Em sua primeira demonstração pública de descontentamento com a então presidente Dilma Rousseff, em 2015, Michel Temer (MDB) reclamou de ser tratado como “vice decorativo”. Três anos depois, no comando do país e a quatro meses do fim de seu mandato, o objetivo é superar as crises que acompanham seu governo e o levaram a situação inglória: passou de vice a presidente decorativo.
O clima de “café frio” é percebido por quem acompanha a rotina do Palácio do Planalto. Antigo porto seguro de aliados, o local passou a ser evitado até mesmo por velhos amigos e escudeiros que, em meio à campanha, não querem correr o risco de desgaste eleitoral pela aproximação com o emedebista. Entre os candidatos a sucedê-lo, o afastamento é ainda mais evidente.
A agenda, antes dominada por eventos externos e encontros com representantes de diversos setores privados, mudou de foco e passou a priorizar a equipe interna. Em reunião com ministros, o presidente vem pedindo empenho em ações que possam ser desenvolvidas até o fim de seu mandato. O objetivo é criar ambiente positivo e, para isso, nem mesmo propagandas na TV explicando as reformas aprovadas estão descartadas.
— Ele tem noção (da impopularidade), mas não quer deixar o governo com popularidade em baixa, porque acha que fez o certo (no mandato)— disse um dos principais aliados do presidente no Congresso.
Muitas das iniciativas que Temer gostaria de tirar do papel esbarram em entraves burocráticos. O tempo inviabiliza o andamento do programa de concessões rodoviárias e leilões de novos aeroportos, por exemplo. Questões como a inclusão do Brasil no Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou acordos com países asiáticos enfrentam resistências externas.
Apesar da esperança em avançar em alguns dos temas, o próprio presidente indicou desânimo em junho, ao assinar decretos que mudaram regras no setor de mineração. No evento, disse que o ato era “quase um fecho” das grandes reformas de seu governo.
No início de 2018, Temer chegou a sonhar com a possibilidade de permanecer no comando do país por mais quatro anos, apesar do insucesso em obter votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. O plano poderia se tornar viável caso a intervenção federal no Rio de Janeiro apresentasse números vistosos ou se ele conseguisse aglutinar os partidos do centrão (PP, DEM, PR, PRB e SD). Não alcançou nenhuma das aspirações.
— Ele (Temer) tem ideia do desgaste. Se não tivesse, seria o concorrente do MDB na eleição – comenta um ex-ministro com trânsito no Planalto.
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, acabou aceitando ser o “candidato do governo”, embora sem deixar isso claro na campanha. Na propaganda eleitoral, escanteia o colega de partido e prefere apresentar vídeos em que é elogiado pelo ex-presidente Lula (PT), que está preso desde abril na carceragem da Polícia Federal (PF), em Curitiba.
Enquanto o correligionário evita ligar seu nome ao de Temer, os demais concorrentes ao Planalto do mesmo campo político enfatizam o distanciamento. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente insinuou que Geraldo Alckmin (PSDB) seria candidato afinado com seu governo, associação que o tucano tratou de rechaçar com veemência. No final da noite desta quarta-feira (5), Temer publicou um vídeo com duras críticas a Alckmin, pedindo para que ele "fale a verdade" sobre o seu governo, já que a base de sustentação da candidatura do tucano é a mesma do atual mandato.
Em junho, Temer viu sua reprovação chegar a 82% dos brasileiros em levantamento realizado pelo Datafolha, mancha em sua biografia que parece irremovível no pouco tempo que lhe resta no poder. O isolamento crescente do presidente licenciado do MDB e três vezes presidente da Câmara indica que, até o fim de dezembro, o país seguirá, cada vez mais, no piloto automático.
Da ascensão à derrocada
1º ato – Chegada ao poder
Michel Temer assumiu como presidente interino em maio de 2016. Em cerimônia no Palácio do Planalto, discursou cercado de aliados por quase meia hora. Prometeu “governo de salvação nacional”.
Na interlocução do Planalto com o Congresso desde 2015, aproveitou a proximidade com parlamentares para montar o que viria a ser sua base. Assim, abriu caminho para aprovar a reforma trabalhista e o teto de gastos. O sucesso nas empreitadas deu ânimo para tentar emplacar o projeto mais controverso: a reforma da Previdência.
2º ato – Duas denúncias no STF
O entusiasmo começou a desmoronar em maio de 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a divulgação da conversa com o empresário Joesley Batista, em que o presidente supostamente concordava com a compra do silêncio do deputado cassado, condenado e preso pela Lava-Jato Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Em seguida, a primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, chegava à Câmara. O congelamento da apuração foi obtido com nomeações em órgãos do governo e liberação de emendas parlamentares. A segunda denúncia, por organização criminosa e obstrução da Justiça, também foi suspensa, mas com apoio menor no Congresso. Temendo desgaste, a um ano das eleições, antigos aliados começaram a se afastar do Planalto.
3º ato - café frio
Apesar do desgaste, Temer chegou a acreditar que poderia aprovar a reforma da Previdência. Estava enganado. Com o insucesso em seu projeto principal, mudou de foco. Diante do caos na segurança no Rio de Janeiro, decretou intervenção federal,mas o retorno político não foi o esperado. A falta de resultados e a execução da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes – crime ainda sem solução –, levaram a críticas à atuação militar no Rio. A inabilidade em prever a dimensão da greve dos caminhoneiros, em maio, gerou forte abalo no governo.
-Iniciado o período eleitoral, com candidatos evitando ligações com o Planalto, Temer chegou ao grau de isolamento que deixa a Presidência praticamente à deriva até o fim de dezembro.