Chegando a quase um ano das eleições (faltam pouco mais de 14 meses), o Brasil já vive tempos de apreensão, sendo parte causada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que acusa o sistema eleitoral de fraude e até já manifestou resistência de deixar o poder caso perca as eleições sob um sistema eleitoral sem a implementação do voto impresso, sua maior bandeira política do momento. Para falar sobre o comportamento do presidente e as implicações na política nacional, o Pioneiro conversou com o presidente da OAB _ subseção de Caxias do Sul, Rudimar Luis Brogliato. Confira trechos da entrevista:
A polêmica mais recente é a bandeira do presidente contra as urnas eletrônicas. O que pensa?
Eu, por conta da OAB, não só agora como presidente, mas em cargos anteriores, sempre participei como fiscal do processo eleitoral e há total transparência no procedimento do cartório eleitoral. A gente participa e todos os partidos são convidados a participarem de todos os procedimentos e, durante todo esse tempo, nunca teve nenhum elemento de fraude. Quando coloca em dúvida todo esse procedimento que existe há mais de 20 anos, ele está deslegitimando toda a situação anterior e futura. Isso é grave, porque faz de forma muito leviana, pois se tivesse algum indício ou situação concreta de que houve algum problema, mesmo que em uma localidade, (ele) apresentaria, mas não. Lá em 2020, ele disse que ia apresentar provas de fraudes e, mais de 500 dias depois, ainda não apresentou. Se ele não fosse presidente, não teria problema, mas alegar fraude de outro poder, que não está subordinado à Presidência, é gravíssimo, ultrapassa a fronteira da harmonia entre poderes.
É uma acusação que se repete e até reverbera, mesmo, como o senhor disse, não tendo sido apresentada nenhuma prova.
A gente tem uma expressão no direito que é a prova diabólica, a impossível de ser feita, que é a prova negativa. Muito usado em processo criminal, de que produzir prova negativa, de que não tem fraude, é algo negativo, pois tem provar algo que não existe. Então, quem faz a acusação tem dever de provar, então se ele diz que tem fraude, ele tem que provar ou dar indícios onde houve fraude. E com tudo isso ele só coloca em descrédito (sistema eleitoral), pois ele tem popularidade e acreditam que o presidente esteja falando a verdade. Esse é o problema. Então, se ele está fazendo acusação, ele tem dever de comprovar isso.
Mas o senhor acha que a proposta de voto auditável é válida ou desnecessária?
É a maior bobagem, pois não se fala nem o que seria feito. Digamos que o eleitor saía com voto impresso, se suspeite de fraude em determinado local, aí como vai proceder? E o que seria feito se a pessoa dissesse que jogou fora o voto? Se as pessoas não guardam nem o título e o comprovante... Segundo, o efeito disso é muito pelo contrário do que se propõe, pois seria uma forma de ter controle de quem votou. Digamos que a gente tenha uma milícia, mais fortes no centro do país, que pede a comprovação do eleitor de quem votou, ou mesmo um empregador, seria a volta do coronelismo. Qualquer um poderia conferir em quem votou, haveria maior compra de votos também.
Esse comportamento contestado, mas nunca responsabilizado, do presidente pode ser precedente?
O Congresso teria que dar sinal para a sociedade de que não tolera isso, isso que a gente esperaria. Quem estuda história vê que, tanto o Nazismo quanto ditaduras militares nunca aparecem do dia para o outro, são sempre crescentes, a construção de um pensamento. Quando Hitler tomou o poder não foi de um dia para o outro, foi a construção de um pensamento. Quem é defensor da democracia, e a OAB também tem esse papel, não pode aceitar esse tipo de coisa. É o que nos move a ser contrários às manifestações do presidente, não deixar que o movimento contra as instituições cresça.
Possibilidade de processo de Impeachment do Bolsonaro, tem sustentação?
A OAB nacional está fazendo estudo interno para definir posicionamento. Na minha visão particular, sim, acho que estamos numa situação bastante complicada, e várias atitudes do presidente podem ser consideradas crimes de responsabilidade, tanto a forma de condução da pandemia e notadamente algumas manifestações contra a democracia colocando em risco o processo eleitoral, de forma leviana pelo cargo que ocupa. A minha opinião particular é de que há elementos suficientes para abertura de processo de impeachment.
Mas o senhor vê as instituições como enfraquecidas no momento?
Toda essa situação (do presidente) é muito como tosa de porco: muito grito e pouco pelo. As instituições estão vendo que o presidente faz uma série de colocações e a maioria nem está sendo levada a sério, de tão absurdas que são. Acho que as instituições têm garantido a normalidade. Uma declaração de um presidente que fala que não vai ter eleições ou que não vai entregar o poder, se fossem levadas a sério, verificaríamos isso na Bolsa de Valores e nem tem sido mais considerado, de tão absurdas que são as colocações. Acho que muito efeito das instituições, talvez a população tenha percebido que um golpe não teria eco fácil no Judiciário, no Congresso, acredito que não tenha nem esse eco nos quartéis.
Qual é a importância do STF neste momento e como avalia a indicação de André Mendonça (para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello)?
O STF tem uma importância fundamental neste momento, pois é o garantidor da Constituição Federal. A nomeação do André Mendonça, por ele ser advogado-geral da União, não teria problema, é prerrogativa do presidente fazer a indicação. O problema é muito mais pelas manifestações do próprio Mendonça, do comprometimento que tem tido, colocando a Advocacia-Geral da União (AGU), que seria do Estado, para fazer vários movimentos em favor do presidente da República, e isso nos preocupa muito.
Localmente, tivemos a condução de um vereador à delegacia de polícia, o que poderá resultar na terceira abertura de processo na Comissão de Ética este ano. Acha que é um reflexo da polvorosa do país?
Não só o país, o mundo inteiro passa por uma transição, seja por causa das redes sociais, agravado pela pandemia, por uma crise econômica não só local, mas também mundial, e isso acirra bastante os ânimos das pessoas. Momento deveria ser de mais calma, mais ponderação. Há bastante inconformismo nas pessoas, mas se espera que os vereadores, em vez de alimentar mais isso, tenham a serenidade de baixar o tom, amenizar, acho que boa parte dos vereadores tem feito um pouco isso, embora subam o tom eventualmente. Mas esse é o papel, de acalmar a população, e não colocar mais lenha na fogueira.