Sociólogo e professor da Fundação Getulio Vargas São Paulo, Renato Sérgio de Lima é vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma das organizações mais respeitadas no desenvolvimento de pesquisas e projetos sobre o tema. Para ele, a gestão de Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça é imprevisível. Apesar de ter méritos, Lima avalia que as polêmicas do novo ministro em uma área tão delicada podem inviabilizá-lo.
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Qual o perfil do ministro Alexandre de Moraes?
Ele é do Ministério Público de São Paulo, que ainda é muito influenciado pela doutrina do direito da defesa social, que defende respostas duras para combater o crime e a violência. Temos duas grandes correntes que se opõem no Direito: os garantistas, alinhados com os direitos dos indivíduos, e os de defesa social, que priorizam o interesse do Estado e, teoricamente, da sociedade. O Alexandre é mais filiado à defesa social. Isso significa que ele defende respostas mais duras como concepção de manutenção da ordem pública. Em termos filosóficos, o Estado precisa impor lei e a ordem. Não é algo pactuado, mas que se impõe a partir de uma legislação pré-existente.
Pode ser um problema o fato de o ministro ser dessa corrente?
Em teoria, nenhum problema. A grande questão é que o parlamento optou por não dizer o que é ordem pública e o que é segurança pública. Isso não está dito em nenhuma lei e acaba sendo definido no cotidiano das polícias. Abre uma margem de discricionariedade, fazendo que o governante de plantão tenha margem de interpretação da lei muito grande. E isso gera debates, há uma disputa pelo significado do que é segurança pública e ordem pública. Alguns acham que é restringir direitos e liberdades e outros acham que é administrar conflitos, punindo os exageros. Quando você tem um ministro que não foge da polêmica, não abre mão de protagonizar a função que está exercendo, essas posições ficam mais explícitas. Mas as polêmicas não são do Alexandre. São da sociedade e ele toma partido. Isso não é ruim. Para o bem e para o mal, ele é transparente naquilo que acredita.
As opiniões são de que ele aderiu à linha repressiva ao definir, junto com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-SP), que as desocupações poderiam ser feitas sem autorização judicial. Como avalia?
As escolas públicas, ocupadas por alunos que reivindicam a instalação de CPI no caso da merenda escolar e mais qualidade de ensino, foram desocupadas (na semana passada) pela Polícia Militar sem ordem judicial numa releitura da legislação. A base do parecer da PGE é uma legislação anterior à Constituição de 1988, que diz que o Estado pode agir como polícia administrativa. O exemplo que eles dão é que, se alguém entra na tua casa e diz que vai ficar, você pode tirar naquele momento. E o Estado também poderia fazer isso. É uma doutrina que está sendo construída nesse princípio de defesa do rigor penal e legal, de manutenção da ordem como princípio. O problema é que a sociedade brasileira do pós-manifestações de 2013 pensa a ordem de outro jeito. Não se trata da inexistência de conflitos, mas de como você administra eles, de forma a reduzir a violência.
Em janeiro de 2016, ele anunciou queda de mais de 12% nos registros de homicídios no Estado. Também houve redução em outros crimes, mas os métodos de aferição foram questionados. Qual o balanço da gestão dele?
Ele teve o mérito de manter políticas que estavam sendo maturadas no médio prazo pelos antecessores dele, que eram boas práticas de modernização, procedimentos e uma série de questões de tecnologia policial. Mas ele também comprou polêmicas que são desgastantes. É fato que os homicídios e outros crimes em São Paulo têm caído. Ninguém sabe ao certo o peso de cada um dos fatores na redução da violência. Nesse ponto, a gestão dele poderia ter evitado uma polêmica. Ele decretou sigilo aos boletins de ocorrência, inclusive para imprensa e pesquisadores. A grande questão que surgiu em São Paulo é que a queda é indiscutível, mas o tamanho passou a ser relativizado por suspeita de que os dados estavam sendo manipulados. Ele teve méritos, mas entrou em polêmicas que só desgastaram a gestão dele e do governador Geraldo Alckmin (PSDB). A gestão dele pode ser avaliada desta forma: ele não tem medo de dizer o que pensa e não tem medo de polemizar.
Ele pode ser considerado um partidário da repressão policial?
Ele acredita que a resolução dos conflitos passa pelo sistema jurídico-penal. Entende que a segurança é um problema de polícia. E outra corrente entende que não é só problema de polícia, mas que passa por uma série de outros atores. Esse é o principal desafio dele como ministro: coordenar esforços conjuntos, dialogar, inaugurar o debate sobre como modernizar a segurança pública diante do caos que se implantou no país, com 60 mil mortes por ano. Mais de 3 mil pessoas mortas por intervenção policial, mais de 400 policiais mortos.
O ministério precisa se aproximar da execução de ações públicas?
Se repetir a fórmula de que a forma de articular esforços é a do dinheiro, com financiamento de políticas, não vai dar certo porque o dinheiro acabou. Mas, até pelo ministro não fugir das polêmicas, existe espaço para que crie uma agenda alternativa, para além do dinheiro. A disposição é sobre como coordenar esforços. O dinheiro é um problema sério, mas a forma como a gente faz segurança é muito pouco eficiente. Precisamos começar a agir com os recursos que temos. Onde foram integrados os esforços, os homicídios caíram, inclusive em São Paulo.
Qual a sua expectativa quanto à gestão do ministro?
Diria que é imprevisível. Pode dar muito certo ou acontecer uma situação que o inviabilize.