Modalidade que ganhou destaque na campanha municipal de 2020, as candidaturas coletivas, embora ainda não tenham regulamentação prevista na legislação brasileira, são consideradas uma tendência em ascensão por especialistas. O formato, que se proliferou de forma significativa nos últimos pleitos, tem pelo menos oito registros no Rio Grande do Sul para as eleições 2022, conforme levantamento realizado por GZH com 16 partidos políticos.
No pleito municipal de 2020, eram ao menos 12 iniciativas no Estado, espalhadas entre a Capital e o Interior, todas vinculadas a partidos de esquerda. O tema voltou a chamar a atenção em julho deste ano, quando o PT lançou o ex-governador Olívio Dutra para a disputa do Senado, com uma proposta de mandato coletivo, ao lado de seus dois suplentes: o vereador Roberto Robaina (PSOL) e a vereadora Fátima Maria (PT).
De acordo com o levantamento de GZH, as candidaturas compartilhadas do Rio Grande do Sul para o pleito de 2022 também estão distribuídas apenas entre partidos de esquerda — além do PT, PSOL e PCdoB têm coletivos registrados. As iniciativas disputam vagas no Senado, na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa.
Doutora em Ciência Política e professora do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rosângela Schulz aponta que os mandatos coletivos não são novidade, uma vez que o primeiro registro ocorreu ainda na década de 1990. No entanto, a modalidade vem em uma crescente desde as três últimas eleições, com um marco na disputa municipal de 2020, quando, no país, foram solicitadas mais de 300 candidaturas compartilhadas.
— A novidade está na quantidade, na crescente utilização desse formato. O ano de 2020 é um marco, mostra um crescimento muito significativo. E a tendência é que se mantenha um perfil de crescimento. Claro que as eleições municipais são distintas das nacionais, mas é interessante que seja mais forte no Legislativo do que no Executivo — comenta.
Nome nas urnas
Na visão da professora Rosângela, o número de candidaturas coletivas em 2020 se refletiu na autorização do TSE, em dezembro do ano passado, para menção ao coletivo na composição do nome da candidata ou candidato nas urnas eletrônicas, em casos de candidaturas compartilhadas, respeitando o limite máximo de caracteres. No entanto, a resolução aprovada não regulamentou a prática, que envolve um acordo entre os integrantes do grupo.
Rosângela explica que a legislação brasileira exige que o registro da candidatura tenha um titular, ou seja, cada grupo deve escolher uma única pessoa como “candidato oficial”, cujo nome aparecerá para os eleitores no momento da votação e, se eleita, será quem poderá votar em projetos, falar em plenário e ser remunerada pelo cargo. As decisões, contudo, são tomadas coletivamente.
À época da autorização do TSE, o ministro Edson Fachin destacou que o registro permaneceria de caráter individual, porque não existe na legislação o conceito de candidatura coletiva. Segundo ele, este modelo representa "apenas um formato de promoção da candidatura, que permite à pessoa que se candidata destacar seu engajamento em movimento social ou em coletivo". "Esse engajamento não é um elemento apto a confundir o eleitorado, mas, sim, a esclarecer sobre o perfil da candidata ou do candidato", registrou em seu voto.
— Tem formatos diferentes de ação. Alguns são compartilhados, no caso do Olívio, são três pessoas e pode acontecer de os outros dois atuarem de fato, revezando sessões do Senado. Isso acontece em alguns casos, mas há outros que não: o titular atua o tempo todo, mas todas as decisões são compartilhadas. Não há um regramento específico, o próprio grupo que estipula como vai funcionar — afirma Rosângela.
Questionado sobre os avanços relacionados à regulamentação da modalidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou, por meio de nota, que seu sistema de registro de candidaturas não possui um campo específico para a modalidade, por isso, não é possível encontrar dados sobre o tema. “Contudo, o mandato coletivo é sim permitido, apesar de não haver previsão legal para tanto”, afirma o texto. Já o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) não soube informar o número de candidaturas coletivas registradas neste ano, pois não conta com uma “unidade de estatística”.
Perfil das candidaturas
A maioria das candidaturas coletivas é formada por mulheres e por negros, de acordo com Rosângela, fato que ressalta questões como a crise de representatividade, quando há um distanciamento entre representantes e representados, e o desgaste do modelo hegemônico. Por isso, acredita que esse aumento retrata uma tentativa de romper as desigualdades na política:
— O modelo democrático representativo que o Brasil aplica acabou criando essa individualidade e afastamento da noção do coletivo. Essas candidaturas vêm para tentar romper um pouco com essa coisa individualizada, em que o indivíduo toma a decisão sozinho. É uma forma de democratizar o espaço de poder.
