Na década que se encerrou, o Brasil viveu as manifestações de rua de 2013, a fragilização da esquerda e a ascensão da direita, impeachment de uma presidente da República, a Lava-Jato e a mudança de rumo no governo federal com a vitória de Jair Bolsonaro. Caxias do Sul passou por um período turbulento na política nos últimos quatro anos, registrando renúncia de vice-prefeito, impeachment de chefe do Executivo e mandato tampão. Em meio a acirramentos de uma sociedade dividida, a consolidação da democracia é, para o cientista político João Ignácio Pires Lucas, o maior desafio da próxima década.
— Como o Brasil é um país muito centralizado nacionalmente, a partir do que vem do governo federal acaba se vendo o que sobra para Estados e municípios. Politicamente, talvez o maior desafio seria uma nova fase do que se chamaria de democratização ou de consolidação da democracia. Hoje em dia, a democracia já não é um grande consenso. E para que ela possa permanecer, vai ter que avançar talvez com inovações, especialmente no âmbito da representatividade dos partidos, eleições e do próprio sistema governamental. Talvez tenha que passar por reformas importantes para que ela possa se manter.
Pires Lucas acrescenta:
— Estamos voltando para uma situação de ameaça da democracia e temos exemplos no mundo inteiro. No Brasil, não se sabe se teremos eleições e como serão, se não vai haver um questionamento das eleições. Nos parece que aquilo que está acontecendo nos Estados Unidos vai acontecer no Brasil. O principal problema dos próximos anos é da consolidação atual da democracia, diante dessas novas ameaças.
Ele aponta como problemas a fragmentação partidária e a falta de enraizamento dos partidos na sociedade brasileira.
— Essas brigas oriundas das polarizações não é o pior problema da democracia. Temos um problema de desgaste, de perda de legitimidade no sistema partidário eleitoral. A fragmentação partidária, que leva ao chamado presidencialismo de coalizão, que coloca em risco a manutenção de prefeitos eleitos, governadores, presidente, que podem sofrer impeachment, não tanto pelos atos criminosos que cometam, mais pela fragmentação e perda de uma maioria, é um problema que demonstra a falta de enraizamento dos partidos na sociedade brasileira.
Por sua vez, o cientista político Marcos Paulo Quadros entende que são muitos e antigos os desafios no Brasil. Ele cita, por exemplo, incremento de renda para a população, saneamento de equívocos institucionais (especialmente o papel do STF), reformas estruturais, ampla revisão constitucional, reposicionamento internacional do país, combate definitivo à criminalidade (o que inclui a corrupção), menor centralização em Brasília, investimento pesado em educação básica e em ciência e tecnologia.
— Certos arranjos inviabilizam mudanças efetivas, e isso precisa ser modificado para que o país se desenvolva de verdade e para que a população sinta-se realmente representada e se enxergue como uma nação menos dividida.
Em relação ao Estado e a Caxias, Pires Lucas avalia que os desafios sejam talvez menos políticos, e mais de ordem econômica.
— Há um desafio na próxima década de fazer uma reestruturação sob pena de que o RS perca o bonde da história, e isso muito motivado à luz da revolução científica, tecnológica e da globalização.
Ele aponta a necessidade profunda de um planejamento estratégico que coloque Caxias novamente num cenário positivo a partir de um processo de inovação.
Sobre o Estado, Quadros define:
— Constrangido diante da ausência de recursos e do déficit estrutural, quem quer que seja o governador se vê diante de uma paralisia gerencial que impede os investimentos e a promoção de políticas públicas. Por isso, o Piratini se tornou quase uma sepultura para carreiras políticas. É preciso otimizar a máquina pública, fulminar privilégios indevidos, incentivar a iniciativa privada e corrigir desalinhamentos regionais.
Em relação a Caxias, Quadros entende que o mais importante é impedir que a cidade ingresse em uma espiral de decadência. Ele também fala sobre a diversificação da matriz econômica, melhora da estrutura logística, aposta na formação humana e na captação de talentos. E destaca a necessidade de forjar novas lideranças políticas e empresariais.
DESAFIOS GIGANTES
Alguns tópicos mencionados pelos cientistas João Ignácio Pires Lucas e Marcos Paulo Quadros para o país, o Estado e o município:
BRASIL
:: Avançar com inovação no âmbito da representatividade dos partidos, eleições e sistema.
:: Reformas estruturais.
RIO GRANDE DO SUL
:: Reestruturação do Estado à luz da revolução científica e tecnológica.
:: Vencer déficit estrutural.
CAXIAS DO SUL
:: Impedir que a cidade ingresse em uma espiral de decadência.
:: Novas lideranças políticas e empresariais.