Um dos principais entraves para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul é a sua dívida pública. Ao longo dos anos, os gaúchos vêm sentindo os efeitos dessa crise. Sucessivos governadores viraram administradores de dívidas, fazendo malabarismos para conseguir investir no básico. Saiba por que o Estado chegou a esse cenário desolador.
Cada metro quadrado do Galpão Crioulo, naquela sexta-feira, 20 de setembro de 1996, era disputado. Garçons apressados iam e vinham. O Palácio Piratini estava em festa.
Na mesa principal, sentados lado a lado, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o governador Antônio Britto (PMDB) celebravam o futuro: estava selado o acordo que, em 1998, levaria a União a assumir a maior parte da dívida pública do Rio Grande do Sul, um Estado à beira da falência.
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O clima era de euforia. O resultado chegou a ser classificado por integrantes do governo como o "maior feito" da gestão Britto. Acreditava-se que, finalmente, seria possível superar o lamaçal financeiro que inviabilizava o Estado desde a década de 1980.
- Foi um momento épico, de pompa. Nós celebramos muito, e não estávamos sozinhos. O acordo representava o início de uma nova era - recorda Cézar Busatto, secretário da Fazenda à época.
Dezessete anos depois, a história mostra que nem tudo saiu como o planejado. O acerto, que também foi feito e celebrado por outros Estados, funcionou como um balão de oxigênio e reorganizou as finanças, mas não pôs fim ao problema.
Em agosto de 2013, o Rio Grande do Sul continua no vermelho e segue em dificuldades. A dívida consolidada é duas vezes maior do que a receita, ou seja, é o dobro da arrecadação anual. Em nenhum outro Estado o nível de endividamento é tão alto. Segundo dados da Secretaria da Fazenda, a conta ultrapassa R$ 47,1 bilhões. E nesse valor não estão incluídos os precatórios (R$ 4 bilhões) nem o déficit anual da previdência (R$ 6,7 bilhões). É como se cada gaúcho já nascesse devendo R$ 4,4 mil e operando no cheque especial.
Gastos, descontrole e apostas erradas
As prestações vêm sendo pagas em dia, mas a bola de neve continua rolando ladeira abaixo, cada vez mais volumosa. Entre os motivos do crescimento estão os juros e a correção monetária. Só o IGP-DI, índice que corrige o passivo com a União, cresceu 247,7% entre 1998 e 2012. Fora isso, há o peso de novos empréstimos.
- Somos como aquele parente que todo mês, há anos, gasta mais do que recebe, faz novas dívidas e não consegue mais sair do buraco. Estamos pagando pela existência do Estado no passado - sintetiza o economista João Batista Soligo Soares, do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Somente em 2012, o Executivo estadual teve de desembolsar R$ 2,7 bilhões para honrar seus débitos, comprometendo 14,4% da receita líquida real. Com esse dinheiro, seria possível pavimentar 1,8 mil quilômetros de estradas ou ampliar os investimentos em áreas críticas, como saúde e educação.
A origem do rombo remonta a pelo menos 40 anos. Não há um único culpado. É resultado de uma combinação crônica e perniciosa de gastos excessivos, descontrole e apostas erradas, cujos efeitos foram potencializados por crises econômicas nacionais e internacionais.
- Durante décadas, governo após governo, a estratégia foi gerar déficits (despesas maiores do que a receita). Era relativamente fácil fazer empréstimos e não havia maior preocupação em relação a isso, porque nas horas de extremo aperto era possível contar com o socorro da União. Isso só começou a mudar em 1994, com a estabilização econômica, e em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (que impõe limite de gastos a Estados e municípios) - afirma o economista Liderau dos Santos Marques Junior, da Fundação de Economia e Estatística (FEE).