – que não foi alvo de análise do STF – e de que a defesa de Dilma deveria ter se manifestado no final da sessão.
Na avaliação de Thiago Bottino, doutor em Direito Constitucional e professor da FGV Direito-Rio, a partir de agora, qualquer deputado ou partido pode entrar com recurso, tanto na Câmara quanto no STF.
– A decisão de Maranhão se baseia em fundamentos jurídicos, como a questão levantada a respeito da defesa da presidente da República, e políticos, como a questão envolvendo a orientação de votos pelos partidos. O fato de Maranhão ser presidente interino não impede que tenha feito o que fez. Ele o fez, porque acredita que pode, mesmo que isso possa ser questionado. Não me arrisco a fazer nenhum tipo de previsão sobre o resultado. Tudo é muito incerto no país hoje – diz Bottino.
O jurista Lenio Streck, procurador de Justiça aposentado, acredita que a decisão de Maranhão "não terá efeitos práticos" e serve apenas para tumultuar ainda mais o cenário político brasileiro.
– Quando o recurso chegar ao plenário da Câmara, o plenário certamente vai passar com um trator por cima, porque já tomou a sua decisão. Maranhão deu ao impeachment um aspecto jurídico, mas a votação já passou – afirma Streck.
Entendimento semelhante tinha o gaúcho Paulo Brossard, um dos juristas mais respeitados do país, morto em 2015. Em seu livro O Impeachment, Brossard trata do assunto no capítulo Irrecorribilidade e Irrevisibilidade das Decisões Congressuais, no qual cita as impossibilidades decorrentes de decisões tomadas pelo Poder Legislativo. Segundo Brossard, "o Legislativo se desveste de todo poder para alterar sua solene decisão que, uma vez proferida, é irretratável".
Ainda de acordo com Brossard, "usando a Câmara de suas atribuições privativas, e decretando a acusação, abre-se a competência do Senado (...). Dos seus julgamentos não cabe recurso algum. Uma vez protelados, são absolutas e definitivos. Se recurso não cabe (...), não cabe revisão do processo que se instaura na Câmara popular e na Câmara alta se encerra". Por fim, ele afirma que "pelas mesmas razões por que os tribunais não têm competência para rever decisões da Câmara ou do Senado em matéria de impeachment, é vedada sua ingerência no sentido de impedir a instauração do processo político ou de obstar-lhe o prosseguimento".
Para o deputado estadual e advogado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que comandou o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello na Câmara, nos anos 1990, a decisão de Maranhão "não tem nenhum cabimento" e pode até ser ignorada pelo Senado.
– Não é competência do presidente da Câmara anular atos que já se completaram. O processo na Câmara está superado e está nas atribuições do Senado. Basta o Senado ignorar. Resta saber o que fará Renan Calheiros – afirma Pinheiro.
Os especialistas concordam que, se quiser, o presidente do Senado, Renan Calheiros, pode dar prosseguimento ao processo, cuja votação de admissibilidade está prevista para quarta-feira. Mas é provável que, diante disso, a defesa da presidente Dilma recorra ao STF, prolongando o debate.
Professor de Direito Público da Universidade de Brasília, Juliano Zaiden Benvindo também tem uma série de dúvidas sobre os rumos dessa controvérsia, mas acha que a decisão não se sustentará.
– Se o presidente da Câmara aponta argumentos para a nulidade do processo e Renan Calheiros leva o processo adiante, pode se criar uma situação complicada. A resolução disso pode levar dias, talvez até uma ou duas semanas – avalia.