Imagine uma minicidade, com supermercado, cinema, restaurantes, salão de beleza. De vez em quando, na praça, há concertos de piano para os moradores, todos com mais de 70 anos e com demência severa —Parkinson, Alzheimer e outras. Mas eles não estão casas pequenas, convivendo com estranhos, dividindo o quarto ou a sala de TV. Em Hogeweyk, uma vila considerada modelo na Holanda, cada idoso pode ter sua própria casa, no estilo escolhido pela família: luxo, musical, urbano, familiar.
Se quiser cozinhar, como fazia antes de a doença se manifestar, pode. Com o auxílio de uma cuidadora. Se desejar ir ao supermercado, basta sair pela porta sempre aberta, caminhar algumas quadras e escolher o que preferir nas prateleiras. No caixa, a funcionária do estabelecimento também é uma cuidadora. Mas não veste jaleco branco. Não raras vezes, algum cliente entra, pega 20 maçãs ou 30 latas de refrigerante e as leva para casa. Não há problemas. Um funcionário especializado se encarrega, depois, de ir até a residência para buscar o excedente.
Localizada na cidade de Weesp, a 30 minutos de carro de Amsterdã, a chamada "Vila da Demência" de Hogeweyk é o exemplo mais conhecido de um ambiente de liberdade controlada que a Holanda já criou. São 23 residências com 150 moradores monitorados 24 horas. Dentro da comunidade, com ruas, praças, eles podem caminhar como se estivessem em uma cidade normal, mas cercados, à distância, de cuidados.
Embora o projeto seja do governo, a manutenção é privada. O custo do aluguel e serviços como energia elétrica são fixos: 508 euros (R$ 2,4 mil). A partir daí, a família pode escolher atendimento básico, conforto ou luxo, que varia entre 357 (R$ 1,7 mil) e 725 euros (R$ 3,4 mil). Um pacote básico, somado aluguel e taxas custa 866 euros (R$ 4,1 mil). Como na Holanda não há sistema público para saúde —o modelo é semiprivado _, a família costuma contratar o serviço e o governo completa os custos.
A instalação foi criada em 2009 com investimento total de 1,5 milhão de euros (R$ 7,2 milhões), com financiamento de patrocinadores. A ideia é dar autonomia e liberdade às pessoas, mesmo que elas não tenham juízo adequado ou percepção de sua própria segurança.
Locais específicos para idosos
Há outros tipos de residências na Holanda, com menor ou maior grau de autonomia para idosos. Um modelo bem comum é uma clínica dividida em departamentos. Os internos são separados de acordo com as dificuldades: o grupo com menor restrição de movimentos fica em determinada área, aqueles que não podem caminhar em outra. Há ainda zonas isoladas para quem sofre de demência. A holandesa Karen Aarts, 31 anos, trabalhou em uma dessas casas na adolescência.
—Comecei fazendo coisas simples, preparava sanduíche. Depois, com mais experiência, passei a ajudar a dar banho e a auxiliar no departamento onde ficavam os idosos com Alzheimer —conta ela, por telefone, de Amsterdã, onde hoje trabalha em projetos de políticas públicas.
O envolvimento com os idosos despertou em Karen o interesse em comparar o sistema holandês com o brasileiro no atendimento a esse público. Ela morou três anos em Porto Alegre, onde fez mestrado em estudos organizacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
—No Brasil, em geral, a família cuida do idoso. Residências especiais são muito caras ou o idoso vai para um asilo público —compara.
Hogeweyk e as outras residências são a ponta mais visível de um sistema que mantém a Holanda, há sete anos, no topo do ranking da saúde na Europa, segundo o Euro Health Consumer Index que avalia os modelos em 35 países europeus.
—A população está envelhecendo, houve uma aumento da expectativa de vida e isso está gerando um problema no sistema de seguridade social em todo o mundo: a equação entre o quanto contribuo e o quanto usufruo. Temos hoje famílias menores, algumas sem filhos. Quem vai cuidar do idoso? —questiona o médico Ronaldo Bordin, especialista em gestão em saúde da Escola de Administração da UFRGS.
Segundo o IBGE, a pessoas com mais de 60 anos representam hoje 13% da população brasileira. Esse percentual deve chegar a 33,7% em 2060. Ao mesmo tempo, a taxa de natalidade vem diminuindo.
Na Holanda, o cidadão paga em média o equivalente a R$ 472,8 mensais por um plano de saúde, ajustado de acordo com o salário. Quem ganha menos, inclusive idosos aposentados, pode ter até 90% da quantia subsidiada pelo governo. Hoje, a Holanda gasta cerca de R$ 21,5 mil anuais por pessoa em saúde.
Nos anos 1980, o sistema era caro e com qualidade questionável. A receita de sucesso se explica a partir de uma reforma que privilegiou parcerias público-privadas. A responsabilidade pelos programas de saúde foi transferida para as seguradoras, com supervisão do governo. Conforme a diretora do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação do Consulado Geral do Reino dos Países Baixos em São Paulo, Petra Smits, a preocupação é garantir o envelhecimento saudável e ativo, com investimento na prevenção. Os pilares dessa política estão no documento "Dignidade e Orgulho, o cuidado carinhoso para nossos idosos", que estabelece como objetivos estimular a qualidade do cuidado, colocando o idoso no centro das atenções. E não o tratamento ou a doença.
A Holanda
- Capital —Amsterdã
- Área —41,5 mil km²
- População —17 milhões de habitantes
- PIB — US$ 826,2 bilhões (2017)
Há seis anos no topo do ranking elaborado pelo Euro Health Consumer Index, a Holanda tem o melhor sistema de saúde da Europa.
O cidadão paga em média US$ 114 mensais por um plano, ajustado de acordo com o salário da pessoa. Quem ganha menos, inclusive idosos, pode ter até 90% da quantia subsidiada pelo governo.
O país gasta cerca de US$ 5,2 mil anuais por pessoa no sistema de saúde.
Cerca de 18,35% dos holandeses têm mais de 60 anos. No Brasil, esse percentual é de 13%. Projeta-se que será de 18,6% em 2030 e, em 2060, de 33,7%, segundo o IBGE.
AS CHAVES PARA O SUCESSO
- Em 2006,o governo transformou o sistema de saúde em parceria público-privada. Seguradoras passaram a oferecer planos para a população, ficando a administração responsável por regulamentar e fiscalizar as empresas.
- O poder executivo define o pacote básico que a empresa deve oferecer, garantindo a todos acesso aos mesmos serviços com a mesma qualidade.
- A política para idosos é baseada em estimulo à melhoria da qualidade do cuidado, colocando o idoso no centro.
- A assistência é regionalizada. Um dos projetos é o Buurtzorg (Cuidado de Bairro), empresa que leva enfermeiros às localidades onde os idosos vivem. Assim, eles não precisam se deslocar ao hospital com tanta frequência.
- Estratégia é manter a autonomia, inclusive de pessoas com demência. Há condomínios adaptados.
- Para reduzir o isolamento social, um projeto convida universitários a morar em um instituto de idosos sem cobrança de aluguel. Em troca do aluguel, dedicam 30 horas de trabalho, lendo livros, indo às compras e passeando com os internos.
- Aposta na tecnologia. O projeto ParkinsonNet é uma plataforma online que permite que doentes e seus familiares possam encontrar prestadores de serviço de saúde em seu bairro. A rede é composta por 3 mil profissionais, entre enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas e neurologistas.