A Câmara de Vereadores de Caxias do Sul aprovou em sessão extraordinária nesta quinta-feira (21) o pacote de projetos encaminhado pelo Executivo. Das sete matérias, cinco versavam sobre o transporte público municipal. Entre as propostas, foram deliberadas questões polêmicas como a redução do passe livre para apenas três dias ao ano, isenção do ISSQN e da taxa de gerenciamento à empresa Visate e o fim do benefício de 50% de gratuidade na tarifa de transporte para professores e funcionários de toda rede de educação.
A sessão se iniciou por volta das 14h10min, com 40 minutos de atraso do horário previsto. Apenas os vereadores Rafael Bueno (PDT) e Wagner Petrini (PSB) não participaram de forma presencial em plenário. Foi necessária a convocação de três sessões extraordinárias: uma para primeira discussão, a segunda para votação e a terceira para aprovação da redação final.
A matéria que mais rendeu discussão foi a referente à limitação do passe livre. A defesa do tema foi conduzido especialmente pelo vereador Ricardo Daneluz (PDT), que sugeriu intenção de apresentar proposta semelhante antes do governo protocolar o projeto.
- Na época que foi criado (o passe livre) se tinha boa intenção, mas hoje é dia de maior bagunça, de maior depredação e inibe o usuário que antigamente usava devidamente - ressaltou Daneluz.
Apesar de avaliar de forma positiva a concessão da gratuidade por três dias do ano, o vereador Zé Dambrós (PSB) contestou a generalização no discurso de Daneluz:
- Não dá para achar que só tem baderneiros. Estamos buscando forma de reduzir valor da passagem e o passe livre que se paga eu vejo os ônibus vazios, talvez se pensassem uma forma de reduzir o valor da passagem nos domingos ajudasse, por exemplo - sugeriu o socialista.
Renato Oliveira (PCdoB), único parlamentar a votar contrário na matéria, além da bancada do PT, relatou experiência pessoal de infância ao defender a importância do passe livre:
_ Quando foi criada essa lei, foi criada justamente para as pessoas mais humildes. É meia dúzia de gurizada que vem para o centro, foi generalizado. Agora,a s pessoas não tem direito de vir dum bairro de periferia e tomar um sorvete no Centro? Não tem direito de ir no shopping? A pessoa tem de ficar na vila se drogando, não tem direito de viver como gente. Quando meu pai me trouxe para Caxias, quando a gente veio para o Centro foi um orgulho sair como gente, mesmo sendo de um lugar diferente, com a roupa toda remendada.
Além dos cinco projetos relativos ao transporte (detalhados abaixo), foram aprovados alteração da estimativa de renúncia da receita da LDO, a autorização ao Executivo para ampliar o uso de crédito interno contratado junto à Caixa Econômica Federal, que previa aplicação em investimentos em escolas municipais para uso em outros setores e a reformulação do projeto Troca Solidária, que passa a ser gerido pela Secretaria Municipal da Agricultura.
ADIAMENTO E EMENDA REJEITADOS
Antes da votação dos projetos, a maioria dos vereadores rejeitou dois pedidos de vistas da vereadora Gladis Frizzo (MDB) para as propostas que previam a revogação do desconto a professores e funcionários de escolas e o redirecionamento dos recursos contratados junto à Caixa Econômico Federal.
— Não vejo necessidade de ser votado com tanta urgência. Não discutimos com as pessoas que serão afetadas por isso, não acho justo - defendeu a emedebista.
Para a ampliação do uso do crédito contratado junto à CAF, Gladis argumentou o pedido:
- Eu gostaria de votar favorável (ao projeto), não quero que a prefeitura perca esse dinheiro, mas gostaria de documento do Executivo se comprometendo a realmente realizar essas obras - declarou Gladis.
Nenhum dos pedidos foi acolhido em plenário, que também rejeitou emenda do PT para que a prefeitura assegurasse formalmente a reversão da isenção do ISSQN e da taxa de gerenciamento no barateamento da tarifa.
Corte de benefício a funcionários de escolas também gerou polêmica
A revogação do benefício que permitia o pagamento de 50% da passagem de transporte coletivo urbano também foi motivo de contestação da oposição.
Para a vereadora Estela Balardin (PT), houve falta de diálogo por parte da administração.
- Em que momento esse diálogo foi feito com professores e funcionários de escolas? São 664 funcionários que deixarão de usar transporte coletivo. Estamos falando de merendeiras e de professores que receberam seus salários parcelados - criticou a petista.
José Dambrós (PSB) também contestou a medida:
- Uma moradora do bairro Serrano e professora da Escola Érico Veríssimo me informou que R$ 149 do seu salário é embutido de passagem, serão 15 dias que ela vai conseguir comprar passagem, o resto vai precisar ir de Uber ou a pé - relatou.
Já Marisol Santos (PSDB) argumentou que há falta de compreensão sobre a quem incide o valor do desconto concedido aos funcionários de escolas:
- Não é retirada de direito. O que acho que precisamos entender é quem paga, é a questão da justiça ou injustiça. Vejo que tem muita gente que não tem entendimento de quem paga essa meia passagem. Quem paga é quem usa o ônibus.
Na mesma linha, Mauricio Marcon (Novo) defendeu o fim do direito:
- Não existe almoço grátis, alguém tá pagando essa passagem. Quem está pagando? O metalúrgico, a minha cunhada enfermeira que mora em Ana Rech e vem trabalhar no centro. Eu acho que todos deveriam ter direito à meia passagem então. Vamos colocar R$ 10 a passagem e dar meia passagem (irônico). Se nada for feito nós teremos uma licitação deserta, 34% é grátis, imagina um restaurante que a cada 100 almoços, 34 não paga, aumenta o almoço.
A argumentação do poder público é de que a revogação do direito seria uma das medidas que possibilitaria eventual redução da tarifa.
Primeiro embate entre situação e oposição
Durante a sessão se realçaram os confrontos ideológicos que devem dar o tom da legislatura. A polarização foi mais perceptível durante o debate acerca da redução do passe livre. Em dado momento, o parlamentar Sandro Fantinel (Patriota) distorceu a discussão com posicionamento discriminatório de classe social:
— Eu não gosto e fico de certa forma ofendido com esse vitimismo. 'Ah, é porque coitados', 'ah, é porque eles não têm'. Eu não tenho culpa se eles não têm. A minha família não tem culpa se eles não têm (...). Eu, graças ao bom Deus que tenho fé e acredito e os ensinamentos do meu avô e meus pais e o que eles fizeram no passado para eu ter hoje eu poderia ter cinco filhos, eu teria condição de sustentar e dar faculdade para os cinco, mas eu só tenho um, porque eu tenho responsabilidade.
A posição foi rebatida pelo vereador Lucas Cregnato (PT):
— O senhor usou seu exemplo, eu sou filho adotivo, o meu Caregnato vem porque eu fuia dotado. A minha família biológica teve sete filhos e não por relaxamento. A minha mãe adotiva teve quatro, mas por quê? Porque ela teve instrução, condições, uma série de questões que minha mãe biológica não teve e desses sete filhos, nenhum conseguiu completar o ensino fundamental. Temos de considerar a realidade das coisas e das pessoas.
Outra atuação de oposição inesperada foi a da vereadora Gladis Frizzo, que pediu maiores prazos para avaliação de algumas matérias e contestou a negativa dos colegas parlamentares.
Manifestação na frente da Câmara
Um grupo de cerca de 30 manifestantes se mobilizou em frente à Câmara de Vereadores de Caxias do Sul para protestar contra o pacote do governo. O movimento era formado por militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), CPERS e Sindiserv.
