No próximo domingo, os cerca de 333 mil eleitores de Caxias do Sul voltam às urnas para escolher aquele que será responsável por, entre outras atribuições, encaminhar a solução dos problemas que mais afetam a população. Para definir os três principais desafios para o futuro governante, a reportagem consultou o reitor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Evaldo Antonio Kuiava; o presidente da União das Associações de Bairros (UAB), Valdir Walter; e o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), Ivanir Gasparin.
As três demandas indicadas foram: a fila de espera por atendimentos do SUS, regularização fundiária de terrenos ocupados indevidamente e o incentivo ao empreendedorismo e à inovação. O primeiro tópico da lista de desafios, sobre a fila de espera por atendimentos do SUS, foi abordado na última reportagem da série A Cidade é de Todos, publicada na edição de terça-feira (10/11). Confira a seguir reportagem sobre as outras duas demandas listadas:
Regularização fundiária: mais de 300 núcleos de habitação irregular
Há 13 anos, a família da comerciante Lucimara Wosniak, 55 anos, deixou uma área de difícil acesso próximo ao aeroporto de Caxias do Sul, longe da escola dos filhos e do trabalho do marido e onde não chegava sinal de internet. Pagando R$ 30 mil, mudou-se para um terreno próximo ao então shopping Iguatemi, hoje Villagio Caxias, conhecido atualmente como bairro Floresta II. Embora melhor localizada, a área não tinha a infraestrutura básica de energia elétrica, água encanada e calçamento. Isso porque tratava-se de uma área pública invadida por um grupo de pessoas dois anos antes, entre eles a mulher que vendeu o terreno para Lucimara.
Assim como o Floresta II, há cerca de 130 ocupações irregulares em áreas públicas e 200 em áreas particulares. Não existe, hoje, um setor que trate especificamente das regularizações fundiárias na prefeitura. Os casos de áreas públicas são tratados pela Secretaria de Habitação e as privadas, pela pasta de Urbanismo, e nenhuma das duas conta com estrutura completa, já que não dispõem, por exemplo, de topógrafos lotados nas secretarias.
— Estima-se de forma superficial que 30% do perímetro urbano de Caxias seja composto de núcleos de habitação irregular. Isso gera uma questão onde o município deixa de arrecadar tributos e sujeita parte da população a morar em condição desumana, em área sem nenhuma infraestrutura — afirma o secretário de Habitação, Carlos Giovani Fontana.
Liderados por Lucimara, cerca de 60 famílias do Floresta II tomaram uma iniciativa para tentar resolver a situação. Autorizados pela prefeitura e pelo Ministério Público, contrataram escritórios para desenvolver os projetos, incluindo levantamento topográfico, laudos geológicos e outros documentos técnicos requeridos no processo, assumindo os encargos de R$ 5 mil por morador. Quando o processo for concluído, esse valor será abatido do valor a ser cobrado pela prefeitura para a concessão das escrituras.
— Isso aqui era um aterro, já teve casas retiradas por ser área de risco e tivemos que lutar por um muro de contenção. Mas as casas foram se consolidando com boa estrutura. Como o pessoal não pagava aluguel, foi investindo na casa. E agora a gente chegou em um ponto que queremos uma escritura, para não ficar em cima de um terreno que não é oficialmente nosso. E a gente viu o que acontece com o (bairro) Primeiro de Maio, então tomamos consciência de fazer isso — diz Lucimara, em alusão a um dos problemas mais graves de Caxias relacionado à regularização fundiária.
O município acumula uma dívida milionária porque um terreno particular, originalmente doado por uma família para a instalação da Universidade de Caxias do Sul, foi invadido e se tornou o Primeiro de Maio, um bairro consolidado na região central da cidade. O terreno, avaliado em cerca de R$ 50 milhões, transformou-se em um débito de mais de R$ 600 milhões ao longo de oito gestões diferentes desde 1983. A disputa ainda corre na Justiça, onde a prefeitura já coleciona decisões desfavoráveis.
Desenvolvimento econômico: A busca por incentivo à inovação e ao empreendedorismo
Incomodado com a precariedade da comunicação com o colégio dos dois filhos, o administrador de empresas Vinicius Nunes, 40 anos, teve uma ideia empreendedora: desenvolver um sistema que funcionasse como uma agenda digital escolar, facilitando o diálogo entre pais, professores e escola e automatizando o processo de pagamento. Assim nasceu, em 2017, o aplicativo Minha Escola, que hoje tem parceria com 253 colégios de cinco Estados e até no Uruguai. Mas uma parte do planejamento não deu certo. Nunes queria instalar a startup em Caxias, mas foi em Novo Hamburgo que encontrou o incentivo para dar a largada na empresa.
— A prefeitura se preocupou em nos aproximar de empresas que tinham fit com o nosso negócio, nos indicaram para programas de aceleração e nos deram dois anos de isenção de impostos, em contrapartida que a gente contratasse mão de obra local. Nada disso encontramos em Caxias — enumera.
Com a startup consolidada, ele e os sócios decidiram transferir a sede para Caxias do Sul. No entanto, esbarraram na falta de profissionais da área de tecnologia. Foi quando decidiram vender uma cota da empresa para a faculdade Uniftec, com quem implantaram estágios práticos de alunos na startup.
— Caxias é uma cidade muito industrial, as empresas que trabalham com tecnologia ainda têm dificuldade na hora de contratar mão de obra. Mas, além de gostar daqui, nós somos teimosos. Encaramos quase como uma missão fazer parte dessa transformação que a gente acredita ser necessária para diversificar a economia da cidade — afirma.
De vocação industrial inegável, Caxias despertou nos últimos anos para a necessidade de diversificar a matriz econômica, reduzindo a dependência de um mesmo segmento. Dos 39 mil postos de trabalho formal que desapareceram na cidade nos últimos sete anos, cerca de 70% concentrava-se na indústria. No entanto, para garantir uma retomada com mais fôlego, lideranças apontam a necessidade de um envolvimento maior do poder público no processo.