Tradicional esconderijo de dinheiro no sul do mundo, o Uruguai não escapava até o fim da primeira década do século 21 a nenhuma lista dos chamados paraísos fiscais. Hoje, no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), aparecem Santa Lucia, Trinidad e Tobago, Bahrein, Guam, Ilhas Marshall, Palau, Samoa, Samoa Americana e Namíbia. Nossos vizinhos, embora ainda acompanhados com lupa pelos europeus, estão fora.
Também na gestão pública, o Uruguai faz bonito. É o único país latino-americano entre os 25 menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional. Ocupa a 23º posição, empatado com a França. O Brasil, mesmo quatro anos depois do início da Operação Lava-Jato, está em 96º.
– O caso do Uruguai é um paradigma na região. Além dos mecanismos e das instituições tradicionais de controle semelhantes às do Brasil, a grande diferença lá é a Junta de Transparencia y Ética Pública (Jutep) – explica Aragon Dasso Jr, professor de Administração Pública e líder do Grupo de Pesquisa em Estado, Democracia e Administração Pública da UFRGS.
Com foco específico em prevenção e combate à corrupção, a chamada Jutep auxilia os órgãos de controle com dados sobre gastos públicos e fiscalizando gestores. Foi criada em 1998, com três membros designados pelo Executivo, com aprovação do Senado e dedicação exclusiva. Um dos casos mais emblemáticos de sua intervenção foi o do ex-vice-presidente Raúl Sendic, da Frente Ampla, que renunciou no ano passado após investigações sobre o uso de cartões de crédito corporativos oficiais e um título acadêmico que não tinha. O relatório da Jutep foi determinante para a renúncia.
– Devemos atender às reclamações dos cidadãos e entender de vez que a luta contra a corrupção é a luta por um país que queremos construir – afirmou a ZH Ricardo Gil, diretor da Jutep.
Foi um dos maiores escândalos recentes da história uruguaia. Quando vieram à tona as denúncias, o ex-presidente José Mujica comparou o caso à Lava-Jato.
– Enquanto, no Brasil, aparecem malas de dinheiro, estamos discutindo cuecas – declarou.
Gil explica que o Uruguai reconhece a corrupção como um dos principais riscos à democracia:
– Essa luta significa que não haja impunidade, mas também exige o fortalecimento de valores. Uma sociedade forte em valores limita a ação dos corruptos tanto no setor público quanto privado.
Além da Jutep, a receita uruguaia para prevenir crimes de colarinho branco passa pelo Programa Gobierno Aberto, que tem o objetivo de promover transparência, garantindo acesso aos dados de governo. Um dos projetos chama-se Queremos Saber, por meio do qual crianças e adolescentes são encorajados a encaminhar perguntas sobre gastos públicos às administrações municipais, regionais e nacional. Outra iniciativa é o Observatório de Compras Públicas, que presta ao cidadão informações sobre todos os contratos da gestão – convênios, compras e licitações. O conhecimento pela população de como o dinheiro público é gasto é o primeiro passo para barrar a corrupção, na opinião de Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil.
– Para o Estado ser transparente, precisa, primeiro, se conhecer, ter as informações sobre o que está acontecendo. Um dos principais problemas do Brasil é a falta de organização, de gestão básica sobre como é utilizado o dinheiro. Você tem recursos destinados a programas, projetos, investimentos das estatais, e a gente não sabe se aquilo é caro ou barato, como o dinheiro está sendo utilizado, se o projeto está dando resultado esperado ou não. Se você não sabe coisas básicas de uma administração pública, fica muito mais difícil para a sociedade e para organizações de controle monitorar – pondera.
Especialistas, no entanto, salientam que o arcabouço normativo e institucional não são suficientes sem cidadania ativa.
– É necessário lembrar os índices altos de desenvolvimento humano que o Uruguai tem, pois colaboram para cidadania mais ativa, o que interfere no controle social sobre a transparência na administração pública e potencializa mais participação efetiva da sociedade civil – explica Aragon.
