O segundo tema da seção Politiquês, parte do tratamento editorial da importante eleição deste ano, é sobre a cláusula de barreira. A seção tem o intuito apresentar palavras ou expressões que integram uma espécie de "dicionário eleitoral", que frequentemente aparecem no noticiário político, e que merecem aprofundamento sobre o que significam, com seus prós e contras.
A cláusula de barreira não é um tema novo no direito eleitoral e na política. Também conhecida como cláusula de exclusão ou cláusula de desempenho, funciona como um princípio que causa impedimentos e restrições do funcionamento parlamentar do partido que não atingir um determinado percentual de votos.
Em 1995, com a criação da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096) , o Congresso Nacional já havia aprovado uma cláusula estabelecendo esse desempenho mínimo, porém, em 2006, quando começaria a valer, a regra foi considerada inconstitucional e derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento era de que prejudicaria os pequenos partidos.
Já em 2017, por meio da emenda à Constituição promulgada pelo Congresso Nacional, foram determinados alguns critérios de desempenho para que os partidos tenham acesso ao dinheiro do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.
A partir dessa aprovação, os requisitos exigidos dos partidos a partir da eleição de 2018 foram: obter 1,5% dos votos válidos na última eleição em um terço das unidades da federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma; eleger ao menos nove deputados distribuídos por um terço do território nacional.
Em 2022, essa barreira irá aumentar e os critérios passarão a ser mais rígidos: as legendas precisarão obter, no mínimo, 2% dos votos válidos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um deles; ou eleger, ao menos, 11 deputados federais distribuídos por um terço das unidades da federação. Desde 2018, o patamar vem aumentando em cada eleição geral em um processo de transição que vai seguir até 2030.
Além das siglas não terem acesso ao dinheiro do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, o funcionamento parlamentar dos eleitos também fica limitado. Conforme o regimento interno da Câmara dos Deputados, os partidos que não se enquadram nos critérios de desempenho não têm direito à liderança, porém podem indicar um de seus integrantes para expressar a posição do partido no momento da votação de proposições, ou para fazer o uso da palavra, uma vez por semana, por cinco minutos.
OS PRÓS
"Atualmente, nós temos 32 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desse número, 23 deles têm assento na Câmara dos Deputados, por exemplo. Como se governa com essa quantidade de atores para poder gerir o país ou um Estado? Desde lá atrás se pensava em como diminuir isso. Nós temos uma primeira tentativa de cláusula de barreira que o STF julgou inconstitucional, só que o problema continua. Em 2017, criou-se uma emenda constitucional e não se fala, especificamente, em barrar a representação nos legislativos, como se via naquela primeira tentativa. Agora, são mais sutis, mas que na prática inviabilizam os partidos [...] Para não serem barrados, para terem uma sobrevida, os partidos participam das federações. Me parece que tem um papel fundamental existir uma cláusula de desempenho. A existência de muitos partidos enfraquece e dificulta a governabilidade. Tu racionalizar o número de partidos é uma forma de tu construir uma democracia e consolidar ela de forma mais efetiva no país, com um número menor. Muitos usam aquele chavão que não existem 32 ideologias. Não gosto disso, acho muito simplista. Mas a verdade é que, ao longo do tempo, apesar de haver uma dificuldade para se criar um partido político, se criaram muitos partidos."
Everson Alves dos Santos, advogado eleitoralista e membro do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade)
“O objetivo final é a diminuição do número de partidos, é isso o que se busca. Hoje, temos 32 partidos. Sempre é bom termos um número menor de partidos. Não é possível que tenhamos 32 ideologias no Brasil. Havendo essa cláusula de barreira, os partidos menores, que não atingem o teto estabelecido, acabam sendo “forçados” a se unir com partidos maiores. É o que acontece agora com as federações partidárias, apesar de termos poucas fusões para as eleições deste ano. As federações fazem com que os partidos menores atinjam a cláusula de barreira e acabam facilitando a própria governabilidade. Com um menor número de partidos na Câmara dos Deputados, o Executivo terá mais possibilidade de governar porque precisa desse diálogo com o Legislativo.”
Roger Fischer, advogado eleitoralista e vice-presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade)
OS CONTRAS
“Por outro lado, se diz que esses partidos menores que não atingem a cláusula de barreira acabam sendo meio que obrigados a se fundir ou constituir federações. Nesse caso, ficam à mercê dos partidos maiores por conta da sua representatividade no Congresso. Mas, eu acho isso justo. Quanto maior a representatividade, maior a facilidade para atuar dentro do Congresso Nacional e nada mais justo que tenha acesso aos recursos. Existem também diferentes classes de deputados dentro do Congresso, pois temos aqueles deputados que podem participar de comissões e aqueles que não participam. Acredito que, até 2030, haverá a redução do número de partidos, que é o objetivo maior.”
Roger Fischer, advogado eleitoralista e vice-presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade)