Ao término de 2020, encerrou-se a primeira metade dos mandatos de governos estaduais e federal no país. No período, a natural diversificação de perfis das administrações e suas respectivas prioridades pulverizaram-se quase que completamente logo após o primeiro ano das gestões, com o surgimento da pandemia, em março de 2020. Desde então, governos do Estado dedicam-se ao enfrentamento do vírus, que afeta do bolso à saúde da população, matando mais de 200 mil pessoas no Brasil desde o seu início (em 2020 foram mais de 190 mil).
Também a pandemia, entretanto, enfatizou traços nas lideranças dos executivos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, embora Eduardo Leite (PSDB) tivesse relativa identificação com o governo de Jair Bolsonaro (PSDB), especialmente em aspectos econômicos, além do apoio eleitoral, no competente às atuações frente à pandemia, as posturas foram praticamente contrapostas: um cauteloso Eduardo Leite enfrentou inicialmente a oposição de prefeituras do Estado, após adotar um sistema rígido de distanciamento controlado, identificando as regiões do Estado por cores e níveis de risco de contaminação, enquanto Jair Bolsonaro (sem partido) posicionou-se contrário, desde o princípio, ao isolamento social. Em julho, inclusive, em entrevista ao Programa Roda Viva, Leite dizia não se arrepender de ter votado em Bolsonaro. Entretanto, criticou a atuação do governo federal no combate à pandemia:
— O governo federal errou. Não foi só uma omissão, foi confronto (que levou a) um aprofundamento da divisão do povo brasileiro — disse à época.
A dicotomia ensaiada, contudo, já era mais branda ao final de 2020, assim como o nível de rigor do programa de distanciamento de Eduardo Leite. Em 10 de dezembro, Leite disse confiar "na liderança do governo federal" para coordenar a vacinação contra a covid-19 no Estado e no restante do país.
Antes da pandemia, as pautas de ambos tinham pontos em comum, em especial a manifestada intenção em expandir parcerias público-privadas (PPPs) e conseguir tirar do papel reformas no sistema institucional. Em razão também da pandemia, porém, o alcance de resultados e avanço nas propostas foi semelhante: limitado para ambos.
Eduardo Leite
Salários em dia, obrigação festejada
Alvejado pela pandemia, como todos os governos, em todas as esferas, o governo de Eduardo Leite sobressaiu-se no início com a implantação do modelo de distanciamento controlado, que dividiu o Estado em regiões e estabeleceu bandeiras para classificação de risco, com protocolos específicos para cada uma. Inicialmente, inicialmente, confrontou municípios e segmentos econômicos com protocolos mais rígidos. Aos poucos, eles foram sendo abrandados, culminando com a gestão compartilhada com os municípios. O abrandamento de regras, ao contrário do que diz o nome, não controlou o distanciamento. Reflexo da pandemia, pelo menos o RS avançou na oferta de leitos de UTI.
O governo teve como marca uma disponibilidade para o diálogo, o que nem sempre eliminou conflitos. Mas a postura é importante. A grande conquista foi de Leite foi o pagamento integralmente em dia do salário de novembro de 2020, recebido no final do mês e início de dezembro. Isso depois de 57 meses, quase cinco anos, de atrasos e parcelamentos.
O governo se enredou bastante com a definição das alíquotas do ICMS. Com alíquotas majoradas — 18 alíquota básica e 30% as especiais para energia, telecomunicações e combustíveis — até 2020, precisava aprovar na Assembleia a manutenção delas para não perder receita já em 2021. Reforma tributária é tema complexo, mas Leite enviou muito tarde um projeto do governo para debate pela sociedade. Não conseguiu compor a rede de interesse. Já no final de 2020, teve de contentar-se em aprovar o possível — alíquota geral a 17,5% com retorno a 17% em 2022 e alíquotas especiais a 30%, com retorno a 25% em 2022.
No âmbito dos investimentos, o governo estadual muito pouco pôde fazer, diante da penúria contábil. Destaque para o leilão da RS-287 (Tabaí-Santa Maria) realizado em dezembro, dentro do programa de concessão de rodovias estaduais. Para o próximo ano, na mira do programa, estão a RS-324, que liga Marau e Passo Fundo até a BR-470, na Serra, em Nova Prata, e até mesmo a RS-122. Outro avanço comemorado pelo governo foi a autorização pela assembleia das privatizações de CEE, CRM (a Companhia Rio-grandense de Mineração) e a Sulgás.
PRINCIPAIS PONTOS DO GOVERNO LEITE
Más notícias
- Modelo de distanciamento controlado, marca do governo gaúcho no combate à pandemia, perdeu-se bastante no emaranhado de concessões e hoje pouco controla o distanciamento.
- Derrota no governo ao não aprovar uma reforma tributária nem conseguir manter alíquotas majoradas do ICMS como pretendia.
Boas notícias
- Pagamento em dia dos salários do funcionalismo, após 57 meses de atrasos e parcelamentos.
