No intrincado xadrez da política nacional, o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB- RJ) do mandato de deputado federal e da presidência da Câmara, às vésperas da decisão do Senado sobre o processo de impeachment, resolve um problema de Michel Temer e alcança um suspiro de esperança a Dilma Rousseff. Na avaliação do Palácio do Planalto, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), considerada "atrasada", ajuda Temer porque enterra o discurso de que seria Cunha uma espécie de "vice-presidente". Contudo, acende uma centelha de reviravolta entre os petistas. Advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo garantiu que tentará anular no STF o processo de Dilma.
– Ele usou o impeachment injustamente em benefício próprio, quando ameaçou a presidente da República de que abriria o processo se o PT não desse os votos (na Comissão de Ética) – disse Cardozo.
Cunha manteve o apoio de dezenas de fiéis aliados, que emitiram nota criticando a "interferência entre os poderes". Apesar do gesto público, as articulações para eleger um novo comandante da Casa já correm nos bastidores. No plenário, houve comemoração de oposicionistas.
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Carrasco do PT e articulador da queda de Dilma, Cunha teve o seu mandato suspenso pelo STF por unanimidade. Pela manhã, o ministro Teori Zavascki encaminhou decisão via liminar, confirmada à tarde pela Corte. A justificativa foi de que Cunha usou o cargo para atrapalhar investigações da Operação Lava-Jato, que fez dele réu, e protelar o andamento do seu processo de quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara. Por enquanto, quem assume a Casa é Waldir Maranhão (PP-MA), primeiro-vice, também apanhado pelos tentáculos da Lava- Jato. Com a República em crise, parlamentares discutiam os próximos lances da política.
– Temos duas implicações contraditórias. Uma delas facilita o impeachment, pois acaba com o argumento de que o Cunha seria vice do Temer. Outra, beneficia os contrários. Se Cunha é afastado por indecência, os seus atos anteriores ficam sob suspeição – avalia o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).
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Um dos principais adversários de Cunha, Henrique Fontana (PT-RS) corroborou a ideia de petistas de buscar a nulidade na Justiça do processo de impeachment, mas considerou o afastamento de Cunha "tardio". A oposição desdenhou da manobra.
– Se o STF tomou a decisão, é porque entendeu agora que havia elementos. Antes, o Eduardo estava legitimado no cargo. É mais um factoide do PT – rebateu Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Mesmo entre governistas há dúvidas sobre a disposição do Judiciário para uma decisão radical de desconstituir todos os atos do Legislativo sobre a matéria.
– Há uma predisposição do STF para não se meter muito na questão política. Mas está ficando tão escancarado que, uma hora, terão de se meter – avaliou a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM).
A possibilidade de os ministros interferirem no Congresso foi um dos temas dominantes nos corredores do Senado, que ontem cumpriu mais uma sessão da comissão que analisa o impeachment de Dilma. Uma certeza dos parlamentares, de oposição ou situação, é de que o afastamento de Cunha não produzirá nenhum efeito na votação dos senadores.
Na Câmara, os deputados já travam discussões pela sucessão de Cunha, mas ainda há dúvidas sobre como proceder. O grupo de deputados fiéis a ele, incluindo o interino Waldir Maranhão, estuda meios que possam lhe devolver o mandato de deputado federal. Para a presidência, avaliam que o melhor é chamar novas eleições e escolher como sucessor alguém do mesmo grupo. Ainda há quem defenda o lançamento de um nome do PMDB ou do PSDB, as maiores bancadas da articulação do impeachment de Dilma. Entre petistas, corre a tese de lançar um nome de esquerda, mas de outro partido. Já o DEM reuniu seus advogados para discutir alternativas.
Entre próceres do grupo de Temer havia um sentimento de alívio. O vice gostaria de se afastar de Cunha a fim de blindar sua imagem, porém sabia que precisava reconhecer o empenho do presidente da Câmara no impeachment. A decisão do STF "resolveu o problema de Temer", na análise de auxiliares de Dilma, corroborada no Palácio do Jaburu. Um dos únicos a apresentar um viés negativo para Temer com a queda de Cunha foi o deputado Carlos Marun (PMDB-MS). Ele entende que o atual vice- presidente precisa assumir o país com a Câmara funcionando a pleno, e não em situação de instabilidade que pode causar lentidão.