Apesar do número de candidaturas ter aumentado, a quantidade de grupos eleitos ainda não é muito grande. Desta forma, a professora considera cedo para avaliar o efeito que de fato podem produzir na política ao longo tempo, mas comenta que, na prática, pode gerar interesse ainda maior pela modalidade.
— Vejo com bons olhos, porque mexe com o modelo hegemônico. E me parece que é um tema que chegou para ficar — conclui.
O que ainda precisa avançar
A Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos vinha buscando segurança jurídica para a divisão de uma cadeira legislativa em três ou mais pessoas, mas, de acordo com a integrante e doutoranda em Sociologia Luciana Lindenmeyer, essa questão não avançou, pois depende de emenda constitucional.
— O que a gente conseguiu avançar ao longo do ano passado foi a tentativa de inserção no código eleitoral. Então, no código eleitoral entrou um artigo falando de candidaturas coletivas, explicitando o que precisaria estar definido em relação a candidaturas coletivas. Isso chegou a ser aprovado na Câmara, mas não foi aprovado a tempo no Senado para essas eleições — afirma, destacando que a entidade buscou o plano B, que é a autorização para que os coletivos apareçam ao lado dos nomes dos candidatos nas urnas.
Luciana comenta que foram mais de 200 candidaturas coletivas em todo o Brasil neste ano, mas ressalta que não dá para comparar com as eleições de 2020, em razão das diferenças de amplitude das campanhas em âmbito municipal e nacional. Sendo assim, depende a comparação com o pleito de 2018, quando pouco mais de 20 candidaturas compartilhadas.
— Quando a gente faz a comparação 2016-2020 e 2018-2022, a gente vê que continua nesse patamar de crescimento de candidaturas coletivas. Então, a gente está vendo com bons olhos e esperamos que isso se reflita também em mais candidaturas eleitas — finaliza.
O pleito deste ano no RS
O grupo de Olívio Dutra, Roberto Robaina e Fátima Maria é o único que concorre de forma coletiva ao Senado. O PT tem ainda outras duas candidaturas nesta modalidade: o Coletivo Ivonete Carvalho e o Coletivo NegrAtividade, representados na urna por Ivonete Carvalho e Ìyá Sandrali, respectivamente. Ambas buscam vaga como deputada estadual.
— É um ponto essencial e comum que nós temos, é a política que nós defendemos. Portanto, a ideia de um mandato coletivo simplesmente desenvolve essa lógica — afirma Robaina.
Questionado sobre o funcionamento do mandato, caso o grupo seja eleito, o político ressalta que, no caso do Senado, diferentemente da Câmara e da Assembleia, os suplentes também são eleitos, portanto, podem e devem assumir:
— Isso é um componente do mandato coletivo. O suplente assumir e reger também a experiência e a responsabilidade da ocupação do espaço de poder no Senado é relevante e importante, mas o determinante é a participação no debate político. Envolve não simplesmente assumir eventualmente, mas sim participar e ajudar a decidir os rumos do mandato.
Já o PSOL é o partido com mais candidaturas compartilhadas neste ano e o único com grupos na disputa por vagas na Câmara. No total, são quatro: duas para deputado federal (Coletivo Negro e Coletivo Mãos Dadas) e duas para deputado estadual (Coletivo Bolsonaro Nunca Mais e Nós Coletivo).
O Coletivo Negro é formado por Márcio Chagas, Fran Rodrigues e Gilvandro Antunes. Chagas aponta que o modelo de candidatura foi pensado com o propósito de unificar as lutas - principalmente a antirracista - de três pessoas negras da Capital.
— Poderíamos ter feito cada um uma candidatura separada, mas achamos muito mais impactante e potente essa candidatura coletiva, e está dando certo - diz o político, que será o representante do grupo na urna, antes de acrescentar:
— Os outros dois serão codeputados, se eleitos, porque as decisões serão tomadas de maneira coletiva, serão passadas entre os três.
O PCdoB, por sua vez, tem somente uma candidatura coletiva, que é representada pela vereadora de Ijuí Bruna Gubiani, que já atua em um mandato compartilhado. Nessas eleições, ela disputa o cargo de deputada estadual, ao lado de outras três pessoas: Daniel Antunes da Silva, Stefani Alexandra Grutka e Ana Luiza Roehe Dalcanal, que compõem o Coletivo Tudo de Bom.
— Se somos uma comunidade e somos todos diferentes, nos compreendemos em espaços diferentes e buscamos uma sociedade que é para todos, por que não reproduzir isso dentro dos espaços institucionais, por meio de mandatos coletivos, uma vez que, em um mandato coletivo, você consegue ter mais pessoas inseridas na comunidade? São mandatos que têm uma visão mais plural, porque não passam somente pela perspectiva de uma pessoa — diz Bruna Gubiani.