O script final do impeachment da presidente Dilma Rousseff estava pronto, com o afastamento previsível a ser aprovado pelos senadores, até que uma jogada do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), em aliança com o Palácio do Planalto, causou perplexidade. Ele anulou a votação do processo na Casa e, apesar de ignorado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), abriu brecha para que novas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionem e atrasem o impeachment. Por ora, a votação segue marcada para quarta-feira.
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No final da manhã de segunda-feira, Maranhão tornou pública uma decisão monocrática em que derrubou as sessões que aprovaram o processo contra Dilma na Câmara. A dois dias da decisão do Senado, que pode afastar a presidente por até 180 dias, o interino pedia que a matéria fosse devolvida para nova votação. A iniciativa sobreviveu cerca de cinco horas: no final da tarde, Renan anunciou que o caso não era mais de competência dos deputados. Ele classificou a atitude de Maranhão como "brincadeira com a democracia".
– Já houve leitura de autorização no plenário, instalação da comissão especial, que fez nove reuniões, totalizando quase 70 horas de trabalho – destacou Renan, citando o trâmite do processo no Senado.
Ficou sob suspense a confirmação de análise do impeachment amanhã: o presidente da Casa disse que, antes do processo contra Dilma, deve ser votado em plenário o processo de cassação do senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) – marcado para hoje após aprovação relâmpago ontem à noite. A sessão de Dilma também pode ser atrasada pela via judicial.
O governo pretende recorrer do ato de Renan no Supremo Tribunal Federal (STF). O prosseguimento evita atrasos. O teor da decisão do presidente interino da Câmara foi construído a partir de encontros com o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, e com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), aliado de Dilma. O argumento foi de que as bancadas não poderiam ter orientado o voto na matéria. Embora Cardozo tenha feito a defesa da presidente tanto na comissão do impeachment quanto no plenário, Maranhão escreveu que Dilma deveria ter se pronunciado no plenário da Casa.
Logo após a anulação, os deputados favoráveis ao impeachment começaram a reagir. O objetivo era pressionar Renan a ignorar Maranhão e dar continuidade ao processo.
– É uma decisão que nasce morta. Uma decisão dessa amplitude não ter sido sequer levada à discussão com os líderes não tem amparo regimental. O STF arbitrou e todos os atos foram juridicamente perfeitos – argumentou o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), que presidiu a comissão especial do impeachment na Câmara.
O clima de revolta cresceu entre parlamentares no início da tarde, quando o PP, por iniciativa do deputado Jerônimo Goergen (RS), resolveu levar adiante um processo de expulsão de Maranhão do partido.
DEM e PSD acionaram o Conselho de Ética da Câmara para pedir a cassação do mandato do parlamentar, com alegações de "abuso de prerrogativas" e "fraude às decisões da Casa".
– Maranhão tomou uma decisão unilateral e pode sofrer as consequências. Não tem como um vice-presidente, que está no exercício da presidência, tomar uma decisão contra 367 deputados – protestou Beto Mansur, primeiro-secretário da Mesa Diretora da Câmara e aliado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Temer critica ato de interino e aliados classificam como "desespero do governo"
A direção da Casa deverá se reunir nesta terça-feira. Maranhão será pressionado pelos demais parlamentares a revogar o ato, mesmo que Renan já tenha negado sua validade. Entre as implicações do episódio, cresce entre os oposicionistas o desejo de chamar novas eleições para a presidência da Câmara, mas isso dependeria, avalia Beto Mansur, da renúncia de Cunha, afastado do mandato pelo STF, ou de Maranhão.
– Não sei quais interesses estão por trás da decisão do Maranhão, mas certamente eles são inconfessáveis – declarou Mendonça Filho (DEM-PE), ampliando a pressão sobre o presidente interino da Casa.
O episódio provocou a ira de Michel Temer, que pretende se tornar presidente interino da República até o final da semana. Em encontro com aliados, ele criticou a decisão de Maranhão.
– Como constitucionalista, esse ato é um absurdo jurídico – reclamou.
Nas análises da equipe do vice, o tsunami será uma marola, "ato de desespero do governo". Embora ainda possa haver questionamentos jurídicos, a votação no Senado deve acontecer. Caso mais da metade dos parlamentares seja favorável à abertura do processo, Dilma estará afastada.
Para o PT, o episódio soou como nova esperança. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o governo ganhou "tempo para se reorganizar". A avaliação política também é de que, com a decisão de Renan, os petistas terão um reforço para o discurso de que o impeachment se trata de "golpe".
No Congresso, poucos governistas circularam. Líder do governo, José Guimarães (PT-CE) definiu a decisão de Maranhão como "vitória da democracia". Para ele, a votação ocorreu "ao arrepio da lei".
Atualização:
O presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), informou a integrantes do PP na noite desta segunda-feira que decidiu revogar sua própria decisão de anular a sessão da Câmara que abriu o impeachment de Dilma Rousseff. Em documentos vazados, a decisão está assinada, mas só tem valor depois de publicada, o que deve acontecer nesta terça-feira.