A exumação de um corpo, seja qual for o motivo, não é ato apropriado para a realização de um comício. Os ritos da morte exigem respeito, mesmo que tenham se passado mais de 30 anos, como é o caso do ex-presidente João Goulart. Por isso, soa estranho o pedido feito pela Secretaria de Direitos Humanos ao prefeito Farelo Almeida (PDT) para instalação de uma espécie de palco junto ao túmulo. Felizmente, o prefeito alegou não ter condições financeiras e técnicas para atender ao pedido e reduziu as chances de a exumação virar comício.
Nada garante que os exames darão a resposta definitiva sobre a causa da morte de Jango, mas a Comissão da Verdade fez da exumação o foco de seu trabalho. Com o aval da família Goulart, o que restou do corpo de Jango será desenterrado hoje e submetido a minuciosos testes para detecção de substâncias químicas que possam ter provocado a morte por envenenamento.
Mesmo que os exames não sejam conclusivos, a avaliação no governo é de que o esforço vale a pena como uma espécie de reabilitação da imagem do presidente. Enterrado em plena ditadura, sem autópsia e sem a pompa dos atos fúnebres de presidentes, Jango agora terá honras de chefe de Estado. O Congresso aprovará um projeto deixando claro que sua deposição foi ilegal e candidatos à eleição de 2014 farão discursos exaltando as qualidades do presidente que morreu no exílio, sem lembrar que era um homem cardíaco e deprimido, e que comia e bebia em excesso, o que fazia dele candidato a um infarto.
No dia 28 de outubro, o jornalista Simon Romero assinou no The New York Times uma reportagem com o título "Desenterrar os mortos para fazer as pazes com o passado", na qual relata uma nova onda de exumações na América Latina, "reflexo não só da dificuldade de algumas figuras políticas em encontrar paz no pós-vida, mas do desejo da região de reabrir questões não resolvidas e disputas sobre seus fatos históricos, mesmo que para isso tenham de desenterrar o passado".
Entre os citados por Romero está o poeta chileno Pablo Neruda. Nesta semana, saiu o resultado dos exames e a constatação de que ele não foi envenenado, como se suspeitava: morreu de câncer de próstata.
Opinião
Rosane de Oliveira: "Que a alma de Jango possa descansar em paz"
Rosane de Oliveira
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