Lins Roballo, Regininha e Yasmin Prestes são as primeiras vereadoras trans eleitas em suas respectivas cidades — São Borja, Rio Grande e Entre-Ijuís. Elas se somam a um grupo de pelo menos 26 pessoas que deve ampliar a diversidade nas câmaras municipais do Brasil em 2021, segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Saiba um pouco mais sobre as futuras legisladoras:
Única representante das travestis, das mulheres e dos negros na Câmara de São Borja
A “Terra dos Presidentes” terá pela primeira vez uma vereadora travesti. Cidade natal dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, do ex-governador Tarso Genro e do ex-deputado Ibsen Pinheiro — todos homens brancos e cisgênero —, São Borja elegeu no domingo (15) Lins Roballo, do PT, com 678 votos. Ela será também a única mulher e a única pessoa negra na próxima legislatura.
Lins, 37 anos, já trabalhou como assistente social e é uma das fundadoras de um movimento LGBT+ chamado Girassol. Ela e os colegas criaram um plano de legislatura fundamentado em cinco eixos: mulheres, igualdade social, trabalhadores, diversidade e periferia.
— Minha candidatura fala sobre a importância de a gente se sentir representado, de se olhar e se encontrar em lugares de tomada de decisão. Este corpo travesti que vai ocupar a vaga no Legislativo é só a materialidade de anseios coletivos.
Uma de suas prioridades será a ampliação do acesso à saúde para a comunidade LGBT+. Ela também quer lutar para fortalecer a rede de proteção a mulheres em São Borja: defende a reativação do Conselho Municipal da Mulher e pretende viabilizar uma patrulha Maria da Penha.
Lins considera sua eleição é um “passo imenso” em questão de diversidade e representatividade na Câmara. Mas lamenta que o quadro no município da Região das Missões, hoje, é negativo: fazia algum tempo que São Borja não elegia nenhum vereador negro, e as duas vagas que preenchidas por mulheres na legislatura vigente foram reduzidas a apenas uma. A Câmara tem 15 vagas.
— A política aqui é pautada por uma referência de masculinidade, a gente está falando da “Terra dos Presidentes”. Mas eu sou uma pessoa de luta. Não se entra em um campo de batalha sem saber que a gente precisa ter muita força, que às vezes a gente vai sair ferido, mas não pode desistir — diz a petista. — Eu estou pronta para defender nossas pautas coletivas.
A vitória de Regininha e seu projeto em favor da educação
Regininha não será uma novata entre os vereadores Rio Grande: como suplente, assumiu uma cadeira em fevereiro de 2018. Mas, no domingo, entrou para a história da cidade ao conquistar 930 votos e a vaga de titular, pelo PT.
Desde então, Maria Regina da Conceição Moraes, 41 anos, tem dedicado boa parte do tempo para responder as parabenizações e tentar controlar a emoção.
— Nossa, menina, acho que não tenho nem mais lágrimas para chorar — conta. —Eu lembro quando tinha uns 12 anos e disse a um amigo que queria ser vereador (vereador porque eu estava no corpo de menino, ainda). Hoje eu sou a primeira mulher trans eleita em Rio Grande, na Câmara mais antiga do Estado.
Regininha viveu uma história difícil. Filha de pai pescador e mãe lavadeira, cresceu junto com oito irmãos em uma casa pobre da área rural do município. Por ser diferente, apanhava na escola, e não lembra de se sentir acolhida por professor nenhum. Acabou se prostituindo, dos 17 aos 30 anos.
— Vivenciei a sexualidade no início dos anos 1990, que era muito diferente para a nossa população. Não existia o termo transexual, falava-se muito sobre travesti, que era sinônimo de marginalidade. Por conta desse estigma que a sociedade coloca sobre nossos corpos, tu vai sendo jogada às margens — relata.
Aos 29 anos, entrou para uma associação LGBT+ da cidade e descobriu a política. Conheceu outras transexuais e ativistas do Brasil inteiro, se inspirou e voltou a estudar: fez EJA e decidiu cursar Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Passou no Enem no mesmo dia em que assumiu como suplente na Câmara. No Legislativo, o tema que mais defende é a educação.
— Não quero que os jovens precisem passar pelo que eu passei.
Regininha se coloca à disposição das mulheres para a construção de uma pauta em conjunto — com ela, são apenas três vereadoras eleitas para 21 vagas. Ela destaca que não teme sofrer preconceito nos corredores da Câmara.
— Não tenho medo: já enfrentei as piores situações que o ser humano pode enfrentar, tive que lidar com machismo e transfobia. Acredito que a minha jornada será desconstruir os espaços cis hétero normativos e começar a abrir as portas para as próximas gerações.
Eleita na primeira tentativa
Uma das nove vagas da Câmara de Entre-Ijuís será ocupada em 2021 por Yasmin Prestes, 38 anos. E a vitória já saiu na primeira candidatura. Nascida e criada no município de 9 mil habitantes da Região das Missões, Yasmin garante que todo mundo conhece ela por ali.
A transexual é líder comunitária do bairro Ribas, voluntária na causa animal e tem anos de trabalho na Pastoral da Criança. Também é coordenadora do projeto social Solidários Em Ação e Brechó Solidários. Perdeu a conta de quantas vezes seus conterrâneos sugeriram que se candidatasse, até aceitar o convite do MDB.
Ela conta que não pensou em posicionamento político ao se filiar ao partido.
— Minha finada avó era do MDB. Fui bem acolhida, bem recebida no partido — conta a vereadora eleita.
Yasmin ressalta que fez sua campanha toda a pé, andando pelos quatro cantos da cidade. Pretende manter esse diálogo com as famílias para cobrar, no Legislativo, aquilo que elas mais precisam. Também quer buscar recursos federais e estaduais para saúde, educação e obras.
— Estou muito realizada. Foram anos de luta, e agora chegou minha vez.