- Sucesso no leilão da RS-287 à iniciativa privada, estimulando novas concessões de rodovias.
- Autorização obtida da Assembleia para privatizações de CEEE, CRM e Sulgás.
Jair Bolsonaro
Muitas polêmicas e aglomerações na pandemia
A característica mais distinta do Governo Bolsonaro no período foi o acúmulo de polêmicas. A inflamação dos embates ideológicos, políticos e partidários que manteve no período eleitoral foi continuada mesmo quando assumiu o poder. A polarização da população e as próprias decisões governamentais foram afetadas por esse cenário de instabilidade contínua. Em 2020, principalmente, Bolsonaro tornou-se ícone da controvérsia, ao assumir postura de negacionismo e minimizar os riscos da pandemia, mesmo o Brasil sendo o segundo país do mundo com maior número de mortes pela covid-19. Também foi no ano passado que Bolsonaro perdeu aliados importantes, como Sergio Moro (ex-ministro da Justiça) e governadores dos dois principais Estados do país: Wilson Witzel (PSL, afastado do cargo em processo de impeachment), do Rio Janeiro, e João Dória (PSDB), de São Paulo. Esse último, inclusive, travou uma disputa particular na corrida em busca da viabilização da vacina de imunização à covid — embate que Dória assume vantagem. Além disso, Bolsonaro perdeu dois ministros da Saúde no período de franco enfretamento da pandemia: Nelson Teich e Luiz Mandetta.
Além das declarações polêmicas, investigações de possíveis casos de corrupção envolvendo pessoas próximas ao presidente também se agravaram em 2020.
O filho de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi denunciado por participação de desvio milionário no chamado caso das "rachadinhas", quando ele era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O outro filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), também foi denunciado por suposto esquema de repartição de salários de assessores, dinheiro que teria sido depositado por Fabrício Queiroz e sua esposa, Márcia de Aguiar, na conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A situação fez Bolsonaro ser eleita "Pessoa Corrupta do Ano" pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio internacional que reúne jornalistas investigativos e centros de mídia independente de todo o mundo. A entidade destacou: "Eleito após o escândalo da Lava Jato como candidato anticorrupção, Bolsonaro se cercou de figuras corruptas, usou propaganda para promover sua agenda populista, minou o sistema de justiça e travou uma guerra destrutiva contra a região da Amazônia que enriqueceu alguns dos piores proprietários de terras do país".
Em apenas dois anos de governo, Bolsonaro foi alvo de 59 processos de impeachment ingressados na Câmara. Até o momento, nenhum foi remetido à apreciação do plenário.
PRINCIPAIS PONTOS DO GOVERNO BOLSONARO
NEGATIVOS
- No primeiro ano, PIB ficou abaixo do dos dois anos anteriores, registrando incremento de 1,1%, o que foi considerada a mais fraca recuperação de recessão registrada no país.
- Em 2020, projeta-se uma retração de 4,4% a 4,5% do PIB brasileiro, em relação a 2019.
- Déficit fiscal deve somar R$ 912 milhões, um recorde.
- Brasil registra 14 milhões de desempregados (números referentes até o mês de novembro).
- Renda do trabalhador caiu em torno de 20% até segundo semestre de 2020.
- Custo de vida mais caro: inflação dos alimentos subiu 11%, até outubro.
CONQUISTAS DO GOVERNO
- Aprovação da reforma da Previdência.
- Aprovação do auxílio emergencial para beneficiar 66 milhões de brasileiros.
- Aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico.
- Aprovação da Casa Verde e Amarela.
- Investimentos em infraestrutura no Brasil somaram R$ 3,5 bilhões no primeiro semestre de 2020.
