Uma queda de braço entre prefeitura de Caxias e o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) se arrasta desde o final do ano passado, quando vereadores da base e apoiadores do então governo de Flávio Cassina (PTB) apresentaram projeto de emenda à Lei Orgânica buscando modificar atribuições do órgão consultivo, o conselho. O PE-LOM 2/2020, assinado por 12 vereadores da legislatura anterior, incluindo os atuais prefeito Adiló Didomenico (PSDB) e a vice Paula Ioris (PSDB), visa suprimir a função do Compahc de emitir pareceres de liberação ou vedação de demolição ou reformas em prédios, monumentos e equipamentos urbanos com 50 anos ou mais. Na prática, a alteração tiraria a principal atribuição do conselho.
O projeto deve ser remetido em breve à votação no Legislativo. Desde o protocolo, em dezembro do ano passado, o Compahc busca reverter o posicionamento do governo, que, no entanto, nega a autoria da proposta. Ainda assim, a prefeitura diz estar disposta a encontrar meio termo junto ao conselho. Nesta semana, representantes do Executivo e conselheiros do Compahc se reuniram para debater o assunto.
— A reunião foi para buscarmos formas de convergir na preservação do patrimônio e na agilidade dos processos dos imóveis que não possuem valor histórico. Nós não podemos alterar a emenda, visto que se trata de um projeto de autoria da Câmara, sendo de sua competência — afirmou a secretária de Governo, Grégora dos Passos.
Grégora ressalta que será encaminhada uma proposta de alteração da lei ordinária que trata do patrimônio histórico ao Compach, para melhorar o fluxo e construir um "equilíbrio" entre as partes.
— Eles (governo) disseram que gostariam de compor uma situação para resolver esse assunto. Ficaram de mandar um termo e ver se conseguimos chegar a um denominador e disseram que não estão contra o patrimônio, mas que gostariam que não viesse a prejudicar pedidos (demolição, restauro, etc.) que têm entrado— comenta a presidente do Compahc, Ana Carla Hendler Gava Furlan.
O prefeito Adiló confirmou que o Executivo deve se reunir com o conselho em breve, mas informou que ainda não há data definida para esse encontro.
Envolvimento indireto do governo
Embora alegue que a matéria tem origem do Legislativo, os atuais mandatários assinaram a proposição, e a base governista recentemente reiterou o interesse da administração, quando requerimento do vereador Lucas Caregnato (PT) pediu baixa do projeto para exame pelo Compahc, mas acabou sendo rejeitado pela maioria dos parlamentares.
— O atual governo joga para o anterior a responsabilidade, mas o vice-líder do governo atual (Adriano Bressan, do PTB), assinou parecer favorável para suprimir essa função do Compahc e a própria rejeição do meu requerimento demonstra aceno total de que o governo corrobora com isso. Se não, teria votado no adiamento do projeto para fazer análise com o Compahc _ defende Caregnato.
O parlamentar informou que vai se reunir hoje com o Ministério Público para debater o assunto e que buscará todas as medidas cabíveis para "defender o patrimônio e garantir o respeito com as entidades constituídas", nesse caso, o Compahc.
O petista ainda contesta a suposta indicação por parte do município de que o órgão estaria travando a liberação de processos de demolição e reformas em imóveis de valor histórico:
— Não faz sentido essa alegação de que o Compahc cria obstáculos, sendo que a função dele é resguardar o patrimônio histórico. Não podemos sair autorizando demolição e reforma de bem antigo, sob pena do pouco que restou da memória e patrimônio da cidade se perder _ defende Caregnato.
Apesar do requerimento pedindo a baixa do projeto ter sido rejeitado, oito parlamentares foram favoráveis. E no dia 21 de maio, o Compahc apresentará, em audiência pública na Câmara, argumentação de defesa às atribuições do órgão.
"Nos causa estranheza essa agilidade"
Um embate prévio entre o Compahc e o atual prefeito quando ainda atuava como parlamentar pode explicar, em parte, a resistência do poder público em ampliar o debate sobre o tema. No passado, foi aprovado na Câmara projeto de lei ordinária de autoria do então vereador Adiló Didomenico, que aumentava para 75 anos a idade dos prédios sobre os quais cabia o parecer do Compahc. Isto é, restringia o universo de prédios históricos.
A legislação, no entanto, foi tornada sem efeito este ano por ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que ressaltou a necessidade dessa alteração se dar por meio de projeto de emenda à Lei Orgânica, o que foi então proposto novamente e tramita no Legislativo. A maior polêmica, contudo, se refere ao fato de em nenhum momento o assunto ter sido discutido com o Compahc.
— Nos causa estranheza (a intenção de insistir nesse processo). Se fez a coisa muito rápido, o processo todo, o empenho dessa lei foi muito rápido, não foram ouvidas pessoas que lidam com patrimônio, temos pessoas extremamente qualificadas — aponta a presidente do Compahc, Ana Carla Hendler Gava Furlan.
Para o vereador Lucas Caregnato, a situação expõe falta de diálogo do Executivo.
— O que eu escuto é "diálogo", Adiló e Paula se elegeram falando disso, mas quando se suprime uma das principais atribuições de um conselho municipal, me parece que se evidencia a falta de diálogo no encaminhamento. Ninguém questionou a presidente e nem os conselheiros sobre o tema — observa o parlamentar.
"DEMORA" CONTESTADA
A presidente do Compahc nega também as possíveis alegações da demora para emissão de pareceres.
— Não acho que a justificativa tenha fundamento. Não é uma verdade e vamos trazer isso para a audiência pública (do dia 21). O que causa dificuldade muitas vezes é com quem postula junto ao órgão, normalmente trabalhamos dentro do prazo de lei, mas o processo fica parado no setor anterior ao nosso, às vezes o processo vem incompleto, temos que solicitar informações e precisa voltar, às vezes o próprio requerente não junta os documentos necessários. Às vezes pode demorar mais, pode, mas é uma mentira dizer que o Compahc demore.