Apesar de generalizados, os impactos econômicos da pandemia são proporcionais às classes sociais. Assim, o drama para as esferas mais pobres acaba sendo naturalmente maior. Em Caxias do Sul, mais de 67 mil pessoas inscritas constam no Cadastro Único com ganhos de meio salário mínimo (equivalente a R$ 550) até três salários mínimos (R$ 3,3 mil) de renda bruta familiar. Desse grupo, mais de 9 mil famílias vivem em situação de extrema pobreza, com renda mensal de até R$ 89. Número que é crescente desde o início da pandemia, conforme aponta a Fundação de Assistência Social (FAS). Com base nesse cenário, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania protocolou na Câmara de Vereadores na última semana um projeto de lei que autoriza a administração do município a criar o Programa Municipal de Renda Complementar Emergencial.
A proposta sugere instituir benefício mensal para famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social no município. Estela Balardin (PT), idealizadora do projeto, que assina conjuntamente com os outros quatros parlamentares da comissão, ressalta que a ideia é debater com o Executivo formas de viabilizar o subsídio às famílias necessitadas. Por isso, a proposição não sugere valores que poderiam ser destinados, também para não correr o risco de a matéria ser considerada inconstitucional. No entanto, Estela afirma que haverá uma sugestão formal a ser apresentada ao próprio prefeito.
— É de encargo da prefeitura o quanto eles disponibilizariam para cada família. Mas apresentaremos diretamente ao prefeito indicação de valor de até R$ 150 para famílias com até dois filhos e R$ 250 para famílias com dois filhos ou mais — informa.
A prioridade, segundo Estela, seria tentar amenizar a situação de casos mais graves, o de famílias que se enquadram em condição de extrema pobreza.
— O foco principal seria para as famílias em extrema pobreza, mas o ideal seria também auxiliar famílias que não estão em extrema pobreza, mas passam por extrema dificuldade. Acredito que a FAS é que poderia fazer a melhor avaliação técnica para definir quem receberia — aponta.
O benefício duraria até o fim do período de calamidade. O projeto foi protocolado na última semana e se encontra sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL) da Câmara.
NOVO PERFIL DE FAMÍLIAS
A presidente da FAS, Katiane Boschetti, reconhece a crescente procura por inscrições no Cadastro Único desde o início da pandemia.
— A gente tinha antes da pandemia, em dezembro 2019, em torno de 23,5 mil famílias em situação de perfil Cadastro Único. Em dezembro de 2020, passou para quase 25 mil famílias. E agora, final de março, já são mais de 26 mil famílias — comenta.
Ela explica que, no período, observou-se também o surgimento do perfil de vulnerabilidade temporária:
— As pessoas atendidas pela FAS são em vulnerabilidade social, mas tem uma nova vulnerabilidade, que é a temporária, pessoas que nunca precisaram da assistência, mas passaram a acessar o serviço, por questão do desemprego.
Possível impasse constitucional
Questionado sobre a viabilidade da proposta, o prefeito de Caxias, Adiló Didomenico (PSDB) foi categórico:
— Sempre que se faz uma indicação (trata-se de projeto de lei), teria que apontar de onde sairiam os recursos especialmente do orçamento do município, que é devedor, e muito. Portanto, é uma indicação de pouca eficácia.
Quando perguntado sobre a disponibilidade da administração em debater o assunto, Adiló afirmou que acredita que o projeto será considerado inconstitucional.
— Projeto desta natureza se torna inconstitucional. Além do que, não temos disponibilidade no orçamento livre — declarou.
Estela, no entanto, argumenta que a proposta foi elaborada com cautela jurídica justamente para o projeto não ser barrado por inconstitucionalidade, tanto que foi protocolado com cunho autorizativo, ou seja, não se tratando de uma imposição ao poder público:
— No momento oportuno, nós conversaremos com ele (prefeito) sobre o projeto. Antes disso, não pretendo fazer nenhum juízo acerca da boa vontade ou não dele. Evidentemente, ele ainda não se ateve à proposta, pois a confunde com uma indicação. Segundo, não torna inconstitucional, pois é um projeto de cunho autorizativo. Ou seja, não obriga o município a comprometer seu orçamento.
A petista também ressalta que, além do trâmite burocrático, o mérito da proposta deve ser considerado:
— Para além da burocracia legal de qualquer projeto, neste caso há que se observar que há uma demanda real. Quero crer que o prefeito não irá fechar os olhos pra ela.
Em seu artigo 5º, o projeto sugere que as despesas do Programa Municipal de Renda Complementar Emergencial corram "por conta das dotações próprias do orçamento municipal, destinadas, se necessário, através de crédito extraordinário".
A PROPOSTA
O QUE É
- Autoriza o poder público a implantar o Programa Municipal de Renda Complementar Emergencial para ajudar famílias em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade durante o período de pandemia.
- Quem assina: integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), Estela Balardin (PT), Denise Pessôa (PT), Clóvis de Oliveira (PTB), Elisandro Fiuza (Republicanos) e Renato Oliveira (PCdoB).
COMO FUNCIONARIA
- Complementação de renda para famílias em condição de vulnerabilidade social e econômica, inclusive famílias cujo principal rendimento bruto seja proveniente do trabalho informal, autônomo ou microempreendedor individual (MEI), através da concessão de subvenções econômicas mensais pelo período necessário para superação da crise emergencial, sem nenhum tipo de discriminação e segregação, cujo valor corresponda ao valor mínimo indispensável à subsistência das pessoas, enquanto perdurar a vigência da situação de calamidade pública.
- Teriam direito a benefício mensal emergencial as famílias que se enquadrarem nas seguintes disposições: inscrição no Cadastro Único no município, renda familiar mensal de até meio salário mínimo por pessoa, ou renda familiar mensal bruta de até três salários mínimos, além de residir no município de Caxias do Sul há no mínimo um ano.
- A prioridade de acesso ao programa será às famílias que não possuem renda, ou que aufiram menor renda entre os inscritos no Cadastro Único.
TRÂMITE
- Foi protocolado no dia 29/04 e, atualmente, encontra-se em análise da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL).