Separadas por 170 quilômetros, as cidades de Bom Jesus e Nova Pádua simbolizam o antagonismo local na eleição nacional mais polarizada dos últimos anos. Os dois municípios da Serra deram a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), respectivamente, os maiores índices de votos entre os 49 municípios da Serra no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022.
A reportagem do Pioneiro percorreu 385 quilômetros para conhecer de perto a realidade dos dois municípios, ouvindo eleitores e políticos para entender o que fez com que os candidatos registrassem nestas cidades índices superiores à média estadual e nacional.
Em Bom Jesus, onde Lula fez 49% dos votos, a predominância de manifestações públicas é pró-Bolsonaro. Entre os eleitores do ex-presidente, a surpresa de ver o candidato do PT à frente no município dos Campos de Cima da Serra se misturou ao sentimento de esperança de ver a gestão petista retornar ao país.
Em Nova Pádua, mais uma vez, ficou o título de município mais bolsonarista do país. Jair Bolsonaro amealhou 83,98% e ampliou o espaço conquistado em 2018. Sentimentos de repulsa à corrupção, conservadorismo e aversão aos partidos de esquerda fazem parte do discurso dos eleitores do atual presidente.
Eleitores petistas de Bom Jesus percebem o aumento da pobreza
Fica em um imóvel em tons vermelhos, dividido entre residência e um bar e lancheria, na Rua Primeiro de Maio, uma tímida e rara manifestação a favor do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Bom Jesus — cidade onde o petista teve, proporcionalmente, a votação mais expressiva (49% dos votos totais) no primeiro turno entre os 49 municípios da Serra. Um adesivo da campanha com o nome e o número do candidato foi fixado em uma das portas do imóvel.
Por outro lado, quem chega a Bom Jesus pela RS-110 é recepcionado com um longo outdoor verde e amarelo escrito “Deus, Pátria e Família” — cores e mensagens alusivas ao candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), que também são vistos em maior escala em casas e veículos que circulam pela cidade.
Esse é o cenário no município dos Campos de Cima da Serra onde 49% da população votou em Lula e 43,51% optou por renovar o mandato de Bolsonaro - percentual que equivale a uma diferença de 346 votos. O resultado do petista na cidade foi pouco maior em comparação a nível nacional (48,43%) e também na performance lulista no Rio Grande do Sul (42,28%).
O município, localizado na divisa com Santa Catarina e a cerca de duas horas de distância de Caxias do Sul, pode ser considerado uma bolha petista na Serra: ao lado de São Francisco de Paula, são os únicos dos 49 municípios da região que deram mais votos a Lula.
A responsável por fixar o adesivo do candidato petista é a comerciante Valdira dos Santos Becker, 71 anos. A bonjesuense é uma típica eleitora histórica do PT, que vota em candidatos da legenda em todos os cargos em disputa e sempre depositando confiança nos representantes do partido que concorrem à presidência. Ela concorda que, nos últimos anos, a militância petista ficou mais tímida e pouco sai às ruas com bandeiras e adesivos do político mais popular na cidade.
— É um voto mais tímido, reservado. Política virou algo perigoso, mas não deixo de me manifestar, aqui, no meu cantinho. Quando ganhei o adesivo do Lula, não quis deixá-lo escondido e fiz questão de colar na minha porta. Há anos não podemos votar no Lula e tivemos essa chance de novo. É o político dos pobres, que trabalha para o povo — afirma.
A redução no poder de compra é o principal argumento de quem justifica o voto em Lula na cidade. Aposentado depois de passar mais de quatro décadas vendendo leite de porta em porta em Bom Jesus, Sirleu Santos Lemos, 78 anos, diz que acompanhou o bom momento das famílias durante os governos do PT e percebeu, no último período, a pobreza voltando.
— Não é mentira quando o Lula diz na televisão que tira as pessoas da pobreza. Vi isso acontecer aqui em Bom Jesus. Eu caminhava pelas vilas, bairros e via as famílias fazendo churrasco, reunidas, fazendo festa. Hoje tu não vê mais isso. O pobre sabe que o Lula é o único que pode fazer esse passado voltar. — conta.
Lemos é crítico da condução de Jair Bolsonaro na presidência e não se considera um partidário. Para o governo do Estado, disse que votou em Eduardo Leite (PSDB), por entender que a gestão do tucano deveria continuar por mais quatro anos, porque tirou o Rio Grande do Sul das dificuldades financeiras. Sobre a vitória de Lula na cidade, achou que seria improvável.
— Pra mim foi uma surpresa saber que o Lula ganhou em Bom Jesus. Os fazendeiros ficaram muito brabos no domingo, porque estavam com uma carreata pronta para comemorar, igual fizeram no Sete de Setembro, e não puderam. Bom Jesus é vermelha — relata.
Na agricultura familiar, o histórico dos governos petistas é o fiador da confiança para que o partido retorne ao poder. O produtor de queijo artesanal serrano, Valdecir Santos Bittencourt, 56 anos, faz parte da Associação dos Produtores de Queijo e Derivados do Leite dos Campos de Cima da Serra (Aprocampos), hoje com mais de 40 associados.
Bittencourt relembra que, em 2013, após anos de reivindicação, eles conseguiram a aprovação de uma emenda de R$ 40 mil, que foi destinada para a construção de uma sede própria que permite reuniões e capacitação.
Para ele, esse recurso foi fundamental para o desenvolvimento dos agricultores familiares de Bom Jesus.
— Não tem como não votar em quem fez algo pra gente, que foi durante os governos do PT. É retribuir o que fizeram. Bolsonaro não dá mais. A conta não fecha. Uma família grande não sobrevive com um salário mínimo, porque tudo aumentou, tem gente tendo que escolher se paga a água e a luz ou se compra comida — justifica.
Mais à vontade em revelar o voto, o eleitor de Bolsonaro em Bom Jesus cita o combate à corrupção como a principal conquista nos últimos anos da administração do político do PSL.
Pastor da igreja evangélica O Brasil para Cristo e dono de uma barraca que vende xis, cachorro-quente e sorvete na praça, Édson Fernandes Braga, 57 anos, se considera conservador e vê em Bolsonaro um líder a ser seguido.
— Eu não votaria em alguém envolvido em escândalos, corrupção. Temos um presidente que fez, tenta, se esforça em fazer o melhor — diz.
MDB e PP comandam no município
A vitória de Lula no primeiro turno em Bom Jesus pode ser considerada atípica. Nenhum representante do PT ocupa uma das nove cadeiras da Câmara de Vereadores do município. O partido tampouco chefiou o Executivo ao longo da história.
Nesta eleição, os eleitores concentraram votos em deputados estaduais de partidos como PSDB e MDB, de Caxias do Sul, que têm ligação com os municípios dos Campos de Cima da Serra. Para o governo do Estado, venceu Ônix Lorenzoni (PL). No Senado, o escolhido em Bom Jesus foi Hamilton Mourão (Republicanos).
— Avaliamos os resultados e também não temos uma explicação do motivo que aqui deu mais votos para o Lula. A cidade se engajou muito na campanha para deputado, mas não para presidente — conta a prefeita Lucila Maggi.
MDB e PP se revezam no comando da prefeitura e também são os únicos partidos representados na Câmara de Vereadores. Lucila fez campanha para a candidata do partido, Simone Tebet, que conquistou 307 votos (4,87% dos votos válidos) na cidade.
— Foi difícil convencer o eleitor porque as pessoas estavam bem definidas entre Lula e Bolsonaro. Na eleição passada, Bolsonaro venceu aqui. O eleitor não se manifesta muito, tivemos uma carreata do Bolsonaro, e não vimos nada do Lula aqui — relata.
Nova Pádua mantém título de cidade mais bolsonarista
Quatro anos depois, segue na Serra Gaúcha a localização do município mais bolsonarista do Brasil. Os eleitores de Nova Pádua, chamada de "Pequeno Paraíso Italiano", deram a Jair Bolsonaro a maior votação percentual entre todos os municípios do país no primeiro turno das eleições deste ano. O presidente e candidato à reeleição fez 1.672 votos _ o equivalente a 83,98% do total. Na cidade, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou em segundo lugar na disputa, com 206 votos (10,35%). No primeiro turno da eleição de 2018, Bolsonaro havia feito 82,75% dos votos válidos e 78,1% sobre os votos totais no município gaúcho. No segundo, chegou a 92,96% sobre os válidos.
A aversão aos partidos de esquerda, aliada ao conservadorismo da população e repulsa à corrupção ajudam a entender a preferência da comunidade de Nova Pádua à extrema-direita. Os eleitores ouvidos pela reportagem creditam os míseros votos a Lula aos moradores que chegaram a pouco na cidade. No município, 92% da população é de descendentes italianos, como o agricultor Isanor Pan, 64 anos.
Depois do almoço com a família no último domingo (3), ele deixou a propriedade no Travessão Curuzu, dirigiu por alguns quilômetros e foi até o principal colégio eleitoral do município. Depositou na urna eletrônica, mais uma vez, o voto no candidato da extrema-direita.
— O Bolsonaro não roubou, diferente do Lula. Não tenho confiança nele (Lula). Quem mora no interior se sente mais protegido com o Bolsonaro. Ele ajudaria mais o Brasil e precisa ter uma nova chance para continuar. Votei nele em 2018, votei agora e voto sempre que for possível — justifica.
Pan afirma que o atual presidente foi prejudicado pela pandemia de covid-19. Também entende como adequado o comportamento de Bolsonaro na condução do país durante a crise sanitária.
