É falsa a informação que circula nas redes sociais, divulgada pelo site Jornal da Cidade Online, de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) "entregou códigos de segurança das urnas eletrônicas para venezuelanos". De acordo com o texto enganoso, uma empresa estrangeira poderia gerar votos falsos com os códigos e fraudar as eleições brasileiras.
Segundo o site, a entrega dos códigos teria sido feita a uma empresa comandada por venezuelanos, vencedora de um edital da licitação de número 106/2017. Porém, a licitação mencionada não previa entrega de códigos da urna e não foi concluída, uma vez que as duas únicas empresas interessadas foram desclassificadas.
O Comprova verificou que o edital 106/2017 foi aberto para a compra de módulos impressores para as urnas eletrônicas. A primeira empresa vencedora foi a Smartmatic. Fundada em 2000 nos Estados Unidos por venezuelanos, de acordo com seu site, atuou em eleições venezuelanas por mais de 10 anos. Por isso, costuma ser associada ao governo do país.
Em 2017, a Smartmatic envolveu-se em uma polêmica ao acusar o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela de fraudar as eleições para a Assembleia Constituinte. Neste ano, fechou seus escritórios venezuelanos.
A Smartmatic foi reprovada no teste técnico do TSE ocorrido em fevereiro deste ano. Os QRs impressos pela empresa foram lidos corretamente, mas as medidas não atenderam às exigências. Por isso, foi desclassificada.
Segunda empresa vencedora do edital, a TSC Pontual foi desclassificada porque a proposta apresentada tinha um valor considerado alto. Convocada para reconsiderar o montante, a empresa manteve o mesmo valor e acabou reprovada.
Neste ano, foi aberto outro edital com o mesmo intuito — o 16/2018 —, vencido pela CIS Eletrônica, da Amazônica. Não há indícios de que tenha qualquer relação com a Venezuela. No entanto, o edital de 2018 foi revogado porque o TSE suspendeu a implementação do voto impresso após a Procuradoria-Geral da República (PGR) mover uma ação contra um trecho da minirreforma eleitoral feita pelo Congresso em 2015.
Ao contrário do que afirma o texto enganoso, os dois editais não envolvem os códigos-fonte das urnas, mas códigos para o funcionamento das impressoras. Segundo o TSE, "a Justiça Eleitoral nunca entregou códigos-fonte da urna eletrônica para qualquer empresa privada, seja estrangeira ou nacional". "Esse dado pode ser comprovado no Edital nº 106/2017, cujo objeto é a contratação de módulos impressores para a urna eletrônica. Em momento algum do documento está prevista a entrega dos códigos das urnas, especialmente os módulos criptográficos, que são os responsáveis por garantir a identidade e a segurança do processo eleitoral", disse, em nota.
Ainda de acordo com o TSE, o edital de 2017 previa apenas o fornecimento de parte do sistema operacional Linux, um sistema de código aberto e conhecimento público que, no caso da Justiça Eleitoral, foi adequado para funcionamento específico nas urnas eletrônicas.
Parte das alegações do texto enganoso do Jornal da Cidade Online é atribuída ao professor de Ciências da Computação da Universidade de Brasília (UnB) Pedro de Rezende. Porém, as as declarações foram descontextualizadas.
Rezende participou de uma audiência pública no Senado em 6 de março de 2018 para discutir a segurança do sistema de votação eletrônica no Brasil. Conforme os registros oficiais, o professor lia aos parlamentares um pedido do Comitê Multidisciplinar Independente (CMind) para a suspensão da licitação 106/2017.
O CMind reúne especialistas em votação eletrônica e havia apresentado sete petições para suspender a licitação. Na opinião do grupo, poderia resultar no compartilhamento de "informações confidenciais, sensíveis à segurança do processo de votação, entre a empresa estrangeira e o TSE".
À agência Aos Fatos, Rezende confirmou que a informação de que os dados das urnas foram enviados a empresas estrangeiras é falsa. Para ele, o correto é dizer que, se a licitação tivesse sido confirmada, "poderiam ser entregues dados sensíveis do sistema de segurança do processo de votação".
Publicado às 21h22min da última segunda-feira (17), o texto do Jornal da Cidade Online sofreu atualizações cujos horários não foram informados. Entre outras mudanças, a redação incluiu a palavra "quase" no título. Depois, o título passou a atribuir a informação a professor da UnB.
No Facebook, até a noite de quarta-feira (19), posts com o link para o texto do Jornal da Cidade Online receberam mais de 208 mil interações. Foram publicados em páginas como Brasil Conversador, Canal da Direita e Queremos Bolsonaro Presidente.
No Twitter, foram 6,9 mil curtidas e retuítes. Nesta rede social, o boato foi impulsionado principalmente pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC), filho de Bolsonaro. A informação sobre a suposta entrega de códigos da urna aos estrangeiros já foi desmentida por Aos Fatos, Agência Lupa, Boatos.org e e-farsas.
Falso
A licitação mencionada no texto enganoso não previa entrega de códigos da urna nem foi concluída. As duas empresas interessadas foram desclassificadas.
Enganoso
Uma das empresas citadas, a Smartmatic, foi fundada por venezuelanos, atuou em eleições do país por anos, mas é americana e já não tem mais escritório na Venezuela.
Fonte não confiável
O texto publicado no Jornal da Cidade Online sofreu atualizações. Entre outras mudanças, a redação incluiu a palavra “quase” no título.
Projeto Comprova
Este texto foi originalmente publicado no site do Projeto Comprova. A evidência foi checada pelos veículos parceiros Piauí, Folha de S.Paulo, Gazeta Online e O Povo.
O Comprova é um projeto que reúne jornalistas de 24 diferentes veículos de comunicação brasileiros, incluindo GaúchaZH, para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas durante a campanha presidencial de 2018.