Há cerca de um ano, a prefeitura de Farroupilha assinou contrato com a empresa paulista GigaCom para instalação de uma rede de fibra ótica interligando escolas, unidades de saúde e órgãos administrativos do município. Inicialmente, o acordo determinou a conectividade de 32 dos 76 pontos previstos na licitação pública vencida pela empresa, que é a maior fornecedora de sistemas privados de telecomunicações no Brasil. O contrato, previa a instalação e o aluguel da rede por quatro anos, no valor de R$ 13,4 milhões.
Na prática, toda a rede de ensino teria acesso a internet de alta velocidade com no mínimo 100 megabytes em cada escola (mesmo as mais distantes da área urbana), além de cercamento eletrônico, com seis câmeras em cada instituição, que seriam interconectadas com um centro de monitoramento e segurança do município. Também permitiria e integração de sistemas informatizados internos da administração pública e, portanto, mais agilidade nos processos burocráticos.
Por volta de setembro de 2019, a instalação efetiva da rede iniciou. Em março deste ano, entretanto, os problemas começaram.
— Em março, o então prefeito (Claiton Gonçalves/PDT) pegou licença-médica e saiu temporariamente. Quando entrou o outro de forma provisória (então vice, Pedro Pedrozo/PSB), ele imediatamente suspendeu nosso contrato. Tentei entrar em contato e nunca me deram explicação — relata o CEO da empresa, Eduardo Fadanelli.
Após o retorno de Claiton da licença, a instalação foi retomada e praticamente concluída, restando apenas o início de operação do sistema. No entanto, sucedeu-se o impeachment de Claiton no dia 15 de maio, e no dia 19 daquele mês, logo após a efetivação de Pedrozo na administração, novamente o contrato foi suspenso.
— Suspendeu a primeira vez o contrato por 30 dias. Liguei mais de uma vez, a única resposta era a de que estavam analisando. Ao todo, já suspenderam quatro vezes sem explicação nenhuma. Fiquei surpreso porque não sei o motivo, e justamente agora na pandemia, quando essa rede poderia ser utilizada em toda parte da educação à distância, poderia ser usado recurso de aula, treinamentos de professores — explica Fadanelli.
E acrescenta:
— É uma rede que está pronta, que poderia ser usada desde maio, que foi o pico da pandemia, mas está lá parada. Até agora, a empresa investiu mais de R$ 2,5 milhões e não recebemos um centavo. Coloquei fibra na cidade inteira, câmeras e wi-fi em todas as escolas e já deixei preparado para interligar os postos de saúde e a administração. O cidadão também não recebeu nada — ressalta Fadanelli.
No mercado desde 1999, a GigaCom presta serviços a diversos órgãos públicos como aos tribunais de justiça estaduais do Rio de Janeiro e de Rondônia, tribunais federais de São Paulo e do Rio de Janeiro e Ministério Público de Rondônia.
Município alega realocação de recursos
Ao Pioneiro, o prefeito de Farroupilha, Pedro Pedrozo (PSB), afirmou que a decisão de suspender o contrato com a GigaCom partiu da necessidade de o município otimizar recursos durante a pandemia.
— Todo contrato que nós analisamos que neste momento não tinha sentido, a gente parou. Não quer dizer que está certo ou errado, mas quando a arrecadação cai lá embaixo e a economia precisa ser realocada para a saúde, decidi que deveríamos economizar, e um dos contratos foi esse.
Ele ressalta que uma comissão interna avaliou que cinco contratos poderiam ser suspensos até segunda análise. Segundo ele, uma decisão definitiva sobre o serviço deve ser definida nos próximos dias.
— Abrimos prazos para conversação com eles e, assim que esses prazos terminarem, tomaremos posição definitiva. Farroupilha não está mal financeiramente, mas tem necessidade de investir na saúde e em obras em andamento.
Pedrozo nega que a administração não tenha dado atenção à empresa, a qual o prefeito alega estar ciente de todos os processos e motivos da suspensão.
— A internet hoje está funcionando com plenitude em todas as escolas. Claro que o projeto traz outras coisas, mas quero me reservar ao direito de não discutir esse negócio com a GigaCom, e ter o direito de decidir onde o município vai investir ou não.
Questionado sobre o fato de a instalação da rede já estar concluída, Pedrozo disse desconhecer qual era o estágio do serviço.
