Diante de pesquisas desfavoráveis e dos embates inflamados e infrutíferos das redes sociais, pequenos grupos de apoiadores de Fernando Haddad (PT) estão indo para ruas e praças com um convite simples: “Se você vai votar nulo, vamos conversar?”
A proposta de diálogo é uma tentativa de reverter, na reta final do segundo turno, votos nulos e conquistar indecisos. A ideia está se espalhando por cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Para romper a “bolha” ideológica, os grupos buscam travar conversas olho no olho, livres de paixões e baseadas em informações de fontes confiáveis que mostrem, por um lado, o que consideram posturas reprováveis do adversário, Jair Bolsonaro (PSL) e, por outro, bons projetos do petista.
No Rio, a jornalista Maria Eduarda Mattar, 38 anos, deu o ponto de partida no Largo do Machado, na zona sul da capital, no feriado do dia 12. Com quatro amigos,
levou placa que oferecia escuta atenta a quem planeja anular o voto. Chegando lá, encontrou um casal que fazia o mesmo, e exibia um cartaz com os dizeres: “Em dúvida sobre o segundo turno?” Durante uma hora e meia, Maria Eduarda e os amigos mostraram vídeos e tiraram dúvidas sobre falas de Bolsonaro referindo-se pejorativamente a negros e pessoas LGBT.
– Estava cansada de ver o discurso belicoso crescer nas redes. Falar olho no olho e usar bons argumentos é algo que faz muita diferença. Fiquei muito tempo com cada um e acho que convenci três pessoas – contou a jornalista, que atua em projetos sociais.
Maria Eduarda compartilhou sua experiência no Facebook e viu a iniciativa se disseminar.
No Rio, também houve conversas no Largo da Carioca, no Centro.
– Dá para virar. Se cada um de nós que votou contra o Bolsonaro conseguir virar um voto, a gente dobra o número. Sigo nessa esperança. Meu lado é o da democracia – disse a jornalista Daniela Muzi, 38 anos, do mesmo grupo, durante ação na semana passada.
Em Porto Alegre, a doutoranda em Psicologia Social da UFRGS Helen Barbosa dos Santos, 37 anos, aderiu à iniciativa.
– Eu e duas amigas fizemos cartazes e fomos ao parque Marinha do Brasil. Mas não ficamos muito tempo por certo temor de represálias – explicou Helen.
Conforme a psicóloga, outra estratégia tem sido a doação de livros nos quais são encartados recados sobre a importância da democracia, ação prevista para ontem em um café no bairro Bom Fim.
Alto grau de abstenção no primeiro turno é incentivo
Também na capital gaúcha, um grupo de 12 amigos, mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFRGS, levou para a Praça da Alfândega cartazes com os dizeres “Eleições 2018. Em dúvida? Vamos conversar?” e “Voto dividido? Dialoga comigo!”.
Em Belo Horizonte, a arquiteta Ana Cosentino, 32 anos, e amigos estiveram numa feira de artesanato com o mesmo objetivo:
– As pessoas querem ser ouvidas. A maioria se informa no WhatsApp. Focamos no risco que Bolsonaro traz, a possibilidade de perda de direitos.
Os grupos se sentem motivados pelo fato de a abstenção no primeiro turno ter sido recorde – quase 30 milhões de pessoas no país (20,3% do eleitorado), o maior índice desde 1998 – e de os votos nulos e brancos terem somado 8,79%. De outro lado, os resultados das pesquisas eleitorais, que mostram manutenção da vantagem de Bolsonaro, não os tiram das ruas, disse o pedagogo Rodrigo Vinco, 30 anos, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Ele está na organização de um conjunto de 50 pessoas que ocupou o calçadão comercial da cidade com a mesma abordagem.
– A grande maioria é de professores. Usamos a paciência que temos no dia a dia com alunos. Muita gente deixou de ir votar no primeiro turno. Temos de mostrar que os mandatos do Bolsonaro como deputado não representam as mudanças que ele promete, e expor as realizações do Haddad como prefeito de São Paulo. Esse movimento é totalmente espontâneo e é contra a epidemia de fake news – esclareceu Vinco.
No Instagram, o perfil “Vira Voto”, com mais de 250 mil seguidores, reúne histórias bem-sucedidas de votos novos a Haddad, em banquinhas que chamam para a conversa acompanhada de fatias de bolo e brigadeiro, em conversas em botecos, em corridas de Uber e até em ligações com atendentes de operadoras de telefonia.