O sumiço de Daniel Guerra desde que foi cassado da prefeitura de Caxias do Sul, em dezembro de 2019, facilitou para os seus opositores, que não só assumiram o poder no governo tampão de Flávio Cassina (PTB) em 2020, como se reelegeram no mesmo ano. A própria reaparição temporária de Guerra na campanha de Júlio Freitas (Republicanos) na disputa ao Executivo no ano passado foi longe dos holofotes.
A derrota no pleito significou também a derrota do projeto de cidade de Guerra, que desde então sumiu novamente das aparições públicas e se nega a falar com a imprensa. Acontece que, progressivamente, movimentos da atual administração, de Adiló Didomenico (PSDB), resgatam ou afrontam bandeiras do ex-gestor. Começou com a reformulação do edital de concessão do transporte coletivo. Em 2019, o Governo Guerra buscou estabelecer termos na licitação para garantir ao menos duas empresas para administrar o serviço. Obteve quatro empresas interessadas. Já as administrações de Cassina e Adiló ajustaram o edital, que, em 2021, atraiu apenas uma empresa, a própria Visate, que reassumiu o serviço, com garantia de aumento da passagem. Pouco antes da renovação do contrato com a Visate, Adiló também havia apresentado projetos, aprovados pela Câmara, em que isentava a concessionária do pagamento de ISS — benefício que havia sido cessado durante a administração de Guerra —, além de reduzir benefícios para professores, funcionários de escolas e passe-livre aos domingos.
Tema de apelo popular e um dos motivos da eleição de Guerra, o transporte público gerou desgaste inicial no Governo Adiló, que, no entanto, acabou se beneficiando estrategicamente ao apresentar as propostas impopulares já no início do seu governo.
Com o passar dos meses, a manutenção da reclusão de Daniel Guerra e da maioria dos seus apoiadores, a administração e a Câmara de Vereadores voltaram a pautas guerristas. A mais simbólica foi a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem, que prevê contratação de novos cargos em comissão (CCs) e retorno parcial das verbas de representação. No Governo Guerra, as verbas de representação haviam sido retiradas para a metade dos CCs. O número de cargos também foi reduzido.
Menos impactante politicamente, mas tão simbólica quanto, foi o recente anúncio da volta de Caxias à região turística da Uva e do Vinho e saída das Hortênsias. No Governo Guerra, o assunto também gerou polêmica após anúncio de mudança estratégica de identificação com a região tradicionalmente ligada a municípios como Gramado e Canela.
Porta-voz nas redes sociais
O silêncio de Daniel Guerra é compensando pelo seu homem de confiança, peça-chave do governo e ex-candidato a prefeito, Júlio Freitas. Júlio diz que conversa frequentemente com Guerra sobre a atual situação do município. Nas redes sociais, faz publicações criticando projetos da prefeitura e posicionamentos da Câmara.
— Tudo o que estão destruindo do que estávamos construindo a duras penas e têm prejudicado a nossa população nos indigna e nos entristece. Como não se indignar com a volta da verba de representação que havíamos extinguido? Como não se indignar com o aumento do número de CCs, ao passo que a Câmara não aprovou o nosso projeto de extinção de 50% destes cargos? — questiona Júlio.
O ex-secretário de Gabinete de Guerra, e também da Saúde, se refere a projeto apresentado pelo ex-prefeito em dezembro de 2017 que previa a exclusão de metade dos cargos em comissão das nomeações do final do governo Alceu (296). Se aprovado, ficaria estipulado teto de 147 CCs na prefeitura _ sendo excluídos, portanto, 149. Ao longo da legislatura anterior, o projeto não foi remetido à votação e acabou arquivado. Hoje, por exemplo, o Governo Adiló conta com 161 CCs — número inferior ao do final do governo Guerra, de 172 (iniciou a gestão com 118).
As medidas referentes ao transporte coletivo, entretanto, continuam sendo a principal oposição do ex-governo:
— (Apresentaram) Uma maquiagem de licitação, onde só a Visate se interessou. A passagem passa para R$ 4,75 e uma concessão que vai durar mais 25 anos. Ele ainda manda projeto para a Câmara, aprovado pelos nobres vereadores, isentando a Visate de pagar ISS, retira o benefício do transporte gratuito dos idosos de 60 a 65 anos e extingue o transporte gratuito para professores da rede municipal e estadual. Não vejo Câmara mais surda, muda e cega do que a atual legislatura _ dispara Freitas.
"Sumiço é vergonha"
Atual vice-líder de governo, Adriano Bressan (PTB) participou em alguns momentos da legislatura anterior, quando era suplente. Vivenciou, portanto, parte do Governo Guerra. Para Bressan, o desmonte das ações do ex-governo é válido. O petebista nega a principal crítica dos guerristas, quanto a suposto favorecimento da Visate.
— Nosso edital deu oportunidade de qualquer empresa participar. Acompanhamos e vimos que só a Visate teve interesse, e a Visate é referência no Brasil. A questão das gratuidades e ISSQN não foi para beneficiar a Visate, mas para não aumentarmos o repasse para o usuário — argumenta.
