"É uma tristeza o que está acontecendo, em pleno Século 21, estar discutindo escravidão". É com este sentimento que o senador Paulo Paim (PT-RS) descreve os recentes casos de trabalhadores resgatados em condição de trabalho análoga à escravidão. O parlamentar esteve na tarde de sexta-feira (10) em Caxias do Sul, onde participou do seminário Trabalho Decente SIM! Trabalho Escravo NÃO! na Câmara de Vereadores, organizado pelas principais centrais sindicais.
Paim chegou à Casa por volta das 13h45min, e se encaminhou diretamente à Sala da Presidência da Câmara. Lá, o senador se encontrou com o prefeito caxiense Adiló Didomenico (PSDB), a vice Paula Ioris (PSDB), secretários municipais e a bancada do PT do Legislativo caxiense. Em seguida, ele concedeu entrevista à imprensa e falou sobre seu trabalho no Senado no combate ao trabalho análogo à escravidão, discursos de ódio e a atuação que pretende desenvolver, reconduzido à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Legislativo federal.
Confira a entrevista na íntegra:
O senhor vai presidir a CDH no Senado. Como enxerga essa questão dos direitos humanos, hoje, no Brasil? Que medidas o senhor, como senador e presidente da comissão, pretende tomar para coibir esse tipo de ações?
É uma tristeza o que está acontecendo, em pleno Século 21, estar discutindo escravidão. O que aconteceu aqui em Bento, realmente, chocou o Brasil e virou notícia internacional. Eu sempre tive uma luta muito forte nessa área. Então, eu vou dizer o que eu já fiz e vou continuar fazendo. Por exemplo: eu sempre disse, quando inventaram de aprovar a terceirização da atividade fim, que isso ia escancarar as portas para o trabalho escravo (se refere ao trabalho análogo à escravidão). Eles diziam que não. O que eu fiz então? Para não deixar aprovar, eu viajei os 27 Estados e tirei uma carta de cada Estado contra a terceirização da atividade fim. A Câmara dos Deputados não aceitou o bloqueio que eu fiz no Senado e resgatou um projeto antigo, e aprovou no grito e na marra.
Quais os pontos que o senhor enxerga como mais problemáticos em relação aos direitos humanos no Brasil? Como o Senado pode ajudar a coibir discursos de ódio e situações degradantes de trabalho?
Infelizmente, o discurso de ódio foi pregado pelo governo anterior (de Jair Bolsonaro). Nós temos que desconstituir essa filosofia atrasada, arcaica, obsoleta, preconceituosa e machista, inclusive. Eu vou assumir agora, mais uma vez, a presidência da Comissão de Direitos Humanos e vim aqui para debater a volta, em pleno Século 21, da escravatura, ou trabalho análogo à escravidão. Por isso, algumas medidas já foram encaminhadas por nós para o Congresso. Fui autor do projeto que diz que a propriedade onde efetivamente for comprovado o trabalho escravo, será desapropriada. Já está na Constituição, mas não se pode aplicar ainda porque nós estamos regulamentando essa questão. Porque, se ficar no genérico, qualquer um pode dizer "tira a propriedade deles", e não é isso. Tem que comprovar que o cara efetivamente estava com trabalhadores sob escravidão depois da regulamentação desse projeto. Essa é uma forma de a gente mostrar que poderão perder a sua propriedade, tanto no campo quanto na cidade. Essa questão do trabalho escravo não é só na área rural. São Paulo, por exemplo, é uma vergonha. Agora, vendo em Minas Gerais, foram 1000 trabalhadores recentemente encontrados sob regime de escravidão.
E sobre a terceirização da atividade fim?