No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado na sexta-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Uruguai ficou na 55ª posição – o Brasil aparece em 79ª entre 189 países. A cientista política Céli Pinto, professora do Departamento de História da UFRGS, também relaciona altos índices sociais à baixa corrupção:
– A corrupção menor é perceptível onde a democracia tem alto nível, a distribuição de renda é muito igualitária e o poder é muito distribuído. A sociedade tem muito poder, e a diferença entre o salário do ministro e do lixeiro não é o dobro.
Os 10 menos corruptos em 2017
Quanto mais alta a pontuação, melhor a percepção de integridade no setor público.
1 – Nova Zelândia 89
2 – Dinamarca 88
3 – Finlândia 85
3 – Noruega 85
3 – Suíça 85
6 – Cingapura 84
8 – Canadá 82
8 – Holanda 82
8 – Reino Unido 82
12 – Alemanha 81
Os 10 mais corruptos em 2017
180 – Somália 9
179 – Sudão do Sul 12
178 – Síria 14
177 – Afeganistão 15
175 – Iêmen 16
175 – Sudão 16
171 – Líbia 17
171 – Guiné-Bissau 17
171 – Guiné Equatorial 17
171 – Coreia do Norte 17
Fonte: Transparência Internacional
O Uruguai
Capital – Montevidéu
Área – 176,2 mil km²
População – 3,4 milhões de habitantes
PIB – US$ 56,1 bilhões (2017)
Dados
O Uruguai é o único país latino-americano entre os 25 menos corruptos do mundo no ranking da Transparência Internacional. Está em 23º com 70 pontos, empatado com a França e à frente, por exemplo, de nações como Portugal, Espanha e Coreia do Sul. O Brasil ocupa a 96ª posição, tem nota 37, empatado com Colômbia, Indonésia, Panamá, Peru, Tailândia e Zâmbia.
As chaves para o sucesso
- O Uruguai criou em 1998 a Junta de Transparencia y Ética Pública (Jutep) com objetivo de prevenir e combater a corrupção. É formada por três membros designados pelo Poder Executivo, com aprovação do Senado e dedicação exclusiva. O objetivo é implementar políticas públicas e ações de transparência da gestão do Estado e assessorar Ministério Público e Tribunal de Contas em casos de corrupção.
- Implantação de mecanismos de controle, como instituições tradicionais semelhantes às do Brasil (Tribunais de Contas, controladorias, Poder Judiciário e auditorias).
- Criação de legislação de acesso à informação.
- Discurso de incentivo à transparência na administração pública.
- Programa Gobierno Aberto tem objetivo de promover transparência, prestação de contas públicas, participação dos cidadãos e inovação tecnológica para facilitar o acesso aos dados. Um dos projetos chama-se Queremos Saber, pelo qual crianças e adolescentes encaminham perguntas sobre as gestões municipais, regionais e nacionais.
- Implantação de um “observatório de compras públicas”, que presta ao cidadão informações sobre todos os contratos da gestão pública – convênios, compras e licitações, por exemplo.
“Não acontece esse nível de escândalo que há no Brasil”, diz brasileira
Regiane Martins Folter, 26 anos, é natural de São Paulo. Ela mora há quatro anos e meio em Montevidéu, onde trabalha como analista de marketing.
“Sinto em geral menos corrupção do que no Brasil. Tenho a sensação de que tudo o que acontece aqui é em menor escala: a quantidade de habitantes, oportunidades, tudo é menor. O mesmo acontece com corrupção. Você vê menos, fica sabendo de menos casos. Não é que não aconteça. Tenho amigos uruguaios que são muito mais críticos do que a gente, que é estrangeiro e que acaba tendo um olhar de fora. Eles falam e sentem isso que a gente sente no Brasil, de que não existe político bom, existe o menos pior. Mas, aqui, não acontece esse nível de escândalo que temos no Brasil, processos e políticos acusados.”