Mais do que a rejeição de um parecer que pedia suspensão do mandato de uma parlamentar, a sessão desta quinta-feira (4/11) da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul trouxe novos elementos políticos para esta legislatura. Além de mostrar a força da bancada do PT ao evitar a suspensão da vereadora Estela Balardin (PT) e uma derrota para os integrantes da chamada frente anti-PT, novos discursos e falas contundentes foram evidenciados durante as mais de duas horas de discussão sobre o processo.
Chorando após o resultado da votação e abraçada pelo advogado Lúcio Costa, que auxiliou na defesa, Estela se disse aliviada com a decisão dos vereadores. Na plateia, um grupo de mulheres com cartazes em defesa de Estela estava presente. Elas aplaudiam manifestações favoráveis à petista. Na saída do plenário, após a votação, foi recebida com abraços por assessores e apoiadores.
— Foi feita a justiça. Saio desse processo com a cabeça erguida e com a certeza que seguirei mais fortemente com o meu trabalho, nos bairros, fazendo aquilo para o qual me elegeram. Não consigo identificar quando ocorreu a virada no jogo, mas a verdade com que todas as falas foram feitas ajudou para que a mudança ocorresse — afirma.
A petista foi alvo da abertura de um processo disciplinar na Comissão de Ética Parlamentar do Legislativo caxiense, cuja representação foi solicitada pelo vereador Mauricio Marcon (sem partido). A denúncia foi protocolada após discussão entre Estela e Marcon, na qual a petista chamou o colega de "machista, racista e homofóbico" durante a sessão do dia 20 de julho deste ano.
A fala mais contundente após o resultado foi do vereador Marcon. Ao Pioneiro, disse que renunciaria ao cargo de presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Câmara. Pela tarde, protocolou o pedido de renúncia, encaminhado ao presidente da Casa, Velocino Uez (PDT). Ele também pediu para deixar o colegiado – o que deveria ocorrer no final do ano com a troca da Mesa Diretora e das demais comissões do Legislativo. Por ser parte envolvida, Marcon não integrou a subcomissão criada para analisar o caso de Estela. Com o resultado, esse foi o quarto processo arquivado somente neste ano pela comissão.
— Só tenho a lamentar o que ocorreu. Fomos acometidos por infâmias, palavras jogadas ao vento, de crimes que eu jamais cometi. Vou renunciar à comissão porque não se tem seriedade, só se pensa em salvar a própria pele. O vereador Muleke (Wagner Petrini, PSB), por exemplo, fez a defesa da Estela, mas a gente sabe que foi por uma troca que aconteceu porque o PT votou para não abrir a investigação contra ele e agora foi retribuído. Esse toma-la-dá-cá, essa política nojenta, que a gente vê há tanto tempo no nosso país, se reflete aqui também, não só em Brasília — disse.
O vereador também classificou a votação como um “ato covarde”. Durante a sessão, enquanto o advogado Lúcio Costa defendia Estela, Marcon se dirigiu até a Mesa Diretora da Câmara, quando interrompeu o discurso da defesa alegando que o advogado estava imputando novamente os crimes contra eles. A sessão precisou ser suspensa por alguns minutos pelo presidente da Câmara, que retornou em seguida com a continuidade da manifestação do advogado.
Mais tarde, disse estar sem ânimo para seguir o mandato.
— A gente desanima e pensa se não é melhor tocar a nossa vida e deixar que os maus conduzam a política, porque parece que é assim que tem que ser.
Virada no jogo
Se Marcon saiu enfraquecido do debate, com diversas declarações contrárias dos colegas, a bancada do PT, em especial a vereadora Denise Pessôa (PT), ganhou força. A petista assumiu a segunda parte da defesa de Estela no plenário e discursou, durante cerca de 10 minutos, para convencer os vereadores a votar contra o parecer. Em tese, argumentou que a fala de Estela, que chamou Marcon de “racista, machista e homofóbico” durante sessão em julho, não foi um descontrole da vereadora, mas uma reação acalorada frente às agressões que sofre.
Entre os parlamentares, há o entendimento de que a fala de Denise, que está no quarto mandato, foi fundamental para virar o jogo em favor da colega – no início da sessão, a tendência era de acolhimento do parecer contra Estela. A vereadora Marisol Santos (PSDB), durante declaração de voto, manifestou que havia mudado de decisão (leia mais abaixo).
— Acredito que o debate no plenário reverteu votos porque foi possível aprofundar mais o que estava sendo discutido. Sabíamos que o debate estava muito interno, na Comissão de Ética, e no plenário mostramos maturidade que permitiu que alguns votos fossem decididos minutos antes — afirmou Denise.
Durante a defesa, Denise apresentou imagens de tela com postagens publicadas nas redes sociais de Marcon, que contém também comentários de outros internautas contra Estela e os demais vereadores da bancada petista. Disse que já foi chamada de “descontrolada” por fazer um discurso mais enfático.
— Confesso que, no início desta legislatura, com 13 anos de mandato, que nunca passei por esses tipos de ataques baixos. Passei por impeachment, passei por muita coisa na minha história política e sempre fui respeitada. Mas esse tipo de ataque eu nunca tinha passado. É um ataque rasteiro e me fez ficar muito abalada. Eu tinha náusea em lembrar que tinha sessão, que tinha que conviver com colega vereador. Hoje eu consegui ressignificar isso e se transformou em força interna.
