O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, orientou o comando do 3º Grupo de Artilharia Antiaérea (3º GAAAe), em Caxias do Sul, a ignorar recomendação do Ministério Público Federal para desmontar o acampamento de manifestantes em frente ao quartel. As informações foram obtidas pelo blog da colunista Andreia Sadi, no g1, a partir de investigações da Polícia Federal (PF) na Operação Tempus Veritatis, deflagrada na semana passada.
Segundo a PF, o então subcomandante do 3º GAAAe, tenente-coronel Alex de Araújo Rodrigues, teria se mostrado preocupado com a recomendação e disse a Cid que "o MPF está colocando a gente contra a parede". Em resposta, o então ajudante de ordens do ex-presidente enviou um áudio, transcrito pela PF, em que sugere ao subcomandante do 3º GAAAe ignorar o órgão:
- "Cara, vou ser bem sincero contigo. Tá recomendado... manda se f...! Recomenda... está recomendado. Obrigado pela recomendação (...) Eles [o MPF] não podem multar. Eles não podem prender. Eles não podem fazer porra nenhuma. Só vão encher o saco. Mas não vão fazer nada, não", disse Cid no áudio transcrito pela PF e obtido pelo g1.
Diante deste áudio, Rodrigues pede para que Cid avise "Alves" — o então comandante do 3º GAAAe, tenente-coronel Anderson dos Santos Alves —, que estaria "desesperado" com o documento do MPF. De acordo a investigação da PF, a conversa entre Cid e Rodrigues é um dos elementos que demonstram "anuência de militares com manifestações antidemocráticas".
Recomendações do MPF
No documento, assinado pelo procurador da República Fabiano de Moraes, que atua em Caxias do Sul, o MPF alertou ao comando do Exército na cidade que não permita a permanência de banheiros químicos ou estruturas como tendas ou barracas em áreas pertencentes à União. A recomendação era embasada em algumas considerações, que levavam em conta, inclusive, a previsão no Código Penal de realizar manifestações, bloqueios ou acampamentos em vias das áreas consideradas de segurança de interesse federal.
O MPF também informou que havia solicitado esclarecimentos ao 3º GAAAe sobre as barracas e banheiros químicos instaladas em frente ao quartel — a presença de manifestantes começou logo após o encerramento do segundo turno das eleições para presidente. De acordo com a recomendação, o comando do Exército "se limitou a informar que 'as manifestações estão ocorrendo em vias públicas, nas áreas externas ao aquartelamento'". Além disso, o MPF apontou que a empresa responsável pela instalação dos banheiros "informou que não tinha atribuição para autorização, mesmo tendo ciência que se encontram alocados na pista de acesso ao quartel".
Por fim, antes de recomendar que o grupo militar não permitisse a instalação dos acampamentos em área do Exército, o parecer lembrou que há previsão de pena de três a seis meses "a quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade uma vez que postulam intervenção militar, ou suas formas associadas de pedido de violação do Estado Democrático de Direito (intervenção federal, SOS Forças Armadas, etc)".
Exército instalou grades
A recomendação do MPF fixou um prazo de 48 horas para que o 3º GAAAe apresentasse informações sobre o cumprimento das indicações, ou então justificativas para não acatá-las. Dois dias depois, em 20 de novembro, grades de metal foram instaladas em frente à entrada do 3º GAAAe. À reportagem, o procurador Fabiano de Moraes confirmou que a recomendação foi acatada dentro do prazo, e destacou a importância do trabalho do Ministério Público em prol da democracia.
— O fato da recomendação ter sido atendida, por si só, já demonstra a importância da atuação do MPF na defesa do regime democrático.
Com o fechamento da área, os manifestantes transferiram barracas e demais estruturas para o outro lado da rua, na Avenida Rio Branco — algumas pessoas permaneceram no mesmo lado da rua de onde está a sede do 3º GAAAe, mas não mais na frente do portão de entrada.
À época, para a reportagem do Pioneiro, uma fonte do Exército disse que houve uma conversa pacífica com os manifestantes e entre eles mesmos, que decidiram pela desocupação da área em frente ao quartel, acrescentando que "a grade visa a somente delimitar a área militar" e que, até o momento, as manifestações "não geraram problemas para a rotina do 3° GAAAe".
O acampamento foi completamente desmobilizado em 9 de janeiro de 2023, um dia após os ataques golpistas em Brasília, após ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Cerca de 10 pessoas ainda protestavam em frente ao quartel de Caxias do Sul na data, mas acataram as ordens da Brigada Militar (BM) para liberar o local.
A reportagem tentou entrar em contato com o tenente-coronel Alex de Araújo Rodrigues por telefone e por aplicativo de mensagem, mas não obteve retorno até o momento. Ele não está mais atuando em Caxias. Procurado, o comando do 3º GAAAe também não retornou a pedido de entrevistas.