A onda de insatisfação com o sistema político parecia ter criado o ambiente ideal para que as eleições de 2018 fossem marcadas pelo crescimento do voto branco e nulo, mas a abertura das urnas, no dia 7, desmentiu essa previsão. Na disputa à Presidência, os eleitores que se recusaram a escolher qualquer um dos candidatos somaram 8,79% — menos do que em 2014.
No Estado, houve elevação de quase um ponto percentual dos brancos e nulos para governador, que chegaram a 12,65%, mas um olhar retrospectivo sugere que não se trata de um fenômeno pontual, mas da confirmação de uma tendência: faz mais de uma década que a proporção de gaúchos que prefere não votar em ninguém para o Piratini avança a cada eleição.
No cômputo geral, o desencanto e mesmo a indignação com a política não se traduziram em uma enxurrada de votos invalidados.
— O nível de insatisfação levou muita gente a traçar a hipótese de que teríamos um volume recorde de brancos e nulos. Não aconteceu. Por mais que o eleitor não gostasse das opções, e não gostava mesmo, preferiu votar para evitar o mal maior — avalia o cientista político Leonardo Barreto, sócio proprietário da Factual Informações e Análise.
Ainda assim, foi expressiva a quantidade de gente que se deu ao trabalho de ir a um local de votação e, no final, diante de 13 opções, não escolheu nenhum candidato a presidente. Na soma, são mais de 10 milhões de brasileiros. Por que fizeram isso? Que mensagem pretenderam passar? Uma primeira dificuldade diante dessas questões diz respeito a identificar qual a diferença entre o branco e o nulo.
Esses conceitos remetem ao tempo em que se votava numa cédula de papel, e a distinção era mais simples. O voto em branco era o daquele eleitor que pegava a cédula e a depositava direto na urna, intacta — o que se interpretava como indiferença. O nulo, por sua vez, era o voto da atrapalhação ou da avacalhação. Na primeira hipótese, a pessoa se embananava com a cédula, preenchia errado, e o voto acabava anulado. Na segunda, o eleitor levava a cédula até a cabine e dedicava-se a riscá-la, a rabiscá-la com palavrões e a votar em quem não era candidato. Essa intervenção era entendida como protesto.
A urna eletrônica, universalizada nas eleições presidenciais em 2002, tornou esses cenários obsoletos, fez despencarem os votos inválidos e dificultou a compreensão da diferença entre branco e nulo.
— Não há uma pesquisa que identifique o que, na cabeça do eleitor, leva a essa distinção. Nós, que investigamos comportamento eleitoral, é que tentamos atribuir algum significado, vendo o branco como uma espécie de não-posicionamento e o nulo como uma forma de crítica — afirma o cientista político Paulo Peres, da UFRGS.
Perfil do eleitor
Um das raras investigações sobre o tema é a tese de doutorado do cientista político Rafael da Silva, professor da Universidade Estadual de Maringá. Ele debruçou-se sobre os dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) de 2010, uma pesquisa pós-eleitoral, e percebeu que a opção de não optar estava associada a pessoas pouco envolvidas com política, sem confiança nas instituições e com escolaridade e renda baixas.
— Existe uma modalidade de explicação que é a do erro na hora de votar, que é plausível. Outra dimensão é a do eleitor descrente com as instituições democráticas, que não detém muitos recursos individuais de escolaridade e renda e que tem dificuldade de se engajar em outras modalidades de protesto. Então ele opta por nulo e branco para manifestar essa insatisfação — afirma o pesquisador.
Se os votos invalidados estão relacionados com a descrença nas instituições e essa descrença está em alta, reconhece Silva, seria de esperar mais brancos e nulos nesta eleição. Por que isso não aconteceu? O cientista político acredita que isso tenha relação com o caráter excepcional deste pleito. Ele observa que muitos dos candidatos mais bem-sucedidos encamparam um discurso próximo daquele externado pelo eleitor propenso a anular o voto:
— O grande baluarte disso é Jair Bolsonaro, mas atrelado a ele há um grande movimento de candidatos que dizem ser contra a política, que afirmam não fazer parte do jogo e que se colocam contra tudo que esta aí. Com esse discurso, conseguem captar o voto que seria nulo ou branco.
Na eleição para o governo do Estado, não havia um candidato que encarnasse claramente essa ideia, e o que se viu nas urnas foi que mais de 860 mil gaúchos invalidaram seu voto para governador, mas só 460 mil invalidaram o voto para presidente. A razão para que aumente a cada eleição a proporção de quem vota branco e nulo para o Piratini não está clara. Uma hipótese é que, depois de tentar de tudo, o gaúcho perdeu a esperança. Ele já elegeu governadores de variados campo políticos, mas o Estado não saiu da crise.
— Há uma decepção, porque vieram governadores de diferentes partidos e nenhum resolveu. O pessoal está desanimado, achando que o Estado não tem jeito. Começam a acreditar que a saída vai vir do âmbito federal — diz a cientista política Mercedes Cánepa.
Sem influência no resultado
- Existem alguns mitos associados aos votos brancos e nulos, como a ideia de que os brancos são direcionados ao candidato que lidera a votação e que uma maioria de nulos levaria à invalidação do pleito. Nada disso é verdade.
- A verdade é que o eleitor que opta por ir à urna e não escolher um candidato está descartando e desperdiçando o seu voto. O resultado final leva em conta apenas os votos válidos — e brancos e nulos são considerados inválidos e ficam de fora da contabilidade.
- O efeito que eles têm em um segundo turno é — já que contribuem para uma menor quantidade de válidos — reduzir o número de votos que um candidato precisa para ultrapassar a marca de 50% e se eleger.