Fontes: IBGE, Fipe, FGV, Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI)
A opinião dos políticos da região
"Eu diria que o Bolsonaro tem acertos e questões que podem ser discutidas, mas ele vem se esforçando, e não é fácil. Ele pegou a pandemia no segundo ano, isso traz prejuízo grande para qualquer governo, imagina federal. Acho que em algumas questões deixou a desejar, mas em muitas tomou medidas interessantes. Governador a mesma coisa, enfrentou reformas pesadíssimas, conseguiu reforma administrativa em tempo recorde, manteve diálogo permanente com a sociedade, com Assembleia. Tenho certeza de que o governo dele vai ser julgado ao término como um governo muito interessante para o RS." Adiló Didomenico, prefeito de Caxias
"O governo do Eduardo Leite foi satisfatório, foi um governo que deu seguimento e melhorou, conseguiu pagar a folha em dia, foi muito bom dentro das possibilidades. Já o Bolsonaro foi um desastre. Essa questão da pandemia, a maneira como ele tratou e a aflição que o país está passando por causa da doença muito se deve a ele. A ciência está dizendo para manter distanciamento, usar a máscara e ele, cada momento que pode aparecer, faz questão de ir no meio de muita gente, fazer aglomeração e não respeitar nenhum protocolo. É um desastre, e os números da pandemia estão mostrando, pois o povo segue o seu líder e, se o líder acha que não é nada, que é uma 'gripezinha', o povo, principalmente os menos esclarecidos, vai atrás disso. O que se salva neste governo é o ministro dos Transportes (Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas), é a única pasta neste governo que funciona. Já o Ministério da Saúde, como vai entregar o ministério para um general? Saúde é médico, meu filho. E agora, quando o Bolsonaro diz que o Brasil está quebrado e não sabe o que fazer, é um atestado que ele não estava preparado em ser presidente. Se ele que é presidente não sabe, imagina nós. Ele governa com muito deboche e menospreza as pessoas. Morrer 200 mil não é nada, é gripezinha, é uma série de coisas que aconteceram nesses dois anos que meu deus do céu... É uma decepção muito grande." Alceu Barbosa Velho (PDT), ex-prefeito de Caxias
"Governo Leite é um fracasso total, ficou prisioneiro do seu discurso. Até agora, não mostrou o que veio, tirando a questão do covid, que não é das piores, o restante, com relação a obras e assim por diante é praticamente zerado. As condições para encaminhar algumas mudanças estavam dadas e, lamentavelmente, a descontinuidade fez voltar tudo ao início, retomar todas as negociações, e assim por diante. Já o Governo Bolsonaro não dá nem para falar, é um escândalo, um escândalo internacional, não é nem local. Negativo o saldo dos dois. Acho que agora só a próxima eleição." Elói Frizzo (PSB), ex-vice-prefeito de Caxias.
"São dois governos que enfrentaram momentos difíceis em vários aspectos. Primeiro, essa pandemia, que é algo muito difícil de superar, sempre vai ter gente que vai contestar os posicionamentos. Mas são governos que se assemelham sob aspecto de reformas, ambos apostaram em reformas estruturais nos primeiros dois anos. O estadual tem muito maior sucesso na questão da habilidade incrível em aproximar as forças políticas. Já o governo federal é um pouco mais agressivo no combate aos seus diferentes. As polêmicas são proporcionais e muitas vezes motivadas pelo próprio presidente e sua equipe, é um governo que enaltece as diferenças e incentiva essas diferenças. Diferente do governador Eduardo, que busca caminho de unidade. São governos bem diferentes e que possivelmente terão resultados diferentes de acordo com suas práticas. Não me decepciona o Governo Bolsonaro, vejo que ele foi realmente eleito para isso, o clima eleitoral de 2018 exigia um comportamento nesse sentido do próprio Bolsonaro, mas é preciso entender que o ato de governar é muito diferente do ato de fazer política. Fazer política é expressar sua visão de mundo, e o ato de governar é fazer para todos, não só para aqueles que compactuam da sua visão de mundo, mas o presidente Bolsonaro foi eleito nesse ambiente mais belicoso e está sendo fiel aos seus eleitores. É um governo positivo ao que ele se propôs a se fazer." Guilherme Pasin (PP), ex-prefeito de Bento Gonçalves.
"Mesmo antes da pandemia, tínhamos uma situação de economia muito fragilizada, a pandemia obviamente levou ao agravamento da situação econômica, mas antes já tínhamos chegado a um nível recorde de desemprego na história brasileira e gaúcha e total ausência, tanto no plano estadual quanto nacional, de políticas que estimulem o desenvolvimento econômico. São governos sem propostas econômicas consistentes para recuperar a economia, e o que propôs para recuperar a gente sabe que não recupera. Achar que só com corte de gastos resolve o problema fiscal, está provado que não resolve. Esses dois governos são prisioneiros de uma visão econômica fracassada, não tem um governo no mundo hoje que desenvolve política econômica nessa natureza. E temos um presidente que no combate à pandemia é um desastre. Somos o país mais atrasado, por conta de um presidente que é mau exemplo, é um sujeito que vive de querer sempre polarizar as coisas, governa pouco. O Bolsonaro é aquilo que a gente sabia que ele seria. O governador Eduardo Leite pelo menos não é um sujeito que estimula o ódio e também não é um negacionista, mas também é um governo de pouco diálogo." Pepe Vargas (PT), deputado estadual
"O Governo Bolsonaro tem bastantes atitudes, teve acerto muito grande na questão econômica no que se refere à covid, fazendo o socorro às pessoas que precisavam, também importante foram as linhas de créditos colocadas à disposição das empresas e outras ações importantes, como foi o subsídio para folha de pagamento, recursos para governos dos Estados e municípios. Mas na parte sanitária não ajuda de maneira interativa em conjunto com Estados e municípios e precisa ser melhorado, pois tratamos das vidas das pessoas. Está comprometido com as reformas administrativas que precisamos, mas também é um governo que às vezes trabalha com pouco diálogo. Aprovo o governo, com ressalvas. O governo do Eduardo Leite deu sequência às reformas que iniciamos com o (José Ivo) Sartori (MDB), importantes para fazer o Estado necessário, nem mínimo, nem máximo. Conseguiu encaminhar a venda de estatais e entendemos e esperamos que continue com as reformas." Carlos Búrigo (MDB), deputado estadual