Balanço do aparato governamental criado para detectar indícios de doações eleitorais fraudulentas mostra que 15% das suspeitas apontadas em 2016 confirmaram algum tipo de irregularidade no Estado. De 9,7 mil pistas armazenadas no Sistema de Investigação de Contas Eleitorais (Sisconta), que disponibiliza ao Ministério Público (MP) e à Justiça Eleitoral cruzamentos de informações realizados pelo Tribunal de Contas da União, 2,2 mil resultaram em abertura de investigações formais pelo MP (uma em cada quatro). Dessas, 1.597 viraram denúncia ou processo. As outras 687 foram arquivadas.
As suspeitas mais frequentes (leia abaixo) são de doadores beneficiários de programas sociais do governo (que não teriam aporte financeiro para tanto), de contribuintes mortos e de empresas com grande concentração de doadores no quadro de funcionários – o desafio é descobrir se, na realidade, empresários estão disfarçando remessas de dinheiro a candidatos e colocando os repasses em nome de seus empregados.
Na dúvida, inconsistências no informe do doador são remetidas à análise por parte das secretarias de controle interno dos Tribunais Regionais Eleitorais, a linha de frente na fiscalização. No último pleito, o Sisconta foi alimentado, no país, com 140.591 suspeitas sobre doações. Dessas, 9.790 se referiam ao Rio Grande do Sul – o Estado só perde para Minas Gerais (23.244), São Paulo (17.450) e Bahia (10.384).
Apesar do grande número de controvérsias preliminares, a análise posterior feita pelos promotores descobre que a grande maioria carece de consistência.
– O Sisconta alertou que pessoas ganhando salário mínimo estavam doando valores expressivos, mas não refinou a busca. É basicamente cruzamento de dados brutos entre instituições, não distingue, por exemplo, doação em recursos financeiros e doação estimável em dinheiro (cedência do uso de um veículo, por exemplo). Olhados no detalhe, muitos repasses se revelam legais e legítimos – explica o coordenador do Gabinete Eleitoral do MP, promotor Rodrigo Zílio.
Em São José do Norte, por exemplo, foram 70 pistas no sistema na última eleição. De 22 doadores sem vínculo empregatício, todos eram profissionais liberais (advogados, na maioria) que tinham condições de doar. Em um caso de concentração de doadores trabalhando em uma mesma empresa, o cartório eleitoral descobriu que eram funcionários da prefeitura. Para os indivíduos, contudo, não havia impedimento legal às doações. Até o momento, ninguém na cidade foi condenado com base no Sisconta.
Outra questão é que a punição é simbólica. Os infratores sofrem apenas sanção administrativa, já que fazer contribuição financeira irregular para algum candidato não é crime. Quem comete esses delitos é punido com multa (de 100% da quantia repassada) e o candidato beneficiado pode responder por abuso de poder econômico.
Na última eleição, em 2016, houve
- 9.790 suspeitas no Sisconta
- 2.284 aberturas de investigação
- 1.597 viraram denúncias e processos
- 687 foram arquivadas
Fontes: Ministério Público e Tribunal Regional Eleitoral (TRE)
Alvos principais são doadores com nome no Bolsa Família ou desempregados
O Tribunal de Contas da União (TCU) fez balanço parcial das 140,5 mil suspeitas de irregularidades incluídas no Sisconta nas eleições de 2016.
O cruzamento de cadastros dos ministérios governamentais e da Receita Federal identificou 37.888 doadores inscritos no Bolsa Família, 55.670 desempregados (muitos se enquadram nas duas situações) e 24.646 cuja renda conhecida parecia incompatível com o valor doado.
Houve ainda 43.382 casos de concentração de doadores em uma mesma empresa e 14.510 sócios de organizações que recebem recursos da administração pública. Além disso, 250 mortos aparecem como doadores. Ao avaliar as pistas, promotores e servidores da Justiça Eleitoral encontraram inconsistência na maioria. Por exemplo: em várias situações, as mortes verificadas haviam ocorrido após o eleitor fazer a doação – portanto, não havia qualquer irregularidade.
Ainda assim, pelos menos 1,5 mil das 9,7 mil suspeitas que alimentaram o Sisconta no Estado em 2016 revelaram alguma consistência. Aconteceu, por exemplo, em Sapucaia do Sul, onde foram punidos um candidato a prefeito e seu vice (obrigados a devolver R$ 41 mil), dois vereadores eleitos (um multado em R$ 6 mil e o outro em R$ 220), dois suplentes de vereador (com multas de R$ 901 e R$ 4,5 mil) e dois não eleitos (um multado em R$ 535 e outro em R$ 220). Todos foram penalizados porque aceitaram doações irregulares.
Como funciona o Sisconta
- Dados de doações de campanha registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são cruzados com informações de Receita Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF), Ministérios Públicos estaduais, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda. Os dados são organizados pelo TCU.
- Toda vez que uma doação chama atenção, a suspeita é remetida para o Sistema de Investigação de Contas Eleitorais (Sisconta), utilizado pelo Ministério Público.
- Os promotores conferem no detalhe cada uma das suspeitas, descartam as inconsistentes e avaliam nas demais a possibilidade de abertura de investigação formal, que pode resultar em denúncia e punição aos envolvidos.