Outra fala que chamou a atenção durante a sessão foi do vereador Clovis Xuxa (PTB). Além de votar a favor de Estela, o parlamentar, que é da mesma base eleitoral da petista, no bairro Serrano, se dirigiu a Marcon e disse que o vereador é contra quem vem da periferia.
— Vereador, eu sei que o senhor é contra a minha pessoa também. Vejo que, quando estou falando, o senhor fica rindo. Porque nós, da periferia, não falamos a mesma palavra sua. Você mora no Centro e não consegue identificar as pessoas da periferia. Eu gostaria que o senhor fosse na periferia e fosse um dia saber o que é uma pessoa contar o dinheiro da passagem para pegar um ônibus para ir trabalhar.
Mais manifestações:
:: Wagner Petrini (PSB)
“Precisamos cultivar outras formas de conviver, de saber diferenciar a opinião de um e de outro. Porque viver é conviver e saber respeitar as diferenças. Já passei por essa situação e fui muito pressionado naquela ocasião, pelo meu colega Marcon. Mas a sua postura é levemente agressiva. Muitas vezes, com todo o respeito, quando você acusa ou fala de algum caso de outra pessoa, você é firme, forte. Quando você precisa se defender, acaba tendo um outro comportamento”
“Se fosse outro vereador no lugar da vereadora Estela, o Sandro Fantinel, vereador Bressan, será que seria o parecer por 30 dias? Eu acho que 30 dias é um remédio muito amargo e acaba prejudicando não só a vereadora, mas toda a população”
:: Marisol Santos (PSDB)
“Tem momentos incríveis na vida do parlamento. Mas tem outros momentos, como estamos vivendo hoje e naquele dia que nos trouxe até aqui, que são lamentáveis. Aquela havia sido a sessão mais triste que eu tinha vivido até então”
“Lamentei a situação aquele dia e lamento muito a situação de hoje, de ter que estar aqui e votar esse parecer, o que nos coloca numa posição. De um lado trinta dias, que é uma pena exagerada na minha opinião. E do outro o arquivamento, e ficamos em dúvida, porque considero brando diante das palavras, apesar de terem sidas sem intenção, segundo a vereadora. Eu preferia não ter que votar. Preferia que a comissão tivesse optado por uma advertência por escrito. Eu cheguei nessa sessão pensando de uma forma e saio pensando de outra. Trintas dias é muito tempo”
:: Maurício Scalco (Novo)
“Muito se fala da imunidade parlamentar. Mas podemos debater e expressar nossas opiniões sobre o tema que está sendo trazido à Casa. O fato que ocorreu aqui, que presenciei, eu estava entre as duas pessoas envolvidas no conflito, não tinha nada a ver com o assunto discutido nessa Casa. Eles dois não estavam discutindo ideias e fora do contexto. Temos que manter a ordem. A conduta fora, em redes sociais, não me importa. Dentro precisa ter respeito ao Parlamento”
:: Sandro Fantinel (Patriota)
“Houve a ofensa, existe a prova e deve existir uma punição. Se a punição é mais grave, a culpa não é minha. Mas deve existir uma punição. Poderia ser mais branda? Poderia. Poderia ser pior? Poderia. Um precedente da não imputação sobre aquilo que aconteceu vai permitir que coisas muito piores aconteçam dentro dessa Casa sem nenhuma punição”
:: Como foi a sessão:
A sessão começou com uma questão de ordem da vereadora Denise Pessôa (PT), que solicitou que a resolução do processo disciplinar encaminhada pela comissão seguisse o mesmo rito de outras resoluções do Legislativo, que prevê duas discussões e votação, e não uma única discussão e votação, como foi o caso desse processo.
A questão de ordem foi encaminhada para votação em plenário, mas terminou empatada com 11 votos favoráveis ao pedido da bancada do PT e 11 votos contrários. Com o empate, o presidente da Câmara de Vereadores, Velocino Uez (PTB), precisou votar e desempatou a votação com decisão contrária ao pedido da vereadora Denise, seguindo, segundo ele, parecer da assessoria jurídica do Legislativo.
Após a defesa, Marcon pediu que também tivesse os mesmos 20 minutos para defesa. A sessão foi suspensa para análise do regimento interno e também por problemas técnicos. No retorno, durante votação, a maioria rejeitou o pedido de Marcon.
Como votaram:
Estela e Marcon, por estarem envolvidos no processo, não votaram. O presidente da Câmara vota apenas em caso de empate.
SIM (8)
- Adriano Bressan (PTB)
- Alexandre Bortoluz (PP)
- Elisandro Fiuza (Republicanos)
- Gladis Frizzo (MDB)
- Maurício Scalco (Novo)
- Olmir Cadore (PSDB)
- Ricardo Daneluz (PDT)
- Sandro Fantinel (Patriota)
NÃO (12)
- Gilfredo de Camillis (PSB)
- Clovis de Oliveira (PTB)
- Denise Pessôa (PT)
- Felipe Gremelmaier (MDB)
- José Dambrós (PSB)
- Juliano Valim (PSD)
- Lucas Caregnato (PT)
- Marisol Santos (PSDB)
- Rafael Bueno (PDT)
- Renato de Oliveira (PCdoB)
- Tatiane Frizzo (PSDB)
- Wagner Petrini (PSB)