Pioneiro, Gaúcha Serra e pioneiro.com concluem a série de oito reportagens que apresentam temas que são as maiores preocupações de eleitores entrevistados em pesquisa da RBS. Para 19% dos caxienses que responderam ao levantamento, a saúde é o principal problema da cidade. Como resolver o déficit histórico de atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) agravado pela pandemia de coronavírus?
Rubens Baptista Junior
Médico especialista em Gestão de Saúde, escritor e professor em programas de pós-graduação e MBA no HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e da Fundação Instituto de Administração (FIA)
RAIZ DO PROBLEMA
"O problema de fila para atendimento do SUS é um fenômeno do Brasil inteiro. É o resultado da diferença entre a necessidade do paciente e a capacidade do sistema de atender. Uma das razões é que nós temos um sistema de saúde único que não tem recursos suficientes para cumprir a promessa feita na Constituição, de oferecer tudo em saúde para todos. E quando eu digo que não tem recursos, eu não estou me referindo apenas a dinheiro, que é um elemento importante, mas, na minha opinião, é secundário. Em primeiro lugar, nos falta organização, competência administrativa no sistema público e principalmente uma mentalidade preventiva."
GESTÃO PROFISSIONAL
"É preciso ter uma gestão de saúde mais profissional em todos os níveis, com gestores que se preparam para ser administradores da saúde. Infelizmente no Brasil nós temos muita improvisação, muito gestor que nunca estudou gestão, então ele administra na prática, vai aprendendo errando, não acertando. E também temos muito gestor em cargo por questão política, que está lá porque é de um determinado partido, porque professa uma determinada ideologia, mas de gestão mesmo ele não entende muito. E a má administração talvez seja hoje o maior problema da saúde brasileira, nem é a falta de dinheiro, que é um problema grave, mas maior problema do que esse é uma administração amadora."
ATENÇÃO PRIMÁRIA
"Indicadores internacionais apontam que, na saúde primária, devem ser resolvidos por volta de 75% dos problemas de saúde. Isso não acontece porque o profissional da rede primária não é bem preparado, e porque nós temos o hábito de passar pra frente o caso. Coisas que são primárias acabam se agravando e vão ser resolvidas lá no terciário a um custo muito grande à pena de formação de fila. A fila de espera é um elemento de agravamento do estado de saúde do paciente."
PREVENÇÃO
"Infelizmente a gente deixa os casos se complicarem, as doenças se tornarem mais graves para só depois oferecer alguma resposta. Essa é uma solução de longo prazo: adotar uma mentalidade preventiva. A prevenção é uma coisa bem complexa. Nos países desenvolvidos, há uma certa consciência de saúde que começa na escola e depois a criança acaba levando isso pra casa. Em segundo lugar, uma mentalidade preventiva significa a população aprender e executar ações que vão diminuir o risco de doenças. Essa é a grande força da prevenção: uma alimentação mais saudável, a prática regular de atividades físicas, é a consciência de não exposição a fatores de risco."
Margarete Isoton De David
Mestre em Gestão e Políticas de Saúde pela Universidade de Bolonha, na Itália, com especialização em Saúde Coletiva e professora na Universidade de Caxias do Sul. Também é enfermeira aposentada da Secretaria Municipal da Saúde.
PROTOCOLOS DE ACESSO
"Problemas complexos exigem medidas em várias direções. Um deles seria a implantação de protocolos de acesso já definidos para algumas especialidades já na atenção básica. Por exemplo, se você encaminhar para um cardiologista, o paciente vai chegar lá e o médico vai definir que precisa de um exame, o eletrocardiograma. Se a gente já soubesse disso na UBS, tendo um protocolo de acesso, com todos os pré-requisitos necessários, quando o paciente chega na consulta especializada, já chega com os exames prontos, e tu otimiza aquela consulta, evitando que sejam duas, uma para pedir exame e outra para analisar."
