O número de candidatos religiosos, militares, bombeiros ou policiais cresceu 60% das eleições de 2014 para cá no Rio Grande do Sul, passando de 47 para 75. O aumento é mais do que o dobro do crescimento no número total de candidaturas de um pleito para outro, de 23%. O cálculo feito por GaúchaZH usou os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para analistas, o fenômeno ocorre em virtude da expansão das igrejas evangélicas, do descrédito de políticos tradicionais e do apelo da pauta da segurança pública entre a população.
A análise incluiu todas as 1.088 inscrições de 2014 e as 1.336 deste ano, no Estado, referentes a todos os cargos em disputa. Foram considerados candidatos da segurança pública aqueles que usaram no nome de urna algum cargo militar ou policial (tenente, delegado, capitão…) ou que informaram ocupações correlatas (policial militar, civil ou federal, membro das Forças Armadas, bombeiro ou militar reformado).
No caso de candidatos ligados à religião, foram elencados os concorrentes que mencionaram no nome de urna palavras referentes a cargos religiosos (pastor, bispo, pai de santo, missionário...), ou que informaram ser “sacerdotes ou membros de ordem ou seita religiosa” na ocupação.
— Nosso sistema eleitoral permite que muitos candidatos concorram. Com recursos cada vez mais escassos, é esperado encontrar quem adote o que chamamos de “pistas eleitorais” no nome de urna para se destacar. É uma palavra que diz quem é você, qual sua ideologia e o que defende, algo que se encaixa muito em segurança e religião – explica Claudia Cerqueira, pesquisadora do Centro de Estudos em Economia e Política do Setor Público (Cepesp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.
Igrejas têm posições diversas sobre eleições
O aumento mais expressivo é no número de religiosos, que dobrou: de 11 em 2014 para 22 em 2018. Dos atuais 22 concorrentes, 18 são evangélicos e quatro são de matriz africana. Nestas eleições, a legenda que mais lançou candidatos desse grupo é o PSC (18,1% das candidaturas religiosas).
Hoje, dos 513 deputados da Câmara, 180 fazem parte da Frente Parlamentar Evangélica Nacional – dos quais 10 são do Rio Grande do Sul. Dos 81 senadores, quatro atuam no grupo e nenhum é do Estado.
Segundo o último censo do IBGE, de 2010, a maioria dos brasileiros é católica (64,6%), seguida pelos evangélicos (22%). O Código de Direito Canônico, produzido pelo Vaticano e ratificado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desaconselha membros da Igreja Católica a se envolverem em partidos – ao contrário de algumas igrejas pentecostais.
Para o sociólogo Ricardo Mariano, professor da pós-graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do ativismo político evangélico, o maior número de candidaturas está atrelado à ampliação da religião no país e a sua atuação em debates de agendas públicas.
— Religiosos, em sua maioria evangélicos, pretendem capitalizar o voto dos irmãos de fé. A bandeira é defender os valores cristãos no Legislativo, como a família tradicional, e ser contra o ataque daqueles vistos como inimigos: LGBT+, feministas e “quem prega a ideologia de gênero”.
Essa atividade começou antes da Constituinte e cresceu agora, com a expansão dos evangélicos no Brasil, capitaneada pelos pentecostais, a maioria da Assembleia de Deus, da Igreja Universal e do Evangelho Quadrangular – avalia Mariano.
Aumento da violência pauta o discurso eleitoral de mudança
Os candidatos gaúchos da área da segurança cresceram em 47%, passando de 36 para 53. Em 2018, a ocupação mais preponderante na área é de militares reformados (35,8%). A legenda que mais contribui com concorrentes da área é o PSL (16,9% do grupo), mesmo partido do postulante à Presidência Jair Bolsonaro, também militar reformado e primeiro lugar nas intenções de voto. Pesquisa Datafolha divulgada em junho do ano passado apontou que as Forças Armadas são avaliadas como a mais confiável em uma lista de 10 instituições – Congresso, Presidência e partidos despencaram em credibilidade.
Para o cientista político Rafael Madeira, coordenador da pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS, a alta de candidaturas ligadas à segurança ocorre após a crise na imagem de políticos de carreira e a crescente sensação de exposição à violência:
— Boa parte desses candidatos não é identificada como políticos tradicionais, então cabe a eles a bandeira da renovação, apesar de muitos estarem na política há vários mandatos. Com exceções, é marcante um discurso no sentido de que a segurança se resolve aumentando encarceramento e pena, além da negação de direitos humanos. É uma abordagem simplória, de apelo eleitoral forte. Como atuam ou atuaram com segurança pública, ganham legitimidade para defender o assunto.