Desde a morte de Matheus da Silva dos Santos, 21 anos, por disparo de arma de fogo após abordagem na madrugada do último domingo (6) da qual participou a Guarda Municipal (GM), a prefeitura de Caxias pouco se manifestou publicamente sobre o assunto. Nesta quarta (9), no entanto, três secretários e o próprio diretor da corporação participaram de reunião promovida por três comissões da Câmara de Vereadores para debater o fato, a atuação e as atribuições da Guarda Municipal. Representando o município, participaram os secretários de Segurança Pública e Proteção Social, Paulo Roberto Rosa da Silva; de Urbanismo, João Uez; de Trânsito, Transporte e Mobilidade, Alfonso Willenbring Jr.; e o diretor da GM, Alex Kulman.
Comandaram a reunião pública a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, vereadora Estela Balardin (PT); o representante da Comissão de Legislação Participativa e Comunitária, Zé Dambrós (PSB); e o presidente da Comissão de Segurança Pública e Proteção Social, Alexandre Bortoluz (PP). Também participaram outros vereadores, dois representantes de motociclistas/entregadores (profissão exercida por Matheus) e a mãe e a irmã da vítima.
Praticamente unanimidade dos discursos foi a defesa pela Guarda Municipal e a cobrança por definir a responsabilização pela tragédia.
— Viemos nessa reunião porque precisamos de respostas. No dia do fato, a gente não teve suporte nenhum, ninguém nos ligou para avisar que meu irmão tinha morrido. Não tiveram contato com nós, foi ligado para a mãe de um dos meninos que estava junto, ela foi até em casa, falou com minha mãe e que a informação era de que o delegado estava coletando depoimentos e que o caso do meu irmão era delicado — cobrou a irmã de Matheus, Milena Brito.
A mãe, que se pronunciou logo em seguida e também cobrou justiça.
— Pensei que Matheus tinha bebido alguma coisa e pegaram ele na Fiscalização. Cheguei na delegacia, perguntei por ele, disseram que o delegado estava colhendo depoimento. Um colega dele disse que Matheus tinha levado tiro (...). O quarto dele fica do lado do meu, eu olho a cama vazia, as roupinhas dele que eu estava lavando e ele não vai vestir. Não quero ajuda, só quero que seja feita justiça — relatou emocionada a mãe da vítima, Terezinha Marilete da Silva.
De parte das autoridades, houve o comprometimento com responsabilizações, conforme resultados do inquérito policial.
Mãe confronta secretário
Terezinha Marilete da Silva: Se tem esse treinamento (mencionado por Paulo Roberto Rosa), meu filho não tinha arma, não tinha nada. Ele se apavorou e fugiu, o treinamento é matar?
Paulo Roberto Rosa: Em nenhum momento o treinamento é matar.
Terezinha Marilete da Silva: Esses então não estavam treinados?
Paulo Roberto Rosa: Estão totalmente treinados, é uma situação que aconteceu em cima da fuga, de uma irregularidade, a senhora mesmo menciona, eles não estavam armados no momento...
Terezinha Marilete da Silva: Para eles revidar, atirar, se eles estivessem armados, tudo bem, já vi abordagens no bairro da Polícia Militar, eles só acompanharam, não fizeram nada, em momento nenhum atiraram. É isso que não consigo entender, para que atirar, se ele não estava armado? Não estava armado
Paulo Roberto Rosa: Realmente, não houve projeção de nenhum tiro, de atirar em relação à Fiscalização de Trânsito, que foi que chegou primeiro ao local e houve alguma falha ou alguma situação naquele momento, todos somos seres humanos e estamos sujeitos ao erro, mas existe uma situação desse carro do seu filho, infelizmente, dar uma ré e vir em direção à Guarda Municipal. Mas para dizer à senhora quanto ao questionamento, existe um inquérito policial e não quero fazer juízo de valor, pois tem de ser aprovado pela Polícia Civil com maior transparência possível e, caso alguns dos envolvidos sejam responsabilizados, serão responsabilizados.
Os pontos de vista de cada um
Durante sabatina de vereadores, as autoridades responderam sobre os motivos que levaram ao deslocamento (do local da operação original, na Rua Moreira César) para "acompanhamento" (termo usado pelo secretário de Segurança Pública) ao veículo conduzido por Matheus. O questionamento principal é sobre o envolvimento de Guarda Municipal, Fiscalização de Trânsito e Secretaria Municipal de Urbanismo na perseguição, enquanto policiais militares e civis permaneceram no local de origem da ocorrência _ um bar com denúncia de aglomeração em que era feita fiscalização pela força-tarefa da Operação Dispersão.
Confira abaixo as versões de justificativa para o procedimento adotado na ocorrência antes da morte do jovem.