Também defende a aprovação da LDO:
— Votamos previsão para criação de dois cargos de CC. O ano que vem, tem de voltar em pauta, o Executivo tem de mandar ao Legislativo e a gente aprovar se for o caso. E os 25% para os subprefeitos foi a vergonha, ele desqualificou todo o nosso interior. Agora voltando com 25% da verba representativa vamos qualificar essas pessoas.
A condução do ex-governo, para Bressan, é o que justificaria a reclusão de Daniel Guerra.
— O sumiço dele é a vergonha, não pode nem caminhar nas ruas de Caxias. Um governo que atrasou a nossa cidade.
Apropriação de kit escolar
Outro elemento de colisão entre os governos, desta vez não de reversão, mas sim de apropriação, foi a apresentação do projeto que prevê destinação de uniformes escolares para a rede municipal de ensino. Em 2019, Guerra protocolou proposta de doação de uniformes e materiais escolares para alunos _ projeto que foi apensado ao do ex-vereador Rodrigo Beltrão (PSB, mas na época filiado ao PT), de teor semelhante. Até final da legislatura passada, entretanto, o projeto não foi remetido a plenário. Em julho deste ano, Adiló apresentou proposta de destinação de uniformes e, em menos de dois meses, obteve aprovação da Câmara.
— Ficou claro que a intenção era prejudicar o prefeito Daniel Guerra. O que foi aprovado agora é um arremedo do nosso projeto. O nosso, além de fornecer todo o uniforme para inverno e verão a todos os nossos alunos, também fornecia o kit escolar completo. O projeto de lei que enviamos para a Câmara de Vereadores era muito mais amplo, completo e beneficiava muito mais as nossas crianças — defende Júlio Freitas.
Bressan rebate:
— O projeto daquele governo veio num valor de R$ 22 milhões e hoje conseguimos comprar por R$ 9 milhões. Votamos com responsabilidade. Sem contar que, na época do Guerra, o Executivo sequer foi apresentar ao Legislativo. Hoje o governo apresenta e discute com vereadores da base e de oposição.
O kit aprovado pela Câmara é composto por duas camisetas, uma bermuda, uma calça, uma jaqueta forrada, um par de meias e também um par de tênis.
O DESMONTE
Transporte coletivo
- Guerra buscou impedir aumento do valor da tarifa no seu governo. Entre imbróglios judiciais, a passagem ficou por R$ 4,20. No edital de concessão do novo contrato de operacionalização do serviço, a gestão tentou estipular teto de R$ 4,20.
- Adiló prometeu reduzir a passagem para R$ 3,50. Acabou cedendo para R$ 4,65 e, a partir de contrato renovado com a Visate, tarifa aumentou para R$ 4,75.
- Guerra prometeu fim do "monopólio". Apresentou edital com previsão de duas empresas assumindo transporte. Quatro empresas apresentaram propostas.
- Adiló apresentou edital com apenas uma empresa para gerir o serviço. Apenas a Visate se apresentou.
- Guerra cessou benefício de isenção de pagamento de ISSQN pela concessionária, determinado durante governo de Alceu Barbosa Velho (PDT).
- Adiló retomou benefício para a Visate.
CCs
- Guerra reduziu, no início do governo, os 296 CCs de Alceu para 118. Ao longo da gestão, aumentou gradativamente para 172. Ex-prefeito defendia enxugamento.
- Adiló defende aumento de CCs em relação ao Governo Cassina (está impedido de nomear novos em razão de determinação federal). Atualmente, está com 161 CCs.
- Guerra apresentou projeto que determinaria por lei redução de 50% de cargos em comissão na administração — com teto de 147. Projeto nunca foi votado pela Câmara.
- Adiló apresentou previsão de nomeação de dois novos CCs na previsão da LDO. Foi aprovado.
Verbas de representação (VR)
- Guerra encaminhou projeto para a Câmara e obteve rara aprovação dos parlamentares ao determinar extinção da verba de representação de 50% dos cargos em comissão da administração.
- Na LDO do próximo ano protocolada pelo Governo Adiló, está previsto retorno da VR para 11 subprefeitos, coordenador distrital, controlador-geral e promoção de 72 FGs.
Região turística
- Medida de repercussão no Governo Guerra foi a decisão de mudar a identificação turística de Caxias da tradicional Uva e Vinho para as Hortênsias.
- Recentemente, a administração de Adiló anunciou retorno à Região Uva e Vinho.
Uniformes escolares
- Guerra apresentou, em 2019, projeto que previa a destinação do kit de material escolar e de uniforme escolar para a rede municipal de ensino, em investimento estimado de R$ 22 milhões. Projeto nunca foi votado.
- Adiló apresentou proposta de doação de uniformes (não incluiu material escolar) para alunos da rede municipal. Em menos de dois meses, projeto foi aprovado. Investimento será de R$ 9,2 milhões.