— Se comparar com outros países, o Brasil vacinou bastante gente. Ele (Bolsonaro) fez o papel dele de comprar a vacina. Se deu algum problema, acho que nem tudo é problema dele — afirma Pan, que disse também ter se vacinado com, ao menos, três doses do imunizante contra o coronavírus.
O agricultor tem seis hectares de plantação da fruta, que agora começa a florescer. Até o fim de outubro, os primeiros grãos vão aparecer. Mesmo atento com a disputa nacional, sua maior preocupação é que, com o clima frio em pleno outubro, o cacho tenha dificuldade de segurar o grão da uva. O cultivo é coisa séria, já que cerca de 90% da economia de Nova Pádua é sustentada pela agricultura, principalmente pela produção de uva.
Além disso, a indústria na cidade é puxada pela produção de vinhos, como a da propriedade do enólogo e engenheiro agrônomo Fernando Munaro, 49 anos. Eleitor de Bolsonaro em 2018 e agora, o produtor recorda que votou no Lula na eleição de 2002, mas se decepcionou após os casos de corrupção que surgiram durante os governos petistas. Assim como ele, toda a família é bolsonarista, o que inclui a esposa, Carmeline, 44 anos, e os pais Lino e Zaira, 78 e 76 anos, respectivamente.
— Votei no Bolsonaro porque ele tem um perfil conservador, valoriza a família, as pessoas de bem. Ele é a referência nos valores éticos e morais, que estava esquecido no nosso país. A roubalheira reduziu, a corrupção não existe e isso faz bem para a imagem do Brasil, o que acaba refletindo na nossa região. Felizmente, Nova Pádua tem uma visão diferente de parte do Estado e do país — afirma.
Munaro é um ex-político: foi vereador na cidade na primeira legislatura, em 1993, após a emancipação de Flores da Cunha. Desistiu porque entendeu que poderia render mais fora da política. Agora, tem receio que, em caso de vitória de Lula, os escândalos de corrupção voltem a ocupar espaço no noticiário. Mesmo assim, assistir televisão e ler jornal são tarefas que ele não costuma fazer com frequência, se informando apenas na internet.
— Sinceramente, a primeira administração do Lula não foi ruim. O setor primário foi valorizado. Infelizmente, depois virou politicagem, o que não vi ocorrer nos últimos anos — justifica.
Na Avenida dos Imigrantes, atrás do balcão de um pequeno supermercado, está um voto feminino em Jair Bolsonaro. Elena Tonello, 59 anos, trabalha há três décadas no estabelecimento. Ela acredita que o candidato à reeleição ganhou mais uma vez na cidade devido ao perfil do município, formado na maioria por agricultores e que praticamente não dependem de programas sociais.
— Confio mais no Bolsonaro do que no Lula. Na pandemia, ele ajudou bastante, com o auxílio para as famílias. Pode haver alguma dúvida sobre a questão das vacinas, mas acho que ele fez o certo — avalia.
A única ponderação de Elena é sobre as falas de Bolsonaro.
— Ele não tem papas na língua. Fala muito o que ele pensa, mas acho que tem alguns momentos que ele tinha que ficar quieto.
As contas no restaurante da família Dalabilia são feitas diariamente: com o preço dos alimentos mais altos, fica difícil não repassar o reajuste ao consumidor. Mesmo assim, há um esforço já que, se o preço subir, a clientela pode diminuir.
É essa relação entre preços e o poder de compra das famílias que faz com que Oscar e Ângela Dalabilia sintam saudade dos governos do PT. O casal é um dos raros eleitores petistas no município mais bolsonarista do país.
— Lula é dos pobres. Pobre que vota no Bolsonaro é porque tem mania de grandeza, querem se fazer de ricos. Enquanto eu puder votar no Lula, eu vou. Para o homem da colônia, o preço do diesel está um absurdo — conta Oscar.
Município tem o prefeito mais jovem do Estado
A expressiva votação de Bolsonaro em Nova Pádua fez justiça à tradição política local. Nas oito eleições municipais desde a emancipação de Flores da Cunha, em 1992, a esquerda jamais elegeu prefeito. Na Câmara de Vereadores, quatro partidos têm representação: MDB, Republicanos, PP e PSDB.
A cidade de pouco mais de 2,5 mil habitantes é comandada por Danrlei Pilatti (PP), 25 anos, o prefeito mais jovem do Rio Grande do Sul. A repercussão da cidade mais bolsonarista do pais movimentou a cidade nos últimos dias.
Segundo ele, os moradores depositaram nas urnas um voto de repulsa à corrupção ao escolher Jair Bolsonaro.
— É possível ver que tem comportamentos e falas do Bolsonaro que poderiam ter sido um pouco mais cuidadas. Concordo com isso. Mas, na atitude, sobre o que o governo fez, na saúde, infraestrutura, é positivo. Passamos por pandemia, estiagem, guerra, tudo isso influenciou.