O que foi dito
"A Brigada Militar permaneceu no local, tendo em vista que ficaram cerca de 10 fiscais, mais fiscais de trânsito, bem como Polícia Civil fazendo procedimentos que achassem necessário conforme solicitações. (...) Estávamos presentes com 12 agentes ligados à área da fiscalização, divididos em quatro veículos, um da Secretaria do Meio Ambiente, um da Vigilância Sanitária e dois veículos da fiscalização do Urbanismo. Desses, somente um deslocou para verificar o que estava ocorrendo no que diz respeito ao sinistro. Os demais e todos os fiscais permaneceram junto ao estabelecimento que estava sendo fiscalizado na Moreira César. Logo depois, foi informado que o veículo que Matheus conduzia teria rodopiado. (O) agente (da SMU) embarcou na viatura e se deslocou ao local para ver o que estava acontecendo, até porque em seguida tinha de ir para outro local, pois tínhamos mais uma denúncia para verificar de festa clandestina, em Forqueta, então foi por isso que a viatura da SMU estava presente no local. (...) Por uma questão de verificar o que estava ocorrendo no local, (a viatura da SMU) se dirigiu até o local a fim de verificar quanto tempo ia demorar para poder se deslocar até outro local, porque (a SMU) é que faz controle das chamadas". João Uez, secretário Municipal de Urbanismo
"Naquele momento, onde aconteceu e como houve solicitação dos servidores municipais de trânsito, quem saiu no primeiro momento foram eles, no segundo momento os dois servidores do SMU, não digo perseguição, mas acompanhamento do jovem. Mas naquele momento talvez a situação da aglomeração sendo conduzida e tendo quantidade grande de pessoas, a Brigada Militar estava (ficou) ali naquele momento." Paulo Rosa, secretário de Segurança Pública
"De fato, quem pediu apoio foi nosso pessoal da Secretaria de Trânsito, porque o pessoal da Secretaria de Trânsito não tem condição de abordagem. Era o Matheus com seus amigos sim, mas poderia tranquilamente ser qualquer outra situação. Eles não têm orientação e não fazem esse tipo de abordagem, principalmente durante a noite. (...) A fuga de veículos não é comum, mas quando acontece não ocorre de se ir atrás para abordar. A intenção inicial era identificação do veículo, conseguir condições de leitura da placa. Porque, conforme as declarações, no local onde se deu início, tinha duas infrações gravíssimas cometidas, que é desobediência por ordem de parada e fuga do local transitando pelo passeio público. Isso, por si, era motivo para qualquer suspeita de qualquer ilícito em andamento. Os agentes que saíram de imediato pediram apoio, pois jamais fariam abordagem numa situação como essa. Poderia ter sido a PM, a Polícia Civil, mas foi uma guarnição da Guarda Municipal que se destinou inicialmente ao apoio. Seguiram juntos até conseguir identificação da placa, mas, se não tivesse a Guarda Municipal, não teriam seguido, pois não temos preparo técnico, nem porte de arma e nada que nos defenda, a não ser o colete". Alfonso Willenbring Jr., secretário de Trânsito
Sobre o silêncio do prefeito Adiló
"Prefeito Adiló através da nota se posicionou, não ficou ausente da manifestação que deveria ter. Fez o que compete a um prefeito municipal e delegou aos secretários a função (...). Sinto no coração do prefeito que ele está sensibilizado, chocado e triste com o que aconteceu, mas está acompanhando, torcendo e querendo que os fatos sejam apurados e se houve culpados que realmente recebam as penalizações devidas." Vereador Olmir Cadore (PSDB), líder de governo na Câmara
Postura da GM
"Eu fico pensando que o Governo Guerra envenenou parte da Guarda. O topete de alguns é até meio parecido. A primeira coisa que precisa em muitos deles é um choque de humildade, a sociedade toda sabe disso. É um trabalho importantíssimo, mas temos de questionar algumas coisas. (...) É importante a Guarda estar presente, mas essa ação que falhou tinha Civil, Brigada, Trânsito, Guarda, de quem era o comando? A Brigada tem comando sobre a Guarda numa ação como essa?", Vereador Zé Dambrós (PSB)
"A população de Caxias não tem interesse no desarmamento da Guarda, ela tem o interesse de ser respeitada pela Guarda, principalmente nessas abordagens, blitz, porque não sabem abordar. (...) Guarda foi criada para atender escolas, UPAs, hospitais, e hoje vemos ela fazendo papel de polícia de frente." Jonatas de Borba, representante dos motociclistas/entregadores
Armamento da GM
"O uso de armamento letal está amparado na legislação vigente. A lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003 dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição (...). Posteriormente, teve um decreto, de 2019, que regulamenta a lei 10.826 (...), então toda arma adquirida pela GM está dentro de dispositivo municipal, amparado por lei (...). É uma situação que está dentro da legalidade e não tem como voltarmos atrás." Paulo Roberto Rosa da Silva, secretário de Segurança
"Algumas situações que seriam impossíveis de ser executadas sem utilização da arma de fogo, que é proteção do agente e o que faz o agente proteger as demais pessoas. A GM retirou quatro armas de fogo das ruas neste ano, 18 foragidos foram tirados de circulação neste ano (...); 20 veículos recuperados em situação de roubo/furto, 25 pessoas conduzidas à delegacia por porte de entorpecente (...). A Guarda é fundamental, sem a Guarda Municipal os serviços municipais não funcionam. Essa é a importância da Guarda Municipal: andar armada e proteger a comunidade e colegas servidores." Alex Kulman, diretor da GM