Tensa, a cúpula do PT acompanhava a apuração no segundo andar do comitê central de Maria do Rosário quando, na rua, a militância explodiu em êxtase. Eram 19h12min de 6 de outubro e o nervosismo que acompanhou os petistas desde o começo do escrutínio havia sido superado: por escassos 1.945 votos, Sebastião Melo (MDB) não liquidou a eleição no primeiro turno e Rosário teria pela frente um novo confronto com o atual prefeito.
Precisando virar a eleição após obter 26,28% dos votos ante 49,72% de Melo, Rosário imprimiu um novo ritmo à campanha. A candidata nem sequer havia discursado no comício que festejava a ida ao segundo turno e seus estrategistas já concebiam o teor das propagandas.
A ênfase aos alagamentos ocorridos durante a enchente de maio cedeu lugar às denúncias de corrupção na prefeitura. As propostas para saúde, educação e assistência social, apresentadas de forma genérica no primeiro turno, ganharam rosto e voz, com depoimentos da população.
— No primeiro turno, a gente precisava ser a melhor oposição ao Melo. No segundo, precisamos oferecer um futuro melhor — resume o marqueteiro da campanha, Halley Arrais.
Com o mesmo tempo de rádio e TV de Melo, a ideia de Arrais foi usar os cinco minutos de blocos diários para humanizar a propaganda, enquanto as 25 inserções de 30 segundos centrariam foco nas críticas. Dessa forma, Rosário surgiu como a mulher que chamava pelo nome as pessoas que sofriam na fila por atendimento de saúde, por exemplo, enquanto atores denunciavam supostas irregularidades na Secretaria de Educação (Smed), no Hospital da Restinga e no Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae).
A partir de um reforço de oito roteiristas que haviam participado de campanhas aliadas em Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG), as peças ganharam humor e ironia, seja para cobrar promessas não cumpridas por Melo ou ressaltar sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A nova estratégia pacificou o comando de campanha.
No primeiro turno, havia um incômodo em alguns setores da coligação diante da frequência quase diária com que os comerciais exibiam Rosário como professora cristã e parlamentar experiente. Concebidas para suavizar a imagem da candidata, as peças sumiram no segundo turno, por entendimento de que era preciso diminuir a preocupação com a rejeição de Rosário e focar no que o comitê considerava fragilidades de Melo. Dessa forma, ganharam tração temas de apelo popular, como a apreensão de uma Ferrari e a acusação de compra de um apartamento com dinheiro vivo no escândalo da Smed.
Acredito que conseguimos pautar a agenda da eleição, forçando Melo a responder às críticas a ponto de atacar Rosário e ter programas tirados do ar.
HALLEY ARRAIS
Marqueteiro de campanha
Para a mobilização de rua, a orientação foi aumentar a visibilidade da campanha na área central da cidade, com a multiplicação de windbanners em pontos de maior tráfego de veículos e pedestres. Nos bairros, a estratégia foi mapear os territórios com votação mais expressiva do PT nas últimas eleições, buscando atrair quem votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ex-governador Olívio Dutra e no ex-deputado Edegar Pretto em 2022. A investida foi mais incisiva nos locais onde havia diferença entre os votos obtidos por Rosário no primeiro turno e dos expoentes petistas em eleições anteriores.
Frustrada a expectativa de contar com Lula em um comício ou caminhada após o cancelamento da viagem a Porto Alegre para solenidade de reabertura do aeroporto Salgado Filho, o partido usou vídeos do presidente, do vice Geraldo Alckmin, da primeira-dama Janja da Silva e de ministros na tentativa de mostrar sintonia com o governo federal. O apoio formal do PDT, imposto pela direção nacional dos trabalhistas, também não se materializou na presença de Juliana Brizola nem de próceres do partido, embora Rosário tenha reiterado a parceria e firmado compromisso com bandeiras da terceira colocada no primeiro turno, como mais investimento em educação.
Para atrair esse eleitor de Juliana e do próprio Melo, os estrategistas do PT se debruçaram sobre as pesquisas qualitativas e os grupos focais. Um dos temas trabalhados foi o transporte público. Após perceber que certas pessoas que haviam votado no prefeito no primeiro turno eram refratárias à propaganda em que ele citava melhorias como renovação da frota e ampliação das linhas, a coordenação de campanha começou a divulgar peças georreferenciadas nas redes sociais. O objetivo era concentrar posts com as propostas de Rosário em telefones celulares localizados em pontos com grande aglomeração de pessoas perto de terminais de ônibus.
Precisando praticamente dobrar a votação, o PT também elaborou um manual para virar votos na reta final da eleição. A publicação orientava os militares e apoiadores a procurar eleitores de Juliana, mulheres da periferia e jovens desiludidos com a política, com pedido para dialogar sem agressividade mas reforçando as críticas a Melo. Nesse domingo (27), Rosário vai descobrir se o esforço imprimido nas últimas três semanas foi suficiente para elegê-la prefeita e devolver o PT ao comando de Porto Alegre após 20 anos.