MUDANÇA DE CULTURA
"Ainda na atenção básica, o profissional tem uma formação generalista e está com um paciente que tem uma parestesia no ombro, que pode ser várias coisas, de ordem neurológica, ortopédica, por exemplo. O clínico tem que tomar uma decisão. Pode encaminhar para os dois, mas aí está colocando pessoas em listas de espera. Se tu tem do teu lado o colega especialista, que a gente chama de matriciador, que regula, o médico da atenção básica pode entrar em contato com ele e pedir uma recomendação. O especialista pode esclarecer, ao mesmo tempo que indica o medicamento e solicita o exame. O encaminhamento fica mais seguro e com isso tu evita colocar uma pessoa na fila. Isso é uma ação difícil de implantar porque tu tem que mudar a cultura. Os profissionais precisam trabalhar de forma mais próxima."
TELEMEDICINA
"O serviço do Telessaúde RS não opera em larga escala em Caxias. Mas Caxias tem uma vantagem, que é um conjunto significativo de especialistas na cidade, que conhecem o nosso fluxo, que conhecem a nossa rede e também poderiam fazer. Eu posso usar o Telessaúde para aquelas especialidades que eu tenho mais gargalos. O Telessaúde RS é uma iniciativa importante, mas nós temos cardiologistas bons aqui na nossa rede, pediatras, que têm plenas condições de nos matriciar.
INFORMATIZAÇÃO
O processo de informatização não estava integrado até dois meses atrás. Isso impossibilita muitas coisas. Se o clínico encaminha para o cardiologista, ele só sabe que o paciente foi, mas não o que o especialista fez. O processo de informatização é essencial inclusive para tu mapear quem vai ou não vai. Isso vai nos dar muita clareza de onde está o gargalo. Tem que ter esse cuidado para, em vez de ajudar a construir o SU,S a gente destrói o SUS, para não acharem que a solução disso é privatizar tudo e a gente sabe que não é."
PAPEL DO PACIENTE
"A gente sabe que o índice de absenteísmo (falta a consultas) é alto no Brasil inteiro. Uma forma de tu reduzir a fila de espera é aproveitar melhor as vagas que tu tem. Uma maneira é fazer o que acontece nos consultórios, algo que eu chamo de sistema de aproveitamento de consultas. Manda um recado por WhatsApp, a gente precisa usar mais essas tecnologias. A UBS tem que ter acesso a celulares para poder se comunicar mais facilmente com os usuários. Uma sugestão é mandar um recado para o usuário uns dias antes com as informações da consulta e pedindo uma confirmação."
Fala, povo
Que ações o futuro prefeito deve tomar para melhorar o atendimento à saúde dos caxienses?
"Minha filha esperou dois anos por uma cirurgia de vesícula, quando ia vencer o prazo começou a pandemia e ela não foi chamada. Agora, vai ter que consultar e começar tudo de novo. Precisa aumentar o atendimento, e eu acho que, enquanto continuar a pandemia, tem que ter um espaço para atender esses pacientes."
Lourdes Jaques Tagliari, 80 anos, aposentada
"Tem que investir mais no SUS, porque a saúde pública precisa ser fortalecida. Eu uso a UBS do bairro São Ciro e só tem oito consultas por dia, para um bairro daquele tamanho. Às vezes falta remédio e, se tu tem uma dor na coluna, por exemplo, demora demais para conseguir um exame ou um especialista"
Samuel Pereira de Vargas, 26 anos, autônomo
"Quando precisei da UPA da Zona Norte, fui bem atendido. Mas, sempre tem o que melhorar. No postinho do Vila Ipê, se tu precisa de um pediatra não consegue, por exemplo."
Marcelo Sousa Marini, 31 anos, metalúrgico
"Tem muito o que melhorar, a saúde é precária em todo o Brasil. Tem que investir mais para as pessoas não ficarem esperando. Os políticos precisam parar de prometer e fazer alguma coisa pela população."
Paula Oliveira, 45 anos, autônoma
"Para conseguir uma consulta no postinho do meu bairro, o Vila Ipê, tu perde uma manhã inteira. Precisa aumentar esses atendimentos, porque a gente depende disso."
Salete Pereira, 52 anos, diarista