- Já é de praxe chamarem sessões em cima da hora sem o devido debate com a população. Agora convocaram para as 13h30min de uma quinta-feira, quando sequer a população pode se mobilizar. Nos incomoda não só a redução do passe livre, como também o fim da meia passagem para professores e funcionários de escolas e a isenção da Visate, que é uma empresa e pode pagar tributos, teria é que estatizar esse serviço - defendeu a militante do PCB, Maila Costa.
A presidente do Sindiserv, Silvana Piroli, também criticou a suposta falta de diálogo do poder público antes de remeter à Câmara os projetos:
- Não foi discutido nada. Muito raso simplesmente tirar o direito de professores. O que realmente impacta a diminuição de passageiros? É a meia passagem do professor, cujo recurso deixará de entrar agora totalmente, ou a falta de itinerários? Quais são os insumos que realmente impactam?
E contesta:
- Por que essa pressa em votar? Para quem está há mais de um ano atrasando lançamento de edital agora tem pressa em lançar esses projetos relacionados ao transporte... ou não tinha pressa ou estavam escondendo alguma coisa - critica Silvana.
Alguns parlamentares interagiram com o grupo, como Lucas Caregnato (PT) e eestela Balardin (PT).
Ausência de entidades e desinformação
Uma das entidades com maior apelo comunitário, a União das Associações de Bairros (UAB) não estava presente na mobilização.
- A UAB está contraditória no posicionamento com relação a esses assuntos do transporte público. Não estão necessariamente aliados com a classe comunitária - critica a militante do PCB, Maila Costa.
O PACOTE APROVADO
Sem tarifa colegial
Revogação da lei que que assegurava aos professores e funcionários de instituições de ensino, localizadas no município de Caxias do Sul, a tarifa colegial (50% de desconto) do transporte coletivo urbano, e dá outras providências. O poder público não informou o percentual que espera poder gerar de barateamento da tarifa com o fim do benefício, mas defendeu que "o ônus de arcar com o deslocamento do funcionário ou do servidor é do empregador, e não do sistema do transporte coletivo urbano". Até então, 674 profissionais da educação se beneficiavam da medida, o que representa 1,2% do total de gratuidades.
Isenções à concessionária
Isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e da Taxa de Gerenciamento para a concessionária responsável pelo serviço de transporte coletivo urbano, a Visate. Com isso, juntas as duas isenções, o poder público espera reduzir em R$ 0,15 o valor total da tarifa.
Redução do passe livre
Redução do benefício do passe livre de um domingo por mês para três dias ao ano. A administração estima que a medida pode gerar R$ 0,05 (cinco centavos) de economia na passagem.
Compensação à renúncia de receita
Alteração da estimativa e compensação de renúncia de Receita da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2021. A adequação se dá pela aprovação de isenções à concessionária do transporte coletivo, que deve gerar impacto de mais de R$ 10 milhões entre 2021 e 2023.
Escolas e veículos
Autorização ao Executivo para ampliar o uso de crédito interno contratado junto à Caixa Econômica Federal, que previa aplicação do crédito em investimentos em escolas municipais, para implementação de sistemas de proteção, prevenção e combate a incêndio (PPCIs) em escolas municipais, construção de prédios novos para duas escolas municipais de Ensino Fundamental e uma escola de Educação Infantil. Com a mudança, a administração poderá utilizar os recursos em outros setores, para aquisição de veículos, máquinas e equipamentos.
Auxílio-transporte
Para os servidores (professores e funcionários de instituições de ensino municipais) que tiveram retirado o benefício da tarifa colegial, com 50% de desconto (ver
acima), fica revogado dispositivo que previa que esses servidores não podiam obter a concessão do auxílio-transporte (para que não fiquem desabrigados de qualquer auxílio ao transporte).
Troca Solidária
Reformulação do projeto Troca Solidária, que passa a ser gerido pela Secretaria Municipal da Agricultura.