Via judicial é possível
A suspensão atual do contrato se encerra no dia 13 de agosto. A prefeitura ainda tem direito a uma nova suspensão de 10 dias, o que completaria o prazo máximo de 120 dias previstos por legislação. O CEO da GigaCom, Eduardo Fadanelli, afirma que não considera tomar medidas no momento, porém, diz que o caso poderá sim ser remetido para vias judiciais.
— Eu gostaria de cumprir o contrato, agora, se eu não tiver resposta, logicamente eu vou atrás do direito de recuperar o que eu investi e de todo o trabalho que fizemos. No mínimo do mínimo esse valor (cerca de R$ 2,5 milhões) tem de ser ressarcido. E a Lei 8.666 (das Licitações) dá tranquilidade de eu poder ser ressarcido e posso receber até valor do contrato — afirma Fadanelli.
Sobre o risco de repercussão financeira ao município, o prefeito disse que. por esse motivo, o assunto tem sido analisado com cautela pela administração.
— É por isso que precisa se ter calma e termos uma decisão correta.
"As forças econômicas estão decidindo", afirma ex-prefeito
A rede de telecomunicações integrava o projeto Farroupilha 2020-2040, da gestão de Claiton Gonçalves, que previa uma série de ações para tornar, em longo prazo, o município em uma "cidade inteligente", conceito que visa a incorporação de tecnologias no cotidiano urbano, facilitação de acesso à internet e sistemas informatizados de gestão.
— Uma smartcity não funciona sem ter as vias adequadas. E isso seria a base para avançarmos no conceito de smartcity. Seriam 100 megas em cada equipamento público, seja órgão administrativo ou escola, seja no centro, no bairro, ou no interior. Isso possibilitaria a escolas terem internet forte, era a forma possível de se ter o cercamento eletrônico e de desenvolver a nossa plataforma de saúde que hoje está suspensa — lamenta o ex-prefeito.
Claiton reitera não acreditar alegação financeira para suspensão do contrato e afirma que a licitação que definiu a GigaCom como vencedora da concorrência pública teria desagradado empresas locais que oferecem serviços da mesma linha
— Nós (a gestão anterior) tínhamos método rígido de trabalhar, primávamos nas licitações o melhor resultado para o dinheiro público. Isso faz com que a gente tivesse nariz torcido de algumas empresas. Algumas empresas de informática ficaram com nariz torcido porque instalamos 100 mega, quando elas não conseguem entregar 10 mega na ponta.
Claiton alega que interesses dessas empresas que estariam influenciando a decisão do poder público de interromper o processo.
— Uma plataforma assim, com 100 mega na ponta é mais cara? É. Vai pagar mais porque tem instalação? Vai. Mas não é o Pedrozo que está decidindo isso. As forças econômicas da cidade estão decidindo por ele. Poderíamos ser uma cidade expoente do Brasil e tá nessa chorna pois tem uma sociedade civil muito atrasada.
Pedro Pedrozo nega que "interesses de forças econômicas" estejam interferindo na decisão:
— Pelo contrário, o único interesse é do município, o município tem interesse sim em poder cuidar da saúde, de poder gerir seus recursos da melhor forma possível e foi com esse intuito que suspendemos vários contratos, não só esse.
A SITUAÇÃO
:: Empresa paulista venceu licitação para instalar rede privada de telecomunicações para o município de Farroupilha.
:: Pelo sistema, 32 escolas públicas teriam acesso à internet de alta velocidade, e cada instituição seria cercada eletronicamente por seis câmeras de monitoramento. A rede possibilitaria também a interligação entre 17 unidades de saúde e conectividade com a Secretaria Estadual de Saúde e o Ministério da Saúde. Órgãos da administração também poderiam ser conectados na rede de alto desempenho, o que agilizaria processos burocráticos.
:: A rede começou a ser instalada em meados de setembro de 2019 e, de acordo com o CEO da GigaCom, já estaria concluída em maio, quando o contrato foi suspenso pelo município.
:: A empresa alega ter investido pelo menos R$ 2,5 milhões para a instalação e não recebido nenhum valor do município. O contrato assinado foi de cerca de R$ 13 milhões.
:: O município alega que suspendeu o contrato visando otimizar os recursos para enfrentamento da pandemia.
:: No dia 23 de agosto, exaure-se o prazo máximo de suspensão do contrato, de 120 dias. Até lá, o poder público alega que terá uma decisão definitiva.
:: A empresa não descarta entrar com ação contra município e pedir, inicialmente, o ressarcimento do valor investido.