Eu, como estava naquele debate do PL 30, que liberou total a terceirização, foi pro Senado e eu tranquei. Peguei para relatar e não deixei aprovar. O que o presidente da Câmara na época fez? Desarquivou um projeto antigo lá da idade da pedra, aprovou, mandou para o (ex-presidente Michel) Temer e o Temer sancionou, e acabou com a possibilidade de não terceirização da atividade fim. O que aconteceu depois? Mais que dobrou o número de trabalhadores escravos nessa área. Cada nove trabalhadores encontrados sob regime de escravidão, entre 10, nove são terceirizados. Ficou uma barbada, né? Tu terceiriza tudo, não assume o compromisso com nada, só paga a empresa "x", a empresa, por sua vez, explora totalmente o trabalhador, e quem perde mesmo é o trabalhador, os outros todos faturam. Então, nós também reapresentamos o projeto, está pronto lá, já está tramitando no Senado, dizendo que não pode terceirizar atividade fim. Apresentamos também o Estatuto do Trabalho (projeto de Paim), com a nova CLT.
Nós temos que desconstituir essa filosofia atrasada, arcaica, obsoleta, preconceituosa e machista
PAULO PAIM
Senador e presidente da Comissão de Direitos Humanos do Legislativo
Qual a primeira ação a ser feita na CDH?
Agora que eu vou assumir a CDH, o primeiro debate que eu vou fazer vai ser sobre trabalho escravo, uma visão global, não olhar só para a nossa região. Quero saber como está em todo o país, se não, não tem sentido. (Temos que) Mostrar que é um dever. Eu sei que esse é um compromisso do presidente Lula. O trabalho escravo cresceu em todo o país e nós temos obrigação de combater isso. Ninguém pode, em sã consciência, ser a favor do trabalho escravo. Iniciativas não faltam, eu tenho certeza. E o ministro (dos Direitos Humanos e da Cidadania) Sílvio (Almeida), que é muito preparado, vai estar junto nessa caminhada para que nós possamos, de uma vez por todas, dizer que o trabalho escravo no Brasil não só diminuiu, mas podemos caminhar para terminar com ele.
Quais as medidas que podem ser tomadas para evitar a precarização do trabalho, não somente em relação ao trabalho análogo à escravidão?
Eu vim pra cá com o objetivo de mostrar alguns caminhos, propostas para enfrentar o problema. O fim da terceirização da atividade fim, eu já falei aqui. Responsabilidade solidária da empresa contratante. Quer terceirizar? Responsabilidade solidária. Ou seja, o primeiro a responder vai ser você, daqui pra frente, se nós mudarmos a lei. Fortalecimento da fiscalização do trabalho. Aumentar o número de fiscais. Recomposição do orçamento destinado à fiscalização do trabalho. Retomar o debate do Estatuto do Trabalho (proposta que está em debate no Senado). Fazer com que na sala de aula, cada vez mais, se fale sobre o combate ao racismo e ao preconceito. Os países que mais avançaram na questão do preconceito são os países onde brancos e negros caminharam juntos. O Brasil, infelizmente, com o governo anterior, virou um governo de nós contra eles e vice-versa. E a mudança que esse governo (atual, do presidente Lula) pode fazer é muito grande, por isso que muitos ministros são negros, muitas ministras são mulheres, e nós vamos fazer um caminho de reconstrução.
Como aprovar medidas do atual governo com um Congresso que é majoritariamente composto pela oposição?
Todo homem público tem um olhar para dento do Parlamento, mas também um olhar para fora. Por isso, nós fazemos uma grande mobilização do povo brasileiro para as mudanças que entendemos necessárias na Constituição acabarem acontecendo. Eu fui constituinte, meu nome está aqui nessa carta magna na última página (mostra o livro da Constituição para os repórteres). Pra se ter uma ideia, só tem dois senadores (atualmente) que foram constituintes: eu e o Renan (Calheiros). Isso aqui foi muito difícil de constituir, mas a pressão da população brasileira foi tão grande que essa Constituição foi avançadíssima para a época, e nós não tínhamos a maioria. Então, nesse caso, no atraso que o Brasil chegou devido ao governo anterior, com o apoio do presidente Lula e da frente ampla pelo Brasil, com a pressão democrática e cada um assumindo a sua responsabilidade, eu acho que nós conseguimos melhorar o país. Por isso, a democracia é o melhor caminho. Vamos